Sete vezes vem ao pêlo

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 21/04/2017)

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É o tema da semana: uma epidemia de sarampo em Portugal em 2017. Parece uma ideia das lojas da Catarina Portas, mas não é.

Oiço falar em pessoas com sarampo e de imediato volto à infância. Vejo garrafas de Laranjina C e bicicletas de amoladores, vejo anúncios a preto e branco que dizem que capas de amianto na tábua de passar a roupa é que é bom, e recordo o meu pai a apagar o fogo de uma almofada do quarto porque fumava na cama.

Quando eu era pequeno, diziam: “Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pêlo.” E, essencialmente, era isto. Não tomávamos a vacina porque não havia. E quando eu era pequeno havia cólera em Portugal. Tínhamos de ferver a água. Saudades, não é?

Anda por aí uma lógica de contrariar a ciência como se esta gente fosse saudosista dos anos 80, mas AC. Na verdade, vivemos num país que se escandaliza com pais que não vacinam filhos no século XXI, mas que celebra pastorinhos canonizados por curarem doenças com milagres. É profundamente idiota não vacinar filhos, mas esta notícia passa na mesma televisão onde, com ar sério, se celebra dois pastores que vão ser santos por curarem doenças à distância depois de já falecidos.

As televisões estão cheias de anúncios, com gente famosa, de remédios com nomes de desentupidores de sanita que dizem fazer bem ao cálcio dos mais velhos. Há um mês, vi a bruxa/cartomante da SIC a diagnosticar um problema de tiróide, a uma senhora que telefonou para lá, aflita, lendo cartas. Se tem saído a carta “A Carroça”, era cirrose hepática. Espero que no futuro a senhora bruxa tenha uma apendicite e seja operada por um ilusionista.

Há quem negue o aquecimento global, há malta que queimava o Pasteur numa fogueira, há pessoas que vão ao Google e acham que passam a ter um curso de Biomedicina Nuclear, há muita informação e tanta gente mal informada. Já não conseguimos processar isto tudo. Falta vir o deputado do PAN alertar para a terrível extinção do tão raro vírus do sarampo. Deve um partido que defende a obrigatoriedade de vacinar os animais não defender o mesmo para os humanos? Ó terrível dúvida!

Esta epidemia de sarampo é também uma epidemia de estupidez, que é a mais contagiosa das doenças. Além do mais, esta epidemia e horas dedicadas ao tema em todas as TV vai custar milhões em ansiolíticos para os hipocondríacos. Basta duas borbulhas para entrarem em pânico.

Na minha opinião, a vacinação devia ser obrigatória. Mesmo que tivesse de ser dada com uma espingarda da dardos à distância. Estava a criança no baloiço e tau!, com mira telescópica. Se há pessoas que querem viver na idade da pedra, tudo bem, mas não arrastem os outros com elas. E se for necessário para convencer aquelas pessoas que gostam de fazer nascer os filhos em casa e de não dar vacinas aos miúdos, ofereçam um cheque de cem euros em missangas que elas aparecem.


TOP 5

Contagioso

1. A Coreia do Norte falhou a tentativa de lança-mento de um míssil, no passado sábado, perto de Sinpo, na costa leste do país – mais dois falhanços e não é preciso fazer nada porque o Kim Jong-un manda matar todos os responsáveis.

2. A Adidas enviou um e-mail aos participantes da maratona de Boston a dizer: “Parabéns, sobreviveste à Maratona de Boston” – é no que dá terem encomendado uma campanha de marketing às nossas claques de futebol.

3. Donald Trump quer uma audiência com o Papa. Francisco não diz que não – e em vinte e três línguas, só para confundir o Trump.

4. “PCP reafirma solidariedade com regime venezuelano” – a solidariedade vai ao ponto de não lhe chamar ditadura. É bonito.

5. Coreia do Norte divulga vídeo em que simula ataque aos EUA, mostrando a destruição da Casa Branca – com a nova decoração do Trump, não sei se isso pode ser considerado uma coisa terrível.

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