Marques Mendes e o enviesamento da Justiça

-(Por Estátua de Sal, 15/10/2017)

mm1

Alguns dos meus leitores poderão dizer que sou masoquista. Frequento com reverência todos os comentadores de direita que opinam no espaço público, leio amiúde o Observador e até vejo a CMTV, apesar de não simpatizar com nenhum dos personagens que lá debitam opinião. Farto-me de sofrer mas não se pode analisar e antever as tácticas da Direita sem lhes escrutinar os clarins. Assim, hoje não perdi, a homília dominical do Marques Mendes.

Começo pelo fim da peroração. A Catalunha foi à defesa, deixando tudo em aberto, para poder cair, no futuro, para o lado que mais lhe convier – é o truque da pitonisa.

O orçamento. Bem o orçamento é mau porque é “chapa ganha, chapa gasta” – usando uma expressão do “grande economista” Gomes Ferreira -, e porque pode vir aí uma crise qualquer, o preço dos ananases sobe, as pessoas comem mais bananas, as cascas vem todas desaguar às praias de Portugal, os turistas fogem todos e temos que chamar a troika de novo. E por isso não se devia aumentar os rendimentos do trabalho nem baixar o IRS, para amealhar, e assim se poder limpar as areias da costa assoreada. É claro que estou a ironizar, mas este é o raciocínio da Direita. É claro que, numa economia aberta como a nossa, se houver uma nova crise mundial com a dimensão da de 2007/2008 que afecte as nossas condições de financiamento, estamos sempre tramados, qualquer que seja o nível do déficit e qualquer que seja o orçamento. Essa história do “papão” da crise não passa do wishful thinking, da Direita para chegar de novo ao poder, como sucedeu em 2011. O tal “diabo” de aguilhão em riste de que falava o Passos.

Chegamos assim, ao princípio da intervenção, a parte mais suculenta. Sócrates, claro. O Mendes acha que essa flor de estufa que é a presunção de inocência é só para os tribunais. Para ele, o dito cujo é mais do que culpado. Se não for dado como culpado em tribunal, pelo menos é sacripanta porque veste fatos Armani, ia de férias para sítios requintados, e tudo sempre à pala do amigo a quem “cravava” sem pudor. E portanto, para o Mendes, está visto que é objetivamente, culpado, senão de corrupção, pelo menos de “cravanço”. Acresce que o Mendes já há muito tempo que sabia que o Sócrates era “venal”, já o tinha atacado quando ele, Mendes, era líder do PSD, tendo havido à época um deputado do seu próprio partido que veio em defesa de Sócrates: Duarte Lima.

Logo, para o Mendes, a prova está feita: se Sócrates foi defendido pelo Duarte Lima, sabendo nós o que sabemos do Lima, o Sócrates só pode ser culpado, pelo que o MP produziu uma investigação “sólida” e está de parabéns. E está tanto de parabéns a D. Joana Vidal que Mendes concluiu que com o anterior Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, nunca teria havido investigação.

A afirmação de Marques Mendes é gravíssima. Diz ele que a Justiça é uma arma de arremesso a soldo de interesses políticos. Marques Mendes deve saber do que fala, e digo eu, talvez deva saber mesmo, em causa própria, daquilo que fala. É que o argumento é reversível.

Durante os últimos anos Marques Mendes foi associado a várias situações de ilegalidade, situações de dúbio contorno pelo menos, que nunca foram investigadas em profundidade, a última das quais é a sua ligação  ao caso dos Vistos Gold, cujo julgamento está a decorrer a sete chaves, sem que nada se saiba nem transpire para a comunicação social nem mesmo para o sempre bem informado Correio da Manhã. Deixo aqui um elenco de notícias várias que associam o nome de Marques Mendes a situações de pouco clara legalidade. Uma delas é de pasmar. Tive que ir ler a Bola para saber que Miguel Macedo “meteu cunha” a Paulo Núncio no caso dos Vistos Gold! Sobre esta notícia escreveu o Expresso? Não. Deu a SIC, a TVI, a RTP a notícia? Não que eu visse.

Vejamos então a lista das notícias:

 Marques Mendes apanhado em negócio ilegal de ações

MigueMacedo foi sócio da dona da Golden Vista

Amigos incriminam Macedo e Marques Mendes sabia dos favorecimentos dos Vistos Gold

Marques Mendes apanhado a pedir favores em escutas relacionadas com o caso Vistos Gold

«NÚNCIO CONFIRMA CUNHA DE MINISTRO MIGUEL MACEDO» – CORREIO DA MANHÃ

 Logo, a minha conclusão é só uma. O argumento que Marques Mendes usou para acusar Pinto Monteiro de uma hipotética parcialidade pró-Sócrates, é reversível: se a Procuradora-Geral da República não fosse hoje Joana Marques Vidal será que Marques Mendes estaria tão tranquilo e tão leve de sorriso a falar sobre o caso de Sócrates? Será que as situações, que acima elenquei, não teriam tido outro tipo de investigação, desaguando em conclusões que o levariam a perder a sua prosápia de justiceiro dominical? É a pergunta final que aqui queria deixar.

 

2 pensamentos sobre “Marques Mendes e o enviesamento da Justiça

  1. Perder tempo com este tipo de gente é isso mesmo, PERDER!… é que se ele, o mm, fosse venezuelano teria registsdo uma pesada derrota em mais uma facada no capitalismo que o Povo venezuelano acaba de dar com os resultados alcançados a 15.10.2017:

    El schavismo obtuvo el 54 por ciento del voto nacional, frente a 45 por ciento de la oposición, destacó el mandatario Nicolás Maduro.

    La Revolución Bolivariana ganó 17 de 22 gobernaciones del país en los comicios regionales de este domingo, informó la presidenta del Consejo Nacional Electoral (CNE), Tibisay Lucena. Solo el estado Bolívar no tiene una tendencia irreversible.

    Con la tendencia irreversible de 22 estados y con el 95,8 de transmisión, la Revolución Bolivariana ganó 17 gobernaciones y la oposición cinco.

    La participación electoral fue de 61,14 por ciento, detalló la rectora del CNE. Una cifra superior al 53.94 por ciento de los comicios regionales de 2012.

    PORQUE SERÁ QUE OS ME(R)DIAS LUSUS NÃO FALAM NISTO?!?!…

Deixar uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.