(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 13/06/2017)
O caso das rendas excessivas pagas pelo Estado à EDP, que voltam a estar na ordem do dia, não são um problema de agora. Mais importante, a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) manifestou, ao longo do tempo, discordância com a forma como eram feitos esses cálculos. E o que aconteceu? Nada.
Que todos sentimos que a factura eletricidade é demasiado cara em Portugal, ninguém tem dúvidas. E depois, quando olhamos com olhos de ver para a factura discriminada e constatamos a quantidade de alcavalas que os clientes da elétrica tem de suportar, ficamos em estado de choque.
A bem da transparência, seria muito mais claro que a factura da energia correspondesse a esse serviço e nada mais. E tudo o resto – harmonização tarifária para os Açores e Madeira, rendas aos municípios e autarquias, compensações aos operadores, apoio ao investimento nas energias renováveis, custos de funcionamento da Autoridade da Concorrência e da ERSE, além de outros custos, taxas para a RTP e RDP – desde que sejam obrigações que o Estado entende que deve suportar, então deveriam estar claramente espelhadas no Orçamento do Estado.
Não é assim que acontece. Mas mais importante foram a criação dos CAE e dos CMEC (não vou maçar o leitor com explicações técnicas sobre isto), destinados no fundo a compensar a EDP e outros produtores de energia pela venda em mercado livre, associando-lhes contudo um seguro que compensa os produtores quando a remuneração fica abaixo de um determinado patamar. Ou seja, é o negócio ideal, em que o risco quase não existe para o operador. Acontece ainda que o sistema foi instituído quando a EDP era pública e, por isso, era a empresa que calculava esses custos. Mas depois de ter sido privatizada, continuou a ser ela a fazer os cálculos, cálculos esses que mereceram sempre o reparo da ERSE – sem quaisquer consequências.
E vamos então aos engodos ideológicos. Todos nós (ou, pelo menos, a maioria) estaremos de acordo que o mercado é a forma mais eficaz de regular a procura e a oferta numa sociedade. Mas todos nós também temos consciência que há áreas em que o setor privado não está puramente interessado ou que, pelo menos, nada fará a não ser que o Estado lhe pague para isso.
Vendemos empresas públicas, monopólios naturais ou quase, com o argumento de que serão melhor geridas pelos privados e que não abusarão das suas posições porque para isso lá estarão os reguladores e supervisores. E depois fragilizam-se os reguladores e supervisores
Ora que a EDP interessa aos privados, ninguém terá dúvidas. Uma empresa que gera em média lucros de mil milhões ao ano é seguramente muito interessante para qualquer investidor. Por isso, a privatização foi um enorme sucesso e os chineses da Three Gorges pagaram um preço elevado pela companhia. Pagaram, contudo, num pressuposto: o de que se manteriam estes contratos, porque são eles que permite a elevadíssima rentabilidade da EDP. E os consumidores, e a economia e o país? Bom, esses pagam e protestam baixinho, porque o argumento é sempre o mesmo: as empresas privadas são muito mais eficientes que as públicas e o que importa é ter reguladores e supervisores fortes que disciplinem a atuação das empresas privadas.
Bom, o caso da EDP é um bocadinho diferente. Em primeiro lugar, porque não foram os privados que a construíram, mas o Estado, que juntou diversas empresas produtoras de eletricidade. Em segundo, a EDP não é um monopólio natural, mas é uma empresa com um enorme poder no mercado. Já fez cair presidentes da entidade reguladora, secretários de Estado e ministros. Em terceiro, a EDP tem a faca e o queijo na mão perante os consumidores. A EDP Comercial tem 4,1 milhões de clientes. Se aumentar um euro em cada factura, coisa que nem notaremos, encaixa a mais 4,1 milhões de euros. E quem controla isso?
A ERSE, a entidade reguladora, dir-me-ão. Mas nos choques frontais que teve com a EDP, a ERSE perdeu sempre. E aqui reside a falcatrua ideológica do sistema. É que todos estaremos de acordo em ter grandes empresas privadas desde que elas estejam sujeitas a fortíssimos reguladores e supervisores que cortam a direito sem dó nem piedade.
Mas no nosso sistema quem é forte são empresas como a EDP, que integram nos seus órgãos sociais representantes dos dois maiores partidos portugueses, a quem pagam ordenados principescos, ex-ministros e ex-políticos todos com acesso ao poder de plantão e com poder de influência sobre ele.
Quem é forte não são as entidades reguladoras, cujos ordenados foram equiparados aos da Função Pública pelo então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, impedindo-as de contratar os melhores técnicos no mercado e fragilizando-as obviamente perante os que devem regular (ainda recentemente a presidente da CMVM disse que não tinha dinheiro para pagar os ordenados até ao final do ano).
E assim chegamos ao , fim do plano perfeito. Vendemos empresas públicas, nuns casos monopólios naturais (a rede elétrica nacional, as infraestruturas aeroportuárias), noutros com fortíssimas posições no mercado (eletricidade) com o argumento de que serão melhor geridas pelos privados. E garantem-nos que não abusarão das suas posições porque para isso lá estarão os reguladores e supervisores. E depois fragilizam-se os reguladores e supervisores, limitando-lhes financeiramente a autonomia e a independência. Brilhante para os mentores destas ideias, péssimo para os consumidores, para a economia e para o país.
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Parece que todos estamos de acordo que é o consumidor quem deve pagar o que consome embora discorde da exorbitância dos preços praticados,e ainda,das taxas que são coladas à factura final…Não é menos verdade que a curto, médio ou longo,não se vislumbra a hipótese de podermos prescindir da energia..Partindo do princípio que quem paga a factura sabe ler ou tem na família quem saiba,facilmente sabe quantos kw gasta por mês e pode adquirir um sistema fotovoltaico produtor de energia para uso próprio e prescindir de mais de metade dos custos de energia tradicional.Mais de metade pode parecer utópico com a actual situação,mas vai tornar-se perfeitamente viável a curtíssimo prazo com a mobilidade eléctrica e os “Power banks”…O ciclo de cerca de cento e trinta anos de motores de explosão está a chegar ao fim,as infraestruturas criadas pela Tesla e Mercedes já podem ser testadas e,só e apenas está a faltar a capacidade de armazenamento a preços mais competitivos…Com ou sem ajuda estatal,se um quarto da população investir nestas tecnologias,terá a curtíssimo prazo o retorno do investimento,muda-se o paradigma da energia e os lobbies terão menos razão para comemorar com o nosso dinheiro.
“se um quarto da população investir nestas tecnologias”
Com 800€ por mês num emprego precário, não me parece. E as baterias não servem para muito e tão cedo não vão resolver coisa nenhuma.
“Todos nós (ou, pelo menos, a maioria) estaremos de acordo que o mercado é a forma mais eficaz de regular a procura e a oferta numa sociedade.”
Cada um acredita na religião que quer, mas eu prefiro acreditar na realidade.
A minha realidade é ter feito um investimento,que ainda estou a pagar mas que se paga a si próprio num contrato sem termo,produzo e introduzo na rede o triplo do que consumo e sou indemnizado pelo investimento,,,A energia é introduzida na rede e gasta localmente devidamente controlada por um contador de saída.Dezenas de milhares de portugueses como eu,investiram e estão a ter o retorno,com ou sem ajuda estatal,ao produzir energia limpa,não poluente,adiam-se eficazmente o aquecimento global com toda a série de cataclismos associados…A nível global a não ser a teimosia temporária de Trump,toda a gente está para aí virado a investir;é apenas uma questão de tempo.”Quem não avança,recua”…A Alemanha,com um índice de radiação solar de cerca de metade do nosso,já está nesse nicho de mercado há mais de trinta anos….Porque será?
Existem menos certezas do que aquelas que pensa no investimento, que não está ao alcance de todos. Os painéis, as baterias e todos os outros componentes são caros e têm uma durabilidade com termo, ao contrário do que diz. A qualquer momento a EDP pode mudar o contracto e pagar menos ou até cobrar pela injecção não planeada na rede, como acontece noutros países.
É um investimento que podia não se pagar a si próprio, hoje o equipamento é inesperada e felizmente substancialmente mais barato do que era, mas vai estar sempre dependente do que o monopolista quiser fazer.
Nunca cheguei a ter oportunidade, por isso nunca cheguei a calcular custos e riscos, mas para o ordenado médio era um tiro no escuro numa época de rendimento mais do que incerto.
Mas não sei o que é que isso tem a ver com mercado, pagamos todos ao monopolista, a reducção pessoal de consumo é outra coisa.
O que eu penso está na minha cabeça e não na sua…O investimento já o fiz em devido tempo,já tive o retorno e tenho provas mensais daquilo que digo.Não confunda injecção á rede com auto consumo,são situações diferentes e algo confusas para si aparentemente.Os painéis fotovoltaicos vêm acompanhados duma garantia de produção de 80% a trinta anos..Frisei que tenho um contrato de injecção á rede sem termo..Os cálculos de retorno são desnecessários no meu caso na medida em que o dinheiro da produção me entra na conta mensalmente.Quanto á sua última conclusão,essa é mesmo para esquecer….Se você tiver um gerador de energia em casa,vai ter que pagar a qual monopólio?….Pense !…Está tudo explicado nas respostas que lhe dei…Qualquer coisa diga !
Pois é….a solução é Nacionalizar de novo a EDP
A solução também pode passar pela responsabilização de cada consumidor para que o mais possível de consumidores sejam também produtores.Consumo responsável e produção consequente…Pequenas centrais produtoras poderiam ser efectivadas em regime cooperativo para quem não tem,não pode ou não quer ocupar o telhado com colectores solares…Há por aí muitos terrenos ao abandono….Quintas solares…