A doença que está a encolher o PSD – Parte I

(José Pacheco Pereira, in Público, 03/10/2017)

 

JPP

Pacheco Pereira

Se nada for feito pelos seus militantes, o PSD mudará de carácter consolidando a sua deriva à direita, tentado pelo populismo.


3. As componentes da crise do PSD são várias e comunicam entre si. Há um problema ideológico e um problema político, de que resulta um problema de posicionamento e função na sociedade portuguesa. A isto associa-se um outro conjunto de questões que tem que ver com a oligarquização do partido, fenómeno que não é exclusivo do PSD, pois dá-se também do PS. O ascenso do populismo resulta num acantonamento dos partidos e numa perda da sua autoridade em democracia. Apenas o PS conseguiu reverter alguns aspectos (mas só alguns) da sua crise com o processo de eleição aberta que deu a vitória a Costa sobre Seguro, e com a inovação política da “geringonça”.

4. O problema ideológico do PSD é simples de expor: o PPD, depois o PSD, foi fundado de uma forma sui generis, à portuguesa, combinando três tradições políticas: o liberalismo político, o personalismo de origem cristã e a social-democracia. Pretendia ser um partido defensor das liberdades e da democracia, um partido laico que incorporava uma visão do homem como “pessoa”, mais do que como cidadão, e pretendia que o Estado tivesse no seu coração a ideia de que a sua função era, entre outras, a de garantir a solidariedade social a favor dos que mais precisavam, distributivo e actuante em termos da justiça social. Era anticomunista, mas não era anti-socialista, não era conservador, nem economicamente liberal, era a favor do mundo do trabalho e da dignidade do trabalho, na tradição da doutrina social da Igreja, defensor de um sistema fiscal fortemente distributivo e colocava-se entre o centro-direita e o centro-esquerda. Estava mais à esquerda, oscilava para o centro e para a direita, mas nunca, jamais, em tempo algum, se definiu como partido de direita. Até agora.

5. O PSD ou é isto ou não é o PSD, é outra coisa. Os seus grandes sucessos políticos vieram da aplicação deste programa que lhe dava o lugar do partido reformista na sociedade portuguesa. Foi assim com a AD, momento fundamental da alternativa de governação democrática, para equilibrar o sistema político e económico dos anos do PREC, foi assim com Cavaco Silva como primeiro-ministro. O esquecimento colectivo já deixou para trás momentos simbólicos das governações de Sá Carneiro e Cavaco Silva, da distribuição de terras ao Plano de Erradicação das Barracas, já para não falar de posicionamentos que eram simbólicos e não eram apenas abencerragens da época, da JSD dos primeiros anos com o seu jornal “pelo socialismo”, da tentativa de entrada na Internacional Socialista, da exigência do PSD de retirarem o nome de “liberal” do grupo europeu a que pertenceu e colocar o de “reformista”, etc., etc.

6. O que aconteceu nos anos do “ajustamento” sob a direcção de Passos Coelho não foi uma “adaptação” da linha política do passado à situação dos últimos anos, nem às “exigências” da troika (que hoje sabemos foram em grande parte propostas do PSD divulgadas como sendo da troika), mas uma mudança qualitativa. Essa mudança pretendia tornar o PSD um partido neoliberal, tendo como modelo Singapura, considerando que a “economia” eram as empresas e os trabalhadores um “custo” que devia ser domado, apontando como alvo para a austeridade a classe média e deixando os pobres sofrer com o custo dos despedimentos e numa redoma assistencial.

A ideia foi parar o elevador social que desde o 25 de Abril existia, mesmo que imperfeitamente na sociedade portuguesa, com o crescimento dos serviços públicos e do Estado social e a criação de uma “classe média” ligada ao Estado, a favor da ideia de que com o agravamento da desigualdade social se criava um pólo de desenvolvimento em cima, que arrastaria os de baixo, desde que estes aceitassem baixos salários e a perda de regalias sociais. O PSD tornou-se o arauto fiel da troika e do Eurogrupo usando as “regras europeias” como mecanismo de poder que nunca levou a votos, nem em 2015, onde fez muitas das propostas que depois veio a atacar no PS.

