Incêndios: claro que se vai repetir. Durante anos 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 16/10/2017)

Daniel

Daniel Oliveira

Há uma coisa impossível de explicar a um jornalista. Na realidade, ela pode ser explicada a um jornalista e qualquer jornalista a consegue entender. Mas não a consegue usar no seu trabalho, que exige respostas e soluções simples e tão rápidas como as suas notícias. Essa coisa foi a que António Costa disse ontem: não só não pode garantir que o dia de ontem não se vai repetir como é seguro que, de alguma forma, vai acontecer de novo. O que o jornalista não pode compreender é que a resposta a um problema realmente importante é muitíssimo mais lenta do que o seu trabalho. É como pedir a um pugilista que jogue xadrez. Com luvas. Mas isso não pode determinar as decisões tomadas pelos políticos.

Nesta madrugada vi jornalistas exigir auditorias para que tudo fosse resolvido. Na rapidez da sua indignação e, desconfio, com a mesma inconsequência da sua indignação. Só que, não sei se deram por isso, houve um estudo que fez algum trabalho. Não lhe foi dedicada grande atenção, porque ele exige um domínio técnico do tema que ultrapassa as frases bombásticas e as soluções instantâneas. Só que esse estudo não fala apenas do que aconteceu em Pedrógão. Fala dos problemas circunstanciais e dos problemas estruturais, da prevenção e do combate. E apresenta propostas.

Parte das propostas estão em andamento e delas destaco, antes de tudo, a mais relevante: a reforma da floresta que, infelizmente, o PCP deixou coxa e que se espera que os restantes partidos possam vir a completar. Quanto ao combate aos fogos, há um debate difícil a fazer-se sobre um sistema que se baseia sobretudo no voluntariado. Temos milhares de homens e mulheres que merecem toda a formação para que a sua generosidade se traduza em eficácia. E é hoje evidente que a Proteção Civil tem problemas gravíssimos, provavelmente fruto de nomeações demasiado partidárias, e que precisa de uma limpeza urgente. E que dificilmente será esta ministra, tão fragilizada politicamente, a fazê-la. A demissão da ministra não resultará sobretudo das responsabilidades diretas no que tem acontecido. Resultará da necessidade de ter alguém com autoridade política para fazer o que tem de ser feito. E Constança Urbano de Sousa não tem essa autoridade.

Por fim, há o dia de ontem. E quanto a esse, ninguém com juízo negará que as temperaturas que estamos a sentir quase a meio de outubro são absolutamente excecionais. E que uma década sem incêndios e dois anos de seca fazem o resto. Sobretudo quando parece evidente, pela quantidade inacreditável de ignições, incluindo à noite, que há mão criminosa e que o fenómeno está a atingir proporções só compreensíveis se estivermos perante crime organizado.

Nada, a não ser o refrescamento do Ministério e a limpeza da Proteção Civil, produzirá efeitos brevemente. Tudo o resto, que é o que interessa, precisa de tempo e de um compromisso político alargado durante uma década. Comecemos por ler o relatório publicado pela comissão independente e continuemos completando a reforma da floresta que deu os primeiros passos há uns meses. A ministra não pode ficar? Não. Mas a sua demissão não vai resolver coisa alguma. Costa tem razão: cada incêndio que apagamos é apenas um incêndio que é travado. Os problemas estruturais estão lá todos e, lamentavelmente, não se vão resolver ao ritmo das polémicas mediáticas. Esta é a altura em que os vários atores políticos se entendem e olimpicamente ignoram o ruído dos comentadores e jornalistas. O meu incluído.

