O denso nevoeiro dos números

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 12/04/2017)

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Há muitos anos aconteceu o mesmo ao indicador do desemprego. Agora é a vez do défice. Enquanto indicador estatístico de qualidade o défice está a perder utilidade a olhos vistos, vítima dos sucessivos assaltos políticos (e politiqueiros) que fazem dele gato sapato para tudo menos para tomar decisões políticas e financeiras sérias.

Já tínhamos o défice corrente, o global e o primário, complicados pelos contorcionismos políticos de Bruxelas, que para poder instrumentalizar o cálculo do défice começou a decidir que algumas medidas eram para contar e outras não, consoante critérios cada vez menos compreensíveis, como saber-se o que é repetível ou o que é extraordinário, sendo que o que tal seja muda de dia para dia. Acresce o novíssimo défice estrutural inventado num dia de nevoeiro, que é suposto medir o défice hipotético de uma Economia utópica (e virtual), o que é um exercício com o rigor que possam imaginar. Versões a mais para um indicador que deveria ser simples. Receitas menos despesas. Mais nada.

Não contentes com isso, os nossos políticos decidiram que o défice se passava a calcular de maneiras ligeiramente diferentes conforme lhes convém. De Passos Coelho a Assunção Cristas, cada um cuspiu para o ar o número que lhe veio à cabeça (sim, porque cálculos publicados, zero, isso dava trabalho ou lá como se chama essa coisa). Ora tiram aqui, ora colocam acolá, sem critério cientifico que se vislumbre (mas com muito oportunismo à vista), confundindo tudo e todos, em troca de uns minutos nas notícias e da promoção de uma descarada visão do mundo segundo a qual, se os factos não nos agradam, inventamos outros. Tem tudo para correr bem.

De caminho, algumas entidades com obrigações de serviço público acham que têm de embarcar no disparate. O Conselho de Finanças Públicas, que promove a transparência orçamental total, excepto no que respeita aos vencimentos pagos aos seus dirigentes, não perdeu a oportunidade de meter o bedelho na conversa. Mal, para variar.

Em cima de Bruxelas que já põe e tira verbas do défice, o Conselho entendeu fazer a sua própria apreciação do que eram ou não medidas pontuais no défice de 2016. Imitou os piores dos políticos, nem mais, nem menos. Mesmo assim, e a contragosto, lá conclui que se teria cumprido na mesma os 2,5% comprometidos com Bruxelas. Imagino a desilusão.

Coerência com anos anteriores? Zero. Clareza de metodologia para permitir replicar resultados? Zero. Utilidade para o interesse público das contas assim marteladas de forma avulsa? Zero. Número de menções a Teodora Cardoso nos órgãos de comunicação social? Muitas (e cá vai mais uma, pronto, é inevitável). A primeira presidente do CFP ainda se arrisca a ser a última.

Em qualquer País civilizado isto era um escândalo. O Conselho de Finanças Públicas anda reiteradamente a jogar o jogo político, escudado na sua independência, puxando por

umas políticas e condenado outras com base em preconceitos ideológicos a mais e análise cientifica dos dados a menos. É, simplesmente, insuportável.

Pegar em total independência, bons técnicos, consenso político de apoio, orçamento generoso e acabar ao nível da líder do quinto partido na Assembleia é obra. Não é é uma boa obra.

Ficar calado deixou de ser opção: ou o Conselho de Finanças Públicas passa a servir o interesse público, em vez da mundividência pintalgada de ideologia da Dr.ª Teodora Cardoso, ou passam a financiar aquilo através de uma entidade privada qualquer, que o contribuinte merece melhor sorte. Fica o desafio.

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