O diabo chegou e vai levar Passos Coelho

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 02/10/2017)

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Daniel Oliveira

Não preciso de entrar em muitos pormenores. O PS ganhou câmaras, manteve todas as que eram importantes e reforçou maiorias. Subiu em votos, em mandatos, em tudo. Em qualquer critério que se queira utilizar é o grande vencedor da noite de ontem. Muito acima das melhores expectativas.

Em Lisboa e Porto, a vitória foi da continuidade. Rui Moreira conquistou a maioria absoluta. Com ela veio um discurso lamentável, que faz temer o pior para os próximos quatro anos. Fernando Medina venceu, apesar de ter caído em relação a Costa. Perdeu a maioria e precisa dos vereadores do PCP ou do vereador do BE para governar. Ainda assim, o PS tem todas as razões para sorrir nestas eleições. Mesmo no Porto, onde Manuel Pizarro perdeu, consegue, num contexto de reforço de Moreira, subir o seu resultado, muito provavelmente à custa da catástrofe eleitoral do PSD.

Mas estas eleições eram, acima de tudo, importantes para o PSD. Porque no Porto e em Lisboa a liderança do partido teve um papel fundamental. Teresa Leal Coelho e Álvaro Almeida foram escolhas de Pedro Passos Coelho. Escolhas de última linha que retratam, em concelhos onde a vitória era muito difícil, o isolamento do líder do PSD. Ninguém precisa de mostrar serviço a um líder que não se acredita ter grande futuro. E é isso que estas escolhas e os seus resultados disseram de Passos Coelho.

Sejamos justos: os resultados inacreditáveis de Teresa Leal Coelho e de Álvaro Almeida não são a medida da popularidade de Passos Coelho. As pessoas votaram mesmo nos candidatos e fizeram um julgamento dos atuais presidentes de câmara. Mas estes resultados dizem qualquer coisa sobre os candidatos que Passos conseguiu que dessem a cara pelo partido. Ninguém duvida que Santana Lopes, mesmo perdendo, teria muito mais votos na capital. Só que ninguém sente o dever de se sacrificar por um líder que é um fantasma político.

À evidente displicência com que Passos Coelho tratou as eleições autárquicas, talvez por estar convencido que o Governo cairia antes delas, juntaram-se condições nacionais muito adversas. A maioria do país está satisfeita com a situação económica, social e política e isso não facilita a vida de nenhum líder da oposição. Muito menos a de alguém que liderou um governo que, justa ou injustamente, as pessoas associam a um período negro. Muito menos a de alguém que tem como único discurso o anúncio da desgraça iminente.

A situação do PSD já seria trágica com os resultados em Lisboa e no Porto. Mas a cereja em cima do bolo estava guardada e anunciada: Assunção Cristas ficou muito à frente da candidata de Passos, atirando-a para a terceira força da capital. O resultado de Cristas reforça a sua liderança, abrindo finalmente o período pós-Portas, e dá um novo papel ao CDS na oposição. E isto é um problema para a direita: uma direita com um PSD muito fragilizado e um CDS a ser o protagonista de um filme que nunca acabará com a sua própria vitória não é um perigo para António Costa.

Depois de resultados nacionais péssimos e de ver as suas escolhas para Lisboa e Porto atiradas para terceiro lugar e, no caso da capital, para níveis semelhantes aos da CDU, qualquer líder normal do PSD seria obrigado a demitir-se imediatamente. Até Passos Coelho, que por se julgar portador de um desígnio histórico não é um líder normal, sabe que dificilmente ganharia o partido para um novo mandato. Mesmo assim, a sua reação é manter-se até ao próximo congresso, daqui a sete longos e penosos meses. Aí, deu a entender, não se recandidatará.

Adiando as suas próprias exéquias, Passos deixa o PSD sem liderança durante mais de meio ano. Enquanto ele coze em lume brando, o PSD coze com ele. A geringonça tem um ano para se organizar. Um ano perigoso, em que não existe a pressão da direita e o PCP está numa situação muito desconfortável. Mas isso fica para outro texto.

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