6 pensamentos sobre “Incêndios: claro que se vai repetir. Durante anos 

  1. VAMOS RIR!

    “Indicadores da Gestão
    A Mata Nacional de Leiria (MNL) com 11.062 hectares, está arborizada numa superfície de 10.177
    hectares, tendo como espécie principal o pinheiro-bravo (que ocupa 73% da área da Mata) para produção de madeira de qualidade e dimensão, sendo a restante área florestada ocupada por pinheiro-manso, acácias, eucaliptos, carvalhos, sobreiro e outras folhosas e resinosas.
    A Mata foi muito afectada pelo grande incêndio de Agosto de 2003, tendo o fogo percorrido cerca de 2.578 ha, dos quais 2.060 ha na zona produtiva (cerca de 25% da sua área total) e 503 ha na zona de protecção. No período de 2000 a 2011, foram investidos € 1.756.697 em acções de controlo de vegetação, de desramações, bem como na realização de desbastes e de cortes culturais, tendo sido intervencionados cerca de 7.208 hectares. Quanto às receitas (para o período de 2000 a 2011) obtidas com a comercialização de material lenhoso, o seu valor foi de € 20.627.176. A venda de outros produtos lenhosos e não lenhosos resultou em € 277.412 euros. A resina é um produto secundário que aqui é apenas explorado nos últimos três anos antes do corte final. Exercem a sua actividade profissional na MNL vinte funcionários da AFN, afectando 20% do seu período laboral às actividades relacionadas com a administração/gestão da Mata, o que representa, em termos de custos de estrutura cerca de € 8/ha/ano.”

    Sempre me perguntei porque motivo não usam a malta apelidada de “militares” para ajudarem na limpeza e vigilância (armada) das Matas Nacionais?
    Eu considero um desperdício usarem esta malta em operações de rescaldo de terra queimada! Mas pelos vistos assim é que é “porreiro pá”!

    Em 2003 ardeu 25%… E agora ardeu ± 80%… Estamos a ficar profissionais!

  2. “ninguém com juízo negará que as temperaturas que estamos a sentir quase a meio de outubro são absolutamente excecionais.”
    Infelizmente, a cada ano que passa deixam de ser excepcionais para serem o novo normal.

  3. O Homem que Ri?
    Que impede o ministrão MDN de determinar um milhar de militares em missões de vigilância do território? E outro milhar de prevenção? E os parcos meios aéreos ligeiros dos militares, em vigilância e ops de socorro nas zonas sob risco?
    Que impede a ministrinha MAI, de determinar para GNR & PSP: durante x dias, um terço dos efectivos, em vigilância nocturna?
    El Comandante, por supuesto.
    O político, não o general. Se há sector fácil de ‘obrigar’ a fazer, é o da mili.
    Who is in charge?

    • I quit, basta já.
      “INCÊNDIOS: 2011 – O ÚLTIMO COMBATE”
      Agosto de 2010 – Portugal: o drama deste ano com os fogos florestais, vem comprovar como pouco se avançou desde o fatídico ano de 2003, quando o fogo iniciado no mato a poucos passos de um caminho da vila de Silvares para a serra da Maunça (Fundão) varreu o país até Abrantes, no total dos incêndios por uma área idêntica à do Algarve.
      Como habitualmente, inúmeros comentadores, estudiosos e políticos, vão opinando e diagnosticando o que está de há muito diagnosticado: que política florestal (existe?); ordenamento do território (objectivo possível há duas décadas, entretanto realizado pela realidade económica e inércia governamental); organização dos meios de combate aos fogos florestais (portuguesa).
      Entretanto, perto de dez mil bravos bombeiros vão resistindo evitando o pior, o massacre de uma ou outra pequena população de uma aldeia do interior profundo. À custa das vidas de alguns, como a da voluntária Cristiana Josefa de Gondomar, a “Soldado desconhecida” (12Ago10, DN) – estudante universitária, trabalhadora a tempo parcial e voluntária, nos seus 21 anos de existência interrompida e sem seguro de vida*.
      Maio de 2011: na primeira semana de Maio, tem lugar nas instalações da Autoridade Nacional de Protecção Civil uma reunião presidida pelo PM sobre a Segurança e Defesa dos Incêndios para o Verão. Presentes, altos representantes dos sectores que prepararam a Ordem de Operações para o efeito, fruto do Plano de Operações Josefa de Out10: Forças Armadas (MDN), GNR e PSP, Protecção Civil e Bombeiros (MAI); Florestas (MA); Serviços prisionais e PJ (MJ); Associação Nacional de Municípios…
      Foram passados em revista, a preparação e prontidão dos meios e sistemas de defesa do território:
      … in Jornal do Fundão. Longe vai o tempo, em que perdia tempo com sugestões para gabinetes ministeriais.
      I quit.

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