Alterações climáticas: Trump não é um OVNI

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 06/06/2017)

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Não sei nada sobre clima. Acontece exatamente o mesmo com a esmagadora maioria das pessoas. Por isso, relaciono-me com o tema como com todos os temas que podemos considerar científicos, pelo menos os das chamadas ciências exatas: confio nos especialistas e é a partir dos consensos que vão construindo que eu desenvolvo os meus pontos de vista. Não é uma confiança cega, é uma confiança baseada no facto das regras em que se baseia a comunidade científica garantirem mais formas de controlo do que as polémicas no Facebook ou os debates mediáticos. É isso que me leva a acreditar na generalidade da comunidade científica que tem alguma coisa a dizer sobre as alterações climáticas. Foi isso que levou a generalidade dos países do mundo a chegar a um acordo em Paris. Por isso, não pergunto a políticos que não são cientistas se acreditam nas alterações climáticas e no contributo da ação humana para que elas estejam a acontecer. Pergunto se compreendem.

Muita gente está chocada com a decisão tomada por Donald Trump. E com toda a razão. No ponto em que estamos e sendo os EUA o segundo país mais poluidor do mundo é uma tragédia incomparável a qualquer outra. Porque ela põe o futuro da humanidade em perigo. Mas a decisão de Trump tem um caldo cultural anterior. Não pode ser vista como um gesto de um homem louco. Se fosse, o povo norte-americano estaria revoltado. E não está.

Durante as últimas décadas foram-se sucedendo provas científicas sobre o papel do homem nas alterações climáticas. No entanto, um poderoso grupo de pessoas começou por negar que as alterações climáticas fossem sequer uma realidade. Ainda me lembro das frequentes piadas ignorantes sempre que fazia um pouco mais de frio: então isto não estava a aquecer? Quando os efeitos das alterações climáticas se tornaram visíveis a olho nu e impossíveis de desmentir passou a contestar-se apenas o papel do ser humano neste fenómeno. E nem o impressionante consenso entre os cientistas desarma, até hoje, o discurso que o nega ou que tenta desacreditar a forte probabilidade que as provas apresentam. Contando com um ambiente geral de desconfiança em relação a tudo, que dá a uma fonte legítima e a uma qualquer aldrabice a mesma credibilidade, os interesses económicos afetados pela mudança de modo de vida imposta pelos poderes públicos tudo fizeram para instalar a dúvida. Uma tarefa especialmente fácil quando a recusa do óbvio permite à sociedade deixar tudo como está e não perder qualquer tipo de conforto.

A estes interesses veio juntar-se um discurso ideológico. Que quer o pior para o planeta? Claro que não, até porque os seus promotores também vivem neste planeta e nele terão filhos, netos e bisnetos. O enviesamento ideológico que recusa a evidência científica do papel humano nas alterações climáticas resulta de um vício de raciocínio: aquele que acredita que a busca individual de enriquecimento é o principal ou mesmo único motor do desenvolvimento humano, força imparável que permitiu ao capitalismo fazer prosperar povos e sociedades. A ideia de que os nossos recursos são finitos e que o equilíbrio não acontece naturalmente sem pôr em risco a nossa existência, exigindo regulação política e contenção da ganância, desafia um determinado modo de ver a história, a economia e o papel dos Estados. Ainda mais quando essa limitação, por pôr em causa a nossa sobrevivência, se sobrepõe a qualquer outro valor.

Pode haver quem não se lembre, mas recordo-me bem de muitas vozes, vindas de espaços de poder público e mediático e bem plantadas no “mainstream”, a denunciarem a fraude das alterações climáticas, começando por negar a sua existência e acabando, perante o indesmentível, a negar o papel dos homens. Nos EUA, a ponto de conseguirem influenciar uma grande parte da população, mas também na Europa.

E é por isso que, por mais imbecil e perigoso que Donald Trump seja, ele não pode ser tratado, nesta matéria, como um OVNI. Como em muita outras coisas, as suas posições são consequência de anos de intoxicação política. E mesmo que, por medo do ridículo, muitos escondam as suas armas, elas ainda estão a fumegar.


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2 pensamentos sobre “Alterações climáticas: Trump não é um OVNI

  1. Para que fique claro: sou contra a poluição (toda e qualquer poluição), e ponto parágrafo.
    Mas sempre haverá uma ocasião em que se acerta. Por uma vez (mas pelas mais erradas das razões) o sr. Trump é capaz de ter acertado. A estória (muito mal contada…) do «aquecimento global» é capaz de ser uma fraude ciêntífica de dimensões colossais. E o «Acordo de Paris» é uma outra encenação daí resultante (e nada conspiratória…) que vai objectivamente ao encontro do discurso «se os países subdesenvolvidos desatam a desenvolver-se precisamos de 10 planetas». O CO2 tem pouco (ou nada) a ver com o alegado «aquecimento global». Aquecimento global (e arrefecimento global, já agora…) sempre houve desde que a Terra é Terra. O resultado positivo da decisão do sr. Trump é que já há uns esboços de olhar de novo para a opção nuclear. De resto aquilo é tudo pulitikice interna dos States com reflexos no resto do planeta. Com encenação mediática quanto baste. E por aqui me fico.

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