O “WC” DA GEORGINA

(Soares Novais, in Blog A Viagem dos Argonautas, 04/06/2017)

georgina

As capas das revistas mostram “a barriguinha da Georgina”, em todo o seu esplendor. E os jornais, mesmo aqueles que se vendem como jornais de referência, fizeram chamada à primeira página. O país e o mundo estão alvoraçados, pois. A Georgina de quem aqui falo é a Georgina do Ronaldo. Não a namorada inglesa de Carlos – figura central de “Viagens na minha terra” de Almeida Garrett.

Para mim, a gravidez da Georgina do Ronaldo é como o “Melhoral”: não me faz bem, nem me faz mal. Por mim “o melhor do mundo” pode voltar a ser pai. E desta feita exibir a mãe da criança. Creio mesmo que o Cristianinho vai “adorar” e que a avó Dolores bem poderá ganhar mais umas massarocas com um anúncio …. às fraldas “Dodot”.

O que me chateia mesmo é que os jornais, mesmo os jornais que se vendem como jornais de referência, gastem tanto espaço com a gravidez da Georgina e com a guerra que opõe a Luciana, ex-Djaló, à mãe e à irmã.

Sobretudo, porque depois falta-lhes espaço para se honrar. E honrar aqueles que sempre se recusaram a ter um papel passivo na História. Na história da Cidadania, da Literatura e do Jornalismo.

Como aconteceu agora, de novo, com a perda seguida de  três cidadãos com obra feita nessas três áreas: Baptista-Bastos, Miguel Urbano Rodrigues e Armando Silva Carvalho.

Com a excepção da morte do “BB”, cuja participação em programas televisivos o aproximou do chamado “grande público” e que por essa razão teve direito a tempo de antena, as de Miguel Urbano Rodrigues e Armando Silva Carvalho foram ignoradas em pequenas notas necrológicas ou em meros e apressados rodapés televisivos.

Tal constitui um crime contra o Jornalismo. E é mais um prego espetado no caixão que já alberga o corpo moribundo da imprensa portuguesa. Uma imprensa que se contenta em ser folheada por clientes de cafetaria de bairro e em contribuir para tornar o país num imenso “WC”.

Um “WC” onde, como nos diz Silva Carvalho em “Sentimento de um Acidental: «… ninguém sabe/como obram as musas,/ já dizia o outro, fazer versos realmente versos,/que sigam o espasmo do ânus provecto/dessas criaturas fúteis, decantadas, ainda é e será muito difícil.//Existe sempre um braço etéreo/que puxa o autoclismo/no momento exacto da defecação./Ouve-se um ruído/alguém pergunta ao outro o que se passa:/”É o som das águas que bate na garganta.”/Aliviados então os corações repousam/na sala de visitas da casa devassada/a que chamam d’alma.“

3 pensamentos sobre “O “WC” DA GEORGINA

  1. O erro base é supor e admitir que ainda existe Jornalismo. Na verdade, o Jornalismo já feneceu e deu lugar ao jornalismo. No passado dizia-se que ler jornal, é saber mais; dizia-se que uma notícia era verdade porque vinha nos jornais. Hoje, a arrogância, o narcisismo dos jornalistas, trataram de destruir numa penada tudo aquilo que custou a tantos construir. Os grandes textos do Jornalismo que foram publicados durante a censura, enormes como peças literárias e jornalísticas, construindo uma mensagem que ultrapassasse o lápis azul do Coronel Barreto. Hoje, vimos alguém arrogantemente dizer que a imprensa é capaz de eleger um Presidente da República, e um jornal de referência fazer um anúncio onde clama arrogante e narcisicamente que forma opinião. A corrente que fala que a liberdade de expressão e a linha editorial (que ninguém conhece qual é, a não ser a vacuidade sobre os princípios deontológicos) permitem que um jornal e os jornalistas defendam uma posição, uma ideia, um partido, um clube, um Homem, são os primeiros a lançar a pedra para o túmulo do Jornalismo. Aos jornais não lhes compete formar opinião, nem defender aguerridamente alguém, mas tão somente oferecer ideias, pró e contra, ferramentas necessárias ao leitor para que seja ele a tirar a sua conclusão. Ao não fazer, o jornalista substitui-se à formulação de uma ideia pelo leitor oferecendo-lhe uma conclusão, e deixando claro que o não respeita, pois considera-o incapaz de tanto ou numa outra hipótese, considerando-se superior e que a sua tese é a única possível.
    Quando um jornal ou jornalista defende aguerridamente uma posição, está claramente a ser parcial, e ao sê-lo não pode invocar credibilidade, pois só há credibilidade no Jornalismo se as regras deontológicas forem cumpridas e a isenção e imparcialidade forem reis.
    Há um director de um jornal desportivo que grita bem alto que o seu jornal é isento mas não é imparcial. Oooops! Como é que um jornal pode ser e não ser ao mesmo tempo? Como podem isenção e parcialidade ser sinónimos? Pode um Jornalista publicar a sua tese sobre uma notícia, esteja ela como notícia ou opinião? O Código Deontológico exige que a opinião seja claramente identificada, para que não se confunda com notícia, expressão clara que indicia que ao jornal e ao Jornalista está vedada a parcialidade na notícia, admitindo-se sim na opinião. Muito se fala de critérios editoriais. Mas quando o Jornalista publica uma notícia de um grupo colectivo ou pessoa singular, e nega-a noticia idêntica a outro, onde está o critério editorial? Nos Estatutos Editorias que conhecemos, existe algum que diga claramente que é de Direita, Centro ou Esquerda? Que é do Benfica, do Sporting ou do Porto? Todos sabemos que não, pelo que faz alguma confusão invocarem a linha editorial, quando o Estatuto Editorial o não prevê..
    Em tempos, sem querer e obrigado a ouvir pela falta de pudor, ouvi uma conversa entre jornalistas. Dizia um: Tentei obter um depoimento de fulano, mas ele disse que não falava. Mas quem julga ele que é? Amanhã vou publicar um texto desancando-o de alto a baixo que é para ele ver. E nisto se consome o jornalismo de hoje. O jornalista usa o jornal para seu uso pessoal, para vinganças, para oferecer aos seu amigos boas novas, guardando as más e só as más para os inimigos pessoais e dos seus amigos, não o usa para servir e ir ao encontro do leitor. Hoje em dia, ler jornais é a arte de ser capaz de retirar o que está contaminado e aproveitar o pouco sumo que resta para interpretar a notícia ou a opinião, pelo que ler jornais já não é saber mais e, muito menos, é identificar elementos nocivos à sociedade.
    Pode-se gostar ou não da pessoa Bruno de Carvalho, mas a forma como é destratado na imprensa, como nunca antes se viu, é exemplo da forma como se constrói uma má imagem do Homem e se oferece, qual Circo Romano, um nome para o festim.
    Já não há Jornalismo em Portugal, só e apenas jornalismo, uma espécie menor de imprensa.

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