7. Era um projecto de engenharia social, completamente alheio ao programa social-democrata do PSD, que ruiu quando o PS conseguiu conciliar um certo desenvolvimento económico com a “reversão” de medidas. O PS não fez nenhuma revolução, mas o PSD ajudou a valorizá-lo com a história do “Diabo” e com uma nostalgia absurda dos bons velhos tempos da troika.

8. Estas mudanças qualitativas nunca foram assumidas nos documentos oficiais do PSD. Nos últimos congressos, os dirigentes, a começar por Passos Coelho, recuaram nos congressos com juras de “social-democracia” e algumas tentativas programáticas que tentavam incorporar a nova linha “liberal”, ficaram pelo caminho como se não tivessem paternidade. Criou-se assim uma espécie de esquizofrenia política, que não ocultava no entanto o caminho de posicionamento do PSD para uma direita que deixaria horrorizados os fundadores do partido. Este caminho abandonou o centro político ao PS e era só uma questão de tempo até as sondagens e os resultados eleitorais começarem a revelar a usura do PSD reformista do passado a favor de um partido que se sentia bem numa frente de direita com o CDS e cuja linguagem e posições políticas o isolam cada dia que passa.

9. Em 1 de Outubro, o PSD perdeu nas eleições locais e na eleição nacional que foram os resultados de Lisboa e Porto.

(Continua)

6 pensamentos sobre “A doença que está a encolher o PSD – Parte I

  1. Aqui já não tenho nem de perto nem de longe a mesma opinião de PP, o PSD não tem nada de social-democrata desde pelo menos Cavaco. As várias reformas, destruições e privatizações demonstram claramente a intenção de destruir Abril, com o exemplo perfeito da luta de classes a ser o BPN.

  2. “Estas mudanças qualitativas ( Era um projecto de engenharia social, completamente alheio ao programa social-democrata do PSD,) nunca foram assumidas nos documentos oficiais do PSD.”

    Pacheco vem dizer-nos, só agora, que Passos era e é um mentiroso qualificado que enganava, por ocultação e juras de social-democracia falsas ou mentiras descaradas, as próprias estruturas do partido e consequentemente os seus militantes politicamente próximos dos fundadores.
    Nós já sabíamos há muito e muito especialmente desde a campanha para as legislativas de 2011 que Passos era um puro mentiroso mas inábil e vazio de pensamento e ideias que se limitou a assimilar o diktat da troika de que fez sua bandeira e, para dar-se ares de conhecimento económico e fingir saber o que queria mesmo depois de Gaspar bater com a porta, passou a andar a reboque do escroque Borges e insistiu na destruição do tecido económico, na morte da classe média e do elevador social, na construção forçada estalinista de uma sociedade dual: proletários x elites.
    Ora Pacheco podia e devia ter-nos alertado para tal em devido tempo, mas não, armado agora em historiador vem relatar-nos o que aconteceu o que como opinador e comentarista político e, sobretudo como cidadão amigo dos portugueses, nos devia ter dito em cima dos acontecimentos que faziam sofrer e perder esperança aos portugueses sujeitos ás tropelias miseráveis de estilo moral vingativo.
    E, claro, Pacheco enterra Passos, só agora, para estabelecer uma comparação que que lhe permita fazer sobressaír e enaltecer Cavaco, o seu rei-sol e Ferreira Leite e Rui Rio os seus delfins velharias do cavaquismo sobrevivente. Porque o que Pacheco pretende e faz sempre nas suas análises é esconder o fundamento onde tudo começou, precisamente a causa geracional; Cavaco e o cavaquismo. E esconde porque também ele, Pacheco, está enterrado até à careca no apoio e cobertura da pior escroqueria corrupta que já houve por cá em democracia. Passos é o corolário inevitável da escola e pensamento cavaquista que levou os portugueses, por suas acções negativas, mentiras e amanhanço individual, a tomar todos os políticos como “iguais” e deste modo, sob tal labéu ou chapéu comum, ficarem escondidos abrigados os verdadeiros corruptos.
    Ir no palavreado bem organizado racionalmente de Pacheco é ser enganado por uma imagem que parece real mas não passa de uma aparência do real; um engano ao estilo do conto do vigário.

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