A quadratura do fogo

(Estátua de Sal, 19/10/2017)

 

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Acabei de ver agora mesmo a Quadratura do Círculo. Hoje o tema foi monocolor – vermelho vivo. Os incêndios e as falhas do Governo, sobretudo estas.

Começo pelo Jorge Coelho que, como bom beirão, me pareceu ser o único que compreendeu, de facto, a tragédia que desabou sobre a vida de milhares de pessoas do interior e em relação às quais manifestou sincero pesar.  Reconstruir, reconstruir, reconstruir foi o seu reiterado mote. Ao ponto de se recusar a comentar a moção de censura, as admoestações de Marcelo ao Governo, a politiquice baixa da direita e todo o elenco de manobras sujas do comentariado de serviço, para virar a opinião pública contra o Governo.

Pacheco esteve igual a si próprio. Tentou antever as consequências que a resposta atabalhoada do governo irá ter na opinião pública e sobre os níveis de popularidade de António Costa e do PS. Para Pacheco, os acontecimentos em causa, irão previsivelmente, originar uma ruptura no apreço e na adesão à imagem do Governo. Sem desculpar a governação, chamou, contudo, a atenção para as restrições de déficit e dívida que a UE impõe ao país e que certamente lhe limitam o investimento necessário numa política florestal e de protecção civil que possa evitar, no futuro, tragédias desta dimensão, facto que a direita se esforça por iludir e que nunca refere. E também perguntou a que título, depois de Pedrogão, não foram requisitadas as Forças Armadas para tarefas de prevenção aos incêndios, apontando tal inoperância como mais uma das falhas do governo. Ó Pacheco, aí falhaste tu, e o tiro saiu ao lado. Então quem manda na tropa, não é o Presidente da República, que é o Comandante em Chefe das Forças Armadas? Marcelo que se mete em tudo, que demite ministros pela televisão, que abraça velhinhas e visita destroços, não terá culpas no cartório nesse quadro de ausência dos militares? Parece-me bem que sim, e por isso me parece também que Marcelo tem também, nesse quadro os seus telhados de vidro. Mas adiante. O que está na agenda é o ataque ao Governo,

O Xavier também esteve igual a si próprio, sobretudo ao nível do descaramento e da falta de vergonha. Que não estava ali para discutir as causas estruturais dos fogos – porque aí não poderia ignorar a acção de Cristas à frente do Ministério da Agricultura -, que não estava ali para debater as medidas de fundo a tomar para salvar o que resta da floresta, não, estava ali para discutir só os episódios recentes e pôr a nu as falhas da governação. Muito bem, ó Xavier. Ao menos desta vez foste claro, e não sonso como costumas ser. E por isso aplaudiu a moção de censura da Dona Cristas, e toda a exploração que a oposição tem feito dos fogos, congratulando-se contudo – aquando do comentário sobre a demissão da Ministra da Administração Interna -, com a nomeação de Pedro Siza Vieira, advogado de negócios para o cargo de Ministro Adjunto. Percebido, ó Xavier. Tu que também és advogado de negócios, uma espécie de eminência parda representando interesses privados que se alimentam há décadas de relacionamentos nem sempre transparentes com o Estado e os seus agentes, deves achar que aí estará mais uma oportunidade para umas rechonchudas facturas de consultoria. Só espero que te enganes. E mais te digo, ficou claro que te estás positivamente nas tintas, para os mortos dos incêndios, para as casas destruídas, para as vidas desfeitas. Business is business e o dinheiro é o teu profeta. E se tu, tal como muitos outros, também acusaste o Costa de insensibilidade perante a tragédia, também te digo, que apesar de achares que compuseste muito bem a imagem, que usaste um tom choroso e sentido, cá para mim ficou claro que patenteaste uma insensibilidade ainda maior. Como bom cristão que dizes que és, por teres usado e abusado das vítimas dessa forma, deves de imediato recorrer à confissão e ao cilício de uma penitência castigadora.

Em suma, foi unânime a conclusão de que o  governo falhou. Mas vejamos o que não foi dito e as perguntas que a direita não faz.

  1. O que poderia ter feito o Governo para acudir a 530 fogos simultâneos em condições climatéricas mais que adversas? Por muitos meios que existissem e que fossem mobilizados poderia somente minimizar os efeitos da tragédia, provavelmente reduzir o número de vítimas, mas nunca evitar completamente que existissem vítimas.
  2. Será que 530 fogos em simultâneo podem ser assacados apenas a causas naturais?
  3. E se estivéssemos em presença de um plano orquestrado e urdido, terrorismo clandestinamente organizado, de forma a criar o caos e a destruição, tentando que o alarme social assim gerado possa ferir de morte a imagem deste Governo, abrindo as portas a um hipotético regresso da direita ao poder?
  4. Será que, nessa hipótese, haverá algum governo que possa ter meios no terreno que evitem a tragédia? Será que haveria algum governo que não sucumbisse e não revelasse falhas no combate ao flagelo e a um ataque desse tipo?

O único que tentou aflorar esta hipótese explicativa para tantos fogos, tão intensos e tão sincronizados, foi Pacheco Pereira, na sua última intervenção, já a fechar o programa. Estranhamente, ou talvez não, o incómodo perpassou pela sala, o Xavier baixou o olhar, o Coelho salivou o silêncio, o moderador, Carlos Andrade, tentou desconversar e perante a insistência de Pacheco no tema fechou o programa a correr:

— E assim termina a Quadratura do Círculo, na próxima semana, Pacheco Pereira, Jorge Coelho, Lobo Xavier…. – foi ele dizendo.

E assim também eu termino esta crónica, com o conhecido adágio galego:

— Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay

7 pensamentos sobre “A quadratura do fogo

  1. Um PR que ainda acaba no papel de Faraó.
    Imagem retirada da cultura de empresa, detectada em tempos no Exército, por oposição à de outro ramo mais técnico e moderno. Uma sucessão de hierarquias, incapazes de iniciativa, felizes como rame rame, porque poderiam, se mexessem, desagradar ao Chefe. A necessidade de um qq despacho do topo, para poder mudar um vidro partido numa janela.
    O general Garcia Leandro, em conferência no IDN, apontava para uma imagem dos ministérios/Governo. Sobre uma mesa, um conjunto de cilindros, ao lado uns dos outros mas com sectores de intersecção mútua.
    Os PM do Reino, não deixam de ter uma visão de conjunto, excepto se demasiado ocupados com a rotina-sem tempo para pensar, como lamentavam em tempo dois dos Faraós do Exército.
    Não houve, no MAI, uma das novas eminências que proliferam em cada novo governo, um ‘assessor’, capaz de alertar a ministra, para a possibilidade de reforços vindos das FA?
    Que aliás, não seriam também a panaceia. Tal como o moção infantil do bando CDS.
    Portugal 2017, um produto da dedicação política profissional pouco, da rotação governamental muita, por décadas a mais.
    Organizem-se.

  2. Os incêndios de domingo, devido ao número invulgar de ignições e aos desenvolvimentos igualmente invulgares de intensidade e propagação, CONSTITUÍRAM O DIA COM MAIS ÁREA ARDIDA NUM SÓ DIA DE QUE HÁ MEMÓRIA, ESTIMADA ENTRE 120 MIL A 150 MIL HECTARES, e batendo em mais do dobro de área ardida o record atingido antes nos incêndios de agosto de 2003 onde chegaram a arder 50 mil hectares por dia.
    Este número, mais de 120 mil hectares ardidos num só dia, demonstra só por si, a natureza excepcional destes incêndios de domingo e a falta de meios sentidos no seu combate e as dificuldades de articulação destes meios.
    Quantos bombeiros são necessários para cobrir num dia mais de 120.000 hectares?

  3. Com tantos pontos de partida dos fogos desta última semana, não me custa acreditar no ponto 3 da conclusão que chegou a “estátua de sal”: “E se estivéssemos em presença de um plano orquestrado e urdido, terrorismo clandestinamente organizado, de forma a criar o caos e a destruição, tentando que o alarme social assim gerado possa ferir de morte a imagem deste Governo, abrindo as portas a um hipotético regresso da direita ao poder?”
    Vamos ver o que dão os inquéritos …. por mim, 530 fogos ao mesmo tempo… não é castigo do Céu !!!

    • Ou a interesse/s económico/s num país europeu na moda, onde faltam espaços em conformidade para grandes investimentos a exigir áreas libertas dos constrangimentos existentes?
      De qq modo e quanto ás ‘queimadas’ pedidas pela pastorícia, presos uma vez mais do papel dos amanuenses instalados: fase Charlie porque sim ou fase Queima porque vai chover.
      Queimadas, Bombeiros & GNR: não está regulamentado que GNR & Bombeiros, sejam informados? Que campanhas de informação, desencadeadas por Quem?
      Organizem-se.

  4. o salafrário supremo é mero “comandante de prateleira”!
    “compreendendo os seguintes direitos e deveres:
    Dever de contribuir, no âmbito das suas competências constitucionais, para assegurar a fidelidade das Forças Armadas à Constituição e às instituições democráticas;
    Direito de ser informado pelo Governo acerca da situação das Forças Armadas;
    Direito de ser previamente informado pelo Governo, através de comunicação fundamentada, sobre o emprego das Forças Armadas em missões que envolvam a colaboração com as forças e os serviços de segurança contra agressões ou ameaças transnacionais;
    Direito de ser previamente informado pelo Primeiro-Ministro, através de comunicação fundamentada, sobre o emprego das Forças Armadas e de outras forças quando integradas numa força militar, em operações militares no exterior do território nacional;
    Dever de aconselhar em privado o Governo acerca da condução da política de defesa nacional;
    Direito de ocupar o primeiro lugar na hierarquia das Forças Armadas;
    Consultar o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea, em matérias de defesa nacional;
    Conferir, por iniciativa própria, condecorações militares.

    Retirado do sítio www do dito “comandante”!

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