Todos os fogos, o fogo

(Por Estátua de Sal, 16/10/2017)

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(O título deste artigo é o de um conhecido livro de contos de Julio Cortázar )

O país está a arder. Está a arder e parece que o fogo não queima só vegetação, casas, haveres, infraestruturas e pessoas. No olhar das televisões o fogo queima o mundo inteiro. Já não há notícias, outras, a não ser aquelas que decorrem das labaredas e dos seus efeitos. Hoje de manhã, queria saber o que se teria passado na Catalunha com o ultimato dado por Rajoy ao Governo catalão, e tive que esperar três horas, e começar por ver referência ao tema apenas em nota de rodapé.

Parece-me que estamos na presença de dois tipos de incendiários: os criminosos e/ou os negligentes que ateiam os fogos, e os incendiários informativos que na comunicação social os empolam e os saboreiam para semear todo um cenário de alarme social no espírito daqueles que nem fumo viram. Assim, todo o espaço informativo passou a transmitir uma narrativa única e uniforme. A realidade passou a ser unívoca e o assunto dominante é pisado e repisado até à náusea.

Foi assim com a demissão de Passos, com o regresso de Santana, com a acusação a Sócrates e agora com os incêndios. Em cada dia elegem um alvo, e mordem a presa, até não lhe restar pinta de sangue. Deixam pois de existir notícias do mundo, e a agenda mediática é dominada por um cinzentismo uniforme, um sensacionalismo de tablóide, vampiresco da desgraça alheia: morreu um bebé no fogo, dois idosos desapareceram, o meu carro ardeu, a minha casa ruiu e fiquei sem nada, e mais, e mais, a desgraça na primeira pessoa.

Há depois as lamúrias acusatórias ao Governo, às autoridades e ao dispositivo no terreno. A culpa é do Costa e sobretudo da ministra, de quem se pede a cabeça, sempre que se ouve um crepitar de chamas. Sim, à força de acharmos que a evolução tecnológica é uma panaceia que permite debelar todos os males do mundo, temos tendência a minimizar o potencial destrutivo das catástrofes naturais que, estamos muito longe de poder antever e dominar. Como se a cabeça da ministra, servida em bandeja, aplacasse a ira do fogo, ou invocasse a vinda miraculosa de uma agulheta gigante que num ápice apagasse as chamas.

É evidente que nada disso se iria passar e que os fogos, depois de ateados, não se apagam com demissões, e os acusadores de serviço sabem bem disso, e todos nós sabemos que eles o sabem. É por isso que só nos resta concluir que na senda das desgraças e das catástrofes há sempre o coro dos que da desgraça vivem e das lágrimas das populações querem beneficiar.

A Direita, arredada que está do poder, toda ela se lambe no crepitar das labaredas, toda ela se empolga para apontar falhas ao Governo, toda ela se lambuza a pedir demissões. É a política da terra queimada: preferem um país destruído e a arder, regado pelas lágrimas das populações, do que existir um país a prosperar e sem catástrofes que não seja governado por eles.

A Direita sempre defendeu e apregoou a desgraça como o berço natural dos mais deserdados, os que não fazem parte dos ungidos por divina ou superior ascendência. A defesa da desigualdade está-lhes no sangue e na genética. E é isso que continuam a propalar aos quatro ventos, os tais ventos que indómitos fazem propagar as chamas em ritmo incontrolável.

Passos queria o diabo, que viria em forma de juros altos, sanções europeias, descontrole orçamental. Costa teve agulheta para tudo isso e Passos engoliu em seco, desistiu e está em vias de fazer penitência por ter invocado o nome de satanás em vão. Mas os prosélitos de Passos aí estão a esfregar as mãos de contentamento: parece que o diabo sempre apareceu. E, fazendo jus à sua fama, trouxe consigo as chamas do inferno.

 

7 pensamentos sobre “Todos os fogos, o fogo

  1. É uma calamidade muito esquisita. Os gajos andam de cabeça perdida. A Justiça que sabe tanta coisas da vida íntima de Sócrates não consegue saber quem são aqueles que incendeiam Portugal em simultâneo em mais de 600 lugares numa distância de mais de 400 kilómetros? .

