A geração mais rasca do que a rasca

(Francisco Louçã, in Público, 11/04/2017)

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Francisco Louçã

Para quem sabe tão pouco sobre o que se passou de facto em Torremolinos, esta vaga de sentenças apressadas pode ser arrogância demais. Sem informação certificada, ficamos no domínio do tablóide: um jornal espanhol titulava que os estudantes portugueses tinham “destroçado” um hotel, mesmo que o texto acrescentasse depois, mais comedido, que tinham provocado “destroços”, mas quais não se sabe bem. Entretanto, o próprio hotel prometeu explicações e nunca as deu. Daqui até ao “terramoto” e ao “inferno” ainda vai um longo caminho de boas intenções.

Portanto, do que se passou em Torremolinos sabe-se pouco, mesmo que o suficiente para exigir uma discussão. Em qualquer caso, sabe-se muito do que se passa antes de Torremolinos e talvez possamos concentrar-nos nisso.

Sabe-se, em primeiro lugar, que a viagem é organizada precisamente para multiplicar a farra em modo delirante. O seu único programa social é bar aberto (mas só a partir das 11 horas da manhã, diz pudicamente a agência de viagens). Os viajantes sabem que é assim e os pais sabem que é assim. Mil jovens, ocupando todo o hotel, inventam então as suas regras de comportamento, aliás sem inovarem muito: Torremolinos é capaz de ser como alguns festivais de Verão, só que dentro de quatro paredes. Os organizadores, a agência de viagens e as famílias sabem que é assim e querem que seja assim. Tem por isso razão Daniel Sampaio, pesado que seja: a cultura da não-responsabilidade é gerada desde o início pelos responsáveis deste empreendedorismo turístico, que prometem precisamente que a viagem para este bar aberto fica fora do enquadramento da família e da escola mas é por eles autorizada. Lamento por isso não alinhar com os juízes moralistas; até suspeito que muitos deles, enfastiados com a imagem desta farra, aceitam a não-responsabilidade com a mesma displicência com que sorriem perante a praxe, afinal são coisas de jovens, coitados, seres inferiorzitos que um dia hão-de cá chegar.

E isso leva ao ponto mais importante: sabe-se também que as gerações fantasiam sobre as gerações seguintes. No meu tempo o Verão era sempre melhor, no meu tempo comportávamo-nos, agora é desbunda. Então, nada de surpreendente: na “geração rasca”, que agora passou os quarenta anos, