Independente é a sua tia…

(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 27/04/2017)

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       Sandro Mendonça

Um certo tipo de corrente política surfou uma onda nos últimos 30 anos. Essa onda tem um nome. Bem engravatado e desodorizado por sinal: “Nova Gestão Pública”. Isso mesmo, é mais que um nome: é um slogan. É uma exortação: o Estado falhou, portanto, vida longa ao simulacro de um pseudo-neo-Estadozinho vazio, timorato, forjado no respeitinho aos mercados!

Esta é a origem moderna da “indústria dos reguladores”. Os políticos aprendiam com os managers do privado … para quê ter uma responsabilidade quando se pode fazer um outsourcing?! Para quê meter os mercados na ordem quando pudemos meter aí uns tecnocratas crentes dos mercados a dar-lhes umas pancadinhas nas costas quando eles soluçam?! Como sabemos que a política é o que é, porque não criar uma miríade de autoridades autistas impermeáveis aos votos a executar directivas que afectam a vida da cidadania?!

Isto vem à baila a propósito de algo que o auto-intitulado líder das acusações, perdão, o líder das oposições disse no parlamento: esta gente da geringonça “lida mal com as entidades independentes”, afirma Passos Coelho.

Bravo! Quem fala assim deve ser “dótor”!! Aliás, essa tirada faz é lembrar outros doutores e engenhosos que introduziram no léxico português pérolas como “Manso é a tua tia, pá” ou “Salazar é a sua tia”.

Aliás Aliás Aliás … há ainda quem tenha saudades de mansidão e salazariedade. Vitor Gaspar, esse compincha desses bons e competentes tempos dos orçamentos rectificativos, acha até que a democracia é uma maçada: os governos deviam era sair de cima do Estado de modo a “reduzir a influência da política nas decisões orçamentais”.

Sim, o que faz falta é uns tecnocratas independentes cá da malta! Mas claro: todos da mesma farinha do mesmo saco, e todos a torcer para o mesmo lado. Veja-se o caso do Banco de Portugal e a sua putativa dupla sobre-identificação com a) o sector que devia ter regulado, e b) as escolas económicas mais conservadoras do espectro teórico. Quando o primo de Gaspar, Francisco Louçã (Catedrático de Economia), se abeirou de um órgão do Banco de Portugal bem se viu: ai jesus, essa independência não serve! Os heterodoxos não são independentes!

Há aqui um problema. Tantas entidades e entidadezinhas se andou para aí a inventar e tantos redundantes “Conselhos das Finanças Públicas” (há a UTAO, lembram-se?) andaram a proliferar que hoje ninguém sabe quase nada sobre os Reguladores. Mormente: 1) quantos são, 2) quanto custam, ou 3) que valor acrescentam.

Por isso, tantas entidades para quê quando há por aí tantas instituições que são enviesadas e que se degradam?! Veja-se a Autoridade da Concorrência. Primeiro, enviesada porque o que devia existir era uma entidade dos mercados e do consumidor (sim, é uma proposta! pois é preciso um choque de cultura do lado da procura). Em segundo lugar, essa, como outras autoridades nacionais, tem perdido muitos técnicos superiores para entidades homólogas (sim, fuga de cérebros) e o ambiente dentro da organização caiu tanto que foi preciso quem lá está lançar uma comissão de trabalhadores (sim, é um alerta).

Moral da história: independência?! Como, de quem e para quê?! Acreditar na sacralidade dos reguladores é a doença adolescente dos neoliberais. Acreditar nos mercados tinha sido a sua doença infantil. Ainda não perceberam que a economia não é uma questão de crença. Quem tem crença e dogma vai à igreja. Quem tem cepticismo e espírito crítico vai para toda a parte.

***

Tem sido minha prática destacar temas de actualidade no final destas crónicas. Eis dois:

1. Este Sábado 29 Abril 15 horas Marcha Mundial do Clima contra os atentados climáticos de Trump e contra os nove contratos para furos de petróleo em Portugal ainda em vigor e contra o caso para o mar de Aljezur. Detalhes AQUI.

2. O sector do imobiliário está a saque em Portugal, e ninguém com incumbências se pergunta se o dinheiro não é reciclado de offshores?! Então o turismo é tão bom e o investimento nas cidades é tão bom e o pequeno detalhe da lavagem de capitais fica fora da propaganda?! Mas, atenção, que há quem resista e diga não às negociatas fantasma! Pelo menos a associação cívica Transparência e Integridade não está a dormir, como se vê AQUI.

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