O ovo estrelado da serpente

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 29/09/2017)
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Após as eleições alemãs do passado domingo, os jornalistas portugueses foram a correr ver o dicionário português-alemão para saber como se diz geringonça. Eu como não sou jornalista fiz investigação: fui ao Google translate. Obtive: contraption. Não parece uma palavra alemã. O que é natural, porque eles detestam geringonças.

Apesar de ter vencido, Merkel sofreu uma grande derrota, pior só a de Schulz, que parece ser mais popular em Portugal do que na Alemanha. O grande destaque das eleições vai para a AfD, a extrema-direita alemã, um eufemismo para nazis, que passou a a ser o terceiro maior partido na Alemanha com 13,5%. O Bundestag alemão vai ter dezenas de deputados nazis. Se estivéssemos em 1938 e a Europa estivesse meio dividida e houvesse um ditador na Rússia , era coisa para ficar assustado. Além do mais temos os EUA que são do mais antifascista que há e contamos sempre com eles.

Acho que, se calhar, o Muro de Berlim estava lá, não para separar a democracia do mundo ocidental da ditadura comunista, mas para evitar que os alemães se juntassem outra vez. Na verdade, se calhar, era um muro antinazi. Se os alemães se juntam todos, acabamos sempre nisto. Setenta anos depois do Holocausto, há 13,5% de eleitores alemães que assumem que querem ser nazis. É uma espécie de sair do armário da Anne Frank. Acho extraordinário haver pessoas que estão admiradas por haver nazis na Alemanha. Por exemplo, sobre ovos moles em Aveiro, ainda não vi nada

Eu não tenho nada contra os alemães, excepto o humor que é fraco e o porno, péssimo, mas vamos lá ver uma coisa, os alemães perderam a guerra, mas eles queriam ganhar. Eles não perderam porque chegaram à conclusão: “Ai, se calhar isto do nazismo é feio, mais vale perder isto.”

Com este crescimento da extrema-direita, Angela Merkel está para a UE como o último bastião das ideias que deram origem à União. Chegou aquele momento em que é suposto nós, portugueses, estarmos agradecidos a Merkel e arrependidos de lhe termos chamado nomes. Era só o que faltava. Tiro o chapéu tirolês aos discursos de Merkel sobre os refugiados, mas não engulo ver a Angela com o discurso antixenófobo depois do que disse dos calões do Sul. Só falta vir o Schäuble dizer que tem sangue grego.
Pode ser do que ando a tomar, mas faz-me confusão ver Merkel e companhia assustados com o crescimento da extrema-direita, como se o discurso a uma só voz , alemã, sobre a Europa, mais o castigo dos “gastadores” e apologia da austeridade não tivessem contribuído para o aparecimento de populistas. Agora, temos de estar todos agradecidos à Merkel porque é o último muro que nos separa dos radicais de direita. Muito obrigado, Doutora Frankenstein.

TOP 5

Na Alemanha sê alemão

1. André Ventura, candidato do PSD a Loures, quer forçar ciganos a terem “formação obrigatória” em Direito Penal – Passar de cigano para advogado, que desgraça.

2. Mensagens antitabágicas devem ter em conta diferenças de género, defende SPMI – Vamos ter de percorrer labirintos para comprar tabaco.

3. Homem em estado vegetativo há 15 anos recupera consciência – Cavaco Silva: “pfffff…”

4. Marcelo nadou e jogou basquetebol em Angola – Marcelo podia ser embaixador do cogumelo do tempo.

5. Passos: “Não fomos nós que vendemos a alma ao diabo para governar” – Só em Loures.

3 pensamentos sobre “O ovo estrelado da serpente

  1. Concordo, praticamente, em absoluto com a análise que faz do povo alemão. Sempre defendi o ponto de vista de que os alemães, debaixo da carapaça de bons rapazes, empenhados na defesa dos direitos cívicos, encobriram sempre o seu profundo sentimento nazi. Nunca acreditei que tal pudesse desaparecer de um momento para o outro uma vez que isso faz parte da sua génese, do seu ADN. Atribuir apenas a Hitler os malefícios do nazismo é bastante redutor. Enquanto as coisas corriam de feição na Alemanha, quase 100% do povo alemão defendia as medidas adoptadas por Hitler, sentia-se bastante confortável com o seu bem estar, fingia ignorar o que se passava ao seu redor esmagando sem apelo nem agravo tudo que lhe aparecia pela frente. Depois com o aparecimento dos primeiros desaires e logo depois com a estrondosa derrota final os alemães, tornaram-se por obra e graça do Espírito Santo todos bons rapazes, sacudindo
    água do capote para as costas dum Hitler já cadáver, como se nenhum alemão tivesse cometido o mínimo pecado. Se quiserem acreditar nisso estejam à vontade. Eu não engulo essa pílula e eis que começam a cair as máscaras. 13,5% foi só um balão de ensaio. Por detrás deste número há muita gente encapuçada, espreitando a oportunidade de sair do armário (como agora soe dizer-se). Dir-me-ão que é impossível repetir-se o que sucedeu há algumas décadas atrás. Que já não podem haver guerras, mas creiam que há outras maneiras de nos bombardearem e nós sofremos os seus efeitos. Vejam a atitude, no mínimo, desdenhosa do sr. Schauble relativamente a Portugal e não só. Eles recomeçam a levantar a cabeça. Está-lhes na massa do sangue. Hitler começou com muito menos. Deixem-nos à solta, não levem em consideração este advento e venham depois queixar-se. Este filme já foi exibido há umas décadas atrás.

    • Plenamente de acordo. Ainda estou para encontrar algum alemão, dos que passaram pelo tempo do Hitler, a penitenciar-se por ter acreditado no nazismo, e mais, a negar claramente a sua tendência hitleriana, e dos mais recentes, ainda nenhum me afirmou abertamente negar um passado sujo e que deve ser motivo de ter vergonha como alemão. Devem haver, mas são tão poucos que nem existem. O texto e este comentário são exatamente o que sempre pensei sobre o assunto. E não devemos adormecer com as palavras vans de alguns. O povo alemão tem no seu ADN o que sempre mostrou, relembre-se a resposta alemã à recente crise na Europa. Não terá sido uma nova forma de guerra sem tiros em que saíram vitoriosos?

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