Sem voto útil, Lisboa também é uma moção de censura a Passos 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 29/09/2017)  

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Nas autárquicas de Lisboa joga-se, antes de tudo, o governo da capital. A julgar pelas sondagens, a avaliação que os lisboetas fazem do trabalho de Fernando Medina é positiva. Mas Medina pode vir a ser vítima do seu próprio sucesso. A distância entre ele e as duas candidatas de direita é tal que isso está a libertar voto. Sem qualquer pressão de voto útil, os eleitores sentem-se livres para diversificar a representação partidária no executivo e, em muitos casos, para garantir que o presidente tem de negociar com BE e PCP. A ausência de um candidato que o ponha em risco pode vir a ser um elemento fundamental para tirar a maioria absoluta a Medina.

As eleições em Lisboa, por ser o concelho mais populoso e a capital, têm quase sempre repercussões nacionais. E por isso os líderes dos partidos envolvem-se sempre na escolha do candidato. Passos Coelho envolveu-se. De forma tão desastrada que se prepara para recolher, em Lisboa e no Porto, uma das mais humilhantes derrotas da história do PSD.

Não vou, por alguma comiseração, gastar muitos adjetivos com a candidata Teresa Leal Coelho. Fico-me por um eufemístico “impreparada”. Acrescentando-lhe “corajosa”. Coragem que se pode confundir com inconsciência. A verdade é que Leal Coelho avança, sem qualquer preparação para uma campanha (já não falo para governar), para um confronto perdido à partida. Isto depois de Pedro Santana Lopes se ter andado a divertir à custa do seu partido, fazendo-o esperar por um “sim” que nunca pretendeu pronunciar.

Teresa Leal Coelho é, com Maria Luís Albuquerque e outras pessoas que nem sei bem o nome, o que resta a Passos. Não costuma ser apenas em momentos de disputa com possível vitória, como foi a candidatura de Marcelo e Santana (que tiveram desfechos diferentes), que figuras relevantes do PSD avançam. Elas também se oferecem à derrota. Os mais batidos para mostrar serviço ao partido. Foi assim com Ferreira do Amaral e Fernando Seara. Os mais inexperientes e ambiciosos para dar nas vistas. Foi o que aconteceu com Fernando Negrão. Porque não avançaram agora nem uns nem outros? Porque não faz sentido mostrar serviço a quem não contará no futuro. O problema de um líder sem futuro é que bloqueia o próprio presente.

Percebendo a situação aflitiva em que o PSD se encontrava, Assunção Cristas decidiu arriscar e medir a força da sua liderança em Lisboa. Achei, quando o fez, uma jogada errada. Lisboa é um dos piores concelhos para o CDS se medir sozinho. Como se viu pela tentativa de Paulo Portas. Veremos no dia 1, mas suspeito que me enganei. A escolha de Teresa Leal Coelho e a total ausência de pressão do voto útil acabaram por dar a Cristas todo o espaço que ela precisava. O seu objetivo era impensável há uns meses: ficar à frente do PSD.

No PSD todos se fiam no voto “Rato Mickey” – aquele que leva os indefetíveis de um partido a votar em qualquer candidato que este apresente, mesmo que seja um boneco animado. Não sei se desta vez chega. Nem sequer sei se nos tempos que correm esse voto é, numa cidade como Lisboa, relevante.

Sei que Passos Coelho pode repetir vinte vezes que estas eleições não têm leituras nacionais que o resultado de Teresa Leal Coelho não deixa de ser, pela escolha que ele próprio fez, obra sua. E não deixará de fragilizar bastante a sua liderança. Se tivesse alguma coisa a ver com isso diria que é, para a direita que se quer ver livre de Passos, uma oportunidade.


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