Um partido sitiado

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 03/09/2017)
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1. Os militantes do PSD que genuinamente apoiam o partido e que dele não esperam nenhuma benesse, particularmente os que ainda conheceram o PSD pré-Passos, deveriam estar muito, muito preocupados. Não é que o partido não tenha um importante núcleo duro eleitoral, não seja um grande partido autárquico, não seja uma referência da democracia portuguesa, é tudo isso sem qualquer dúvida. Ainda se pode afirmar com grande certeza que o PSD pela sua própria existência molda a forma da democracia portuguesa, mas nenhum partido tem um contrato com a eternidade, nem negociou com o demónio nunca morrer ou ter o elixir da juventude.

2. Na verdade, o PSD está neste momento não só numa situação de irrelevância, como cercado politicamente, e, pior que tudo, dentro dele existe uma profunda apatia em relação ao destino partidário. Essa apatia é o caldo de cultura em que prolifera uma oligarquia partidária que enquanto tiver o mínimo dos seus lugares garantidos agarra-se a eles como uma lapa, mantendo qualquer debate como uma coisa pestífera, quase uma traição. Traição a quê? Aos dirigentes actuais, Passos Coelho e a sua entourage.

Ilustração Susana Villar

Ilustração de Susana Vilar

3. Qual é a política actual do PSD? Uma combinação fatal de dois elementos: uma nostalgia justificativa do passado nos anos do “ajustamento”, e uma espera apocalíptica pela crise económica e financeira do governo PS-PCP-BE. No seu conjunto, esta é uma política “antipática” como Passos Coelho gosta de lembrar como se fosse uma medalha. Até podia ser “antipática” e ser justa e necessária, mas não é nem uma coisa nem outra. É uma política injusta socialmente, e que economicamente garante apenas uma medíocre estabilização do crescimento económico.
4. A nostalgia do passado é muito autojustificativa, centrada na altura em que a direcção de Passos se colou à troika primeiro com equívoco e depois com convicção. Hoje sabemos que muito do que foi atribuído à troika foi iniciativa do governo PSD -CDS. O PSD tornou-se um dos partidos de passado social-democrata e centrista que mais se deslocou à direita e, se isso consolidou um bloco político com o CDS de Portas, criou um animal híbrido em que umas patas andam para um lado e outras arrastam-se pelo chão.

5. Politicamente isolado, o PSD esbraceja oscilando entre uma política tribunícia, muito semelhante à que criticava no BE, e críticas ao Governo PS que são inaceitáveis vindas de quem governou com maioria absoluta durante uma longa legislatura. O caso mais exemplar é a questão dos fogos, em que um PS e um Governo fragilizados acabam por se sair melhor devido ao estilo agressivo e insensato das críticas de Passos e de algumas figuras menores do grupo parlamentar. A exploração da tragédia por táctica política, que é evidente para todos, tem aspectos de “trumpismo” à portuguesa que não dão um voto ao PSD, porque há gente muito melhor para ser o interlocutor populista dessa política, felizmente ainda só quase nos media e não na política institucional.

6. A apatia no interior do partido, em que muitos sabem que esta política é má, nada tem a ver com a herança social-democrata e gera inércia e fragmentação. As estruturas locais do partido, como se vê nas autárquicas, avançam com listas e candidatos quase em autogestão, e onde é a direcção do partido a interferir, como acontece nas grandes cidades e candidaturas urbanas como Loures, os resultados estão e vão estar à vista. As distritais gerem o seu poder de forma sindical, o mesmo acontecendo nas outras estruturas, mas sem qualquer lógica nacional ou partidária global.

7. Periodicamente, na comunicação social e numa ou noutra personagem partidária, há surtos de agitação, muito superficiais e pouco duradouros. Fala-se então de Rui Rio. Na verdade, quer a inércia de muitos, quer a barragem do bloco de poder à volta de Passos, quase todo por interesses de carreira, bloqueiam qualquer movimento de mudança, conduzindo à tese pouco sadia de que as coisas só mudam com uma derrota eleitoral flagrante. Tenho sempre dito e repito que nem isso é líquido, dado que o partido está ao mesmo tempo mais “capturado” por interesses e mais “morto” do que se pensa. Só havia uma alternativa: abrir as eleições a simpatizantes e eleitores sociais-democratas, como fez o PS, com um colégio eleitoral de dezenas de milhares que ultrapassam a capacidade do aparelho de controlar as eleições. É a única chance de Rio ou de qualquer outro que queira sair deste marasmo.


5 pensamentos sobre “Um partido sitiado

  1. Alternativa seguida também pelo partido Trabalhista quando se tratou de manter Corbyn na liderança: Com o pagamento de uma quantia simbólica de 3 Libras qualquer um podia votar. E quando a maioria dos membros do grupo Parlamentar quiseram evitar a derrota certa negando arbitrariamente o voto aos militantes inscritos nos ultimos 6 meses foi tarde demais e Corbyn foi reeleito com 62% dos votos. Pensar porém que Rio pode ser igualmente o protagonista de um movimento semelhante é risível. Um passado de acomodação e complacencia, para não dizer outra coisa, são um peso dificil de carregar.

  2. O Poder
    .
    Os felinos saltam de imagem em imagem
    pronunciam palavras de logro e silêncio
    há vozes que não se ouvem e
    atravessam a noite com uma cruz
    de cinzas na boca
    .
    o poema vai rodando de máscara em máscara
    em demência e esquecimento
    na jaula de um louco
    .
    dentro dele mesmo
    o inferno o mando e o medo
    o peso da boca
    .
    na boca de um morto
    .
    M.A.

    P.S. Gosto do s/ Pensamento integral.

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