  2. Temos o nosso País devorado pelas chamas do ódio , do ressabiamento, da ganância e da inveja desmedida. São abutres que se alimentam da desgraça de um povo que não tem culpa da falta de cultura a que foi submisso durante a ditadura . São abutres ávidos de sangue ! São abutres insaciáveis dos despojos ! São a face do demo , encapotada , à espera dos dividendos. São abutres que se escondem por trás dos assassinos .

    • Portugal arde. Numa conjuntura climatérica actual, com uma seca extrema, com os maus hábitos de muitos portugueses descuidados com os seus haveres e os haveres comunitários, mas sobretudo com outros portugueses empenhados em destruir o país, que se poderia esperar que sucedesse? Culpa-se o Governo, a ministra, os meios insuficientes, as organizações. Temos uma série de sabichões capazes de resolver tudo e num ápice. Sabichões esses que sabem muito bem a origem do mal. Encapotados, disfarçados, disparam apenas na direcção que pretendem atingir. Então expliquem lá porque arde a Galiza, porque arde a Sérvia, porque arde a Bulgária e muitos outros países, mas sobretudo porque arde a Califórnia? Será que os americanos a despeito de terem um Trump, desaprenderam tudo e ficaram sem organização e meios suficientes de combate aos incêndios ou que há forças que nem as organizações dos países mais poderosos podem suster. Há sempre erros a corrigir, mas ao que se assiste é um ataque cerrado ao governo com o único ojectivo do seu fracasso. Se este governo fracassar os mais pobres fracassarão. Se este governo fracassar os mais ricos rejubilarão.

  3. Pois, meu caro, é o capitalismo a funcionar no seu melhor, mesmo num pobre país onde o governo é da responsabilidade de um partido DITO socialista, chefiado por quem está motivado para dar continuidade ao legado daquele charlatão já finado que, para alguns ilustres democratas como ele, o charlatão, até tinha «a inigualável grandeza de político que sabia ler o futuro» – assim tipo “vidente de Massamá” diria eu que me bati até à depressão para ajudar a construir a GLORIOSA CR de 1976, e gloriosa porque genuína filha do também GLORIOSO movimento popular que, nas ruas, nas fábricas e por todo lado, pacificamente, transformou um golpe militar corporativista numa verdadeira REVOLUÇÃO SOCIALISTA –
    [grandeza essa que o levou, na senda de esmerado vendedor de gato por lebre, a pedir o voto ao luso Zépovinho para aqui se construir um socialismo não de miséria (nem à cubana, nem à chinesa, mas “em liberdade”/”Europa connosco”) mas sim de abundância, socialismo esse que ficou plasmado na dita GLORIOSA CR DE 1976, com base na qual esse canalha desse charlatão ascendeu ao poder/pote para, logo que lhe descobriram a careca de vendedor de gato por lebre e correram com ele do acesso ao pote, sevindo-se da (desbocadamente) propalada “grandeza inigualável” e lendo o futuro, se aliar à então extrema direita representada no Parlamento pelo então C”D”S” e, para continuar no poder, sua insofismável e nata apetência de sempre, decidiu meter na gaveta o SOCIALISMO que na CR estava plasmado de forma brilhante, como brilhante e sincero foi o trabalho do conjunto dos deputados constituintes que a elaboraram e aprovaram, e assim poder continuar no poder, versus, acesso ao pote; mas, infelizmente para o luso Zépovinho votante e pagante, não só se ficou por aqui, esse charlatão porque, continuando a ler o futuro como só esse canalha sabia ler (a tal descabelada grandeza inigualável), depois de duas pré-banca-routas e da fome no Vale do Ave e em Setúbal (quem disto se pode esquecer mantendo a sua honestidade, ainda que só a intelectual ou amigo Estátuadesal?!?!?….), depois de ter mandado vir gentalha (todos seus amigos) do calibre do alucinado e criminoso de guerra spínola (que não só mandou reintegrar nas Forças Armadas como até promoveu a marechal pelos gloriosos feitos alcançados quer na guerra colonial fascista quer depois do 11 de Março de 1975 pela actuação do não menos fascista ELP (exército de libertação de Portugal, assim designado pelo dito spínolazeco fascista), gentalha como o Ricardo Salgado, bem como gente como os irmãos Melos e o Champalimond que eram capitalistas mas não fascistas, a quem devolveu, com elevados juros e benesses diversas os meios que a revolução tinha nacionalizado e CR havia consagrado como bens do Povo; e daqui até a integração de Portugal (um país pobre, já sem Império, bastante atrasado culturalmente, país pequeno e de economia obsoleta e por demais aberta) no “Clube dos ricos” foi um passo de anão, vindo a culminar com a ainda mais desastrosa entrada no Euro]
    – está aí o resultado prático da tal “inigualável grandeza do político que sabia ler o futuro” : o bicho morreu, mas a peçonha/capitalismo ficou, ou seja, não acabou, como diz o Povo!…
    Mas todo este cenário constituirá por certo, no seu conjunto, o tal legado que o actual PM prometeu continuar. Por isso, meu caro Estátua, não se admire de tantas coisas como ultimamente me parece que vem manifestando nos seus escritos, porque, o amigo pode não querer ver (talvez por ainda alimentar a esperança de uns quantos de, um dia, poder entrar para o grupo dos 1%), mas o que está a acontecer é o corolário do capitalismo a funcionar em pleno, se bem que já não em grande, porque, como qualquer moribundo, o estado da agonia em que se encontra desde 2007/2008 – já passou uma década – apenas lhe vai permitindo alguns espasmos de que Portugal, Espanha, e pouco mais, são exemplos porque as suas economias ainda conseguem um débil crescimento se tomado em sentido absoluto pois a dívida não se compadece com crescimentos inferiores a 4%, e mesmo assim, se o Turismo abrandar, a “coisa” vai começar a ficar mais negra!…
    E sobre a dificuldade que experimentou em saber notícias da Catalunha, eu também experimentei, porque, sabendo das eleições regionais na fustigada Venezuela (depois da Coreia do Norte, é o país que as “trumptadas” colocaram na senda da “fúria” – bem hajas China por seres quem agora pode sustentar o insustentável quanto perigoso estado de fragilidade a que o capitalismo levou o planeta Terra), tentei saber alguma coisa, mas os fogos não deixaram. E só mais tarde, já no dia seguinte, consegui saber, pelas redes sociais, os resultados que logo aqui vim partilhar mas aos quais ninguém reagiu!?!?…nem o meu caro Estátua…os fogos fazem destas coisas!…
    Mas eu fiquei, e continuo, muito satisfeito com tais resultados, de tal modo que, para dar asas ao meu contentamento contente, tomo a liberdade de os voltar a reproduzir:

    El schavismo obtuvo el 54 por ciento del voto nacional, frente a 45 por ciento de la oposición, destacó el mandatario Nicolás Maduro.

    La Revolución Bolivariana ganó 17 de 22 gobernaciones del país en los comicios regionales de este domingo, informó la presidenta del Consejo Nacional Electoral (CNE), Tibisay Lucena. Solo el estado Bolívar no tiene una tendencia irreversible.

    Con la tendencia irreversible de 22 estados y con el 95,8 de transmisión, la Revolución Bolivariana ganó 17 gobernaciones y la oposición cinco.

    La participación electoral fue de 61,14 por ciento, detalló la rectora del CNE. Una cifra superior al 53.94 por ciento de los comicios regionales de 2012.

  4. Lamento mas creio estar perante uma pessoa que não serve para dialogar quando põe á frente estruturas que só sabem governar quando um País está na miséria e empobrecida para poder dominar o povo e coloca-los em fila indiana para comprar bem essenciais á alimentação e por senhas de quantidade , e os que estão no poder até são OBESOS. Eu vivi e sempre vivi num País livre. No tempo de Salazar, Não Faltava trabalho e comida . É lógico, para comer era preciso trabalhar e cultivar. Hoje não é preciso pois o dinheiro é fácil , e não preciso trabalhar. Já agora, se me permite, um pequeno reparo a quem escreveu o comentário anterior, para quando , por muito que nos doa, quando se referir a quem quer que seja, usar um pouco de respeito pelas pessoas, pois a historia é feita de homens bons e maus, e devemos respeitar os protagonistas, pois cumpriram os seus deveres. Portanto, um pouco de respeito não fazia mal algum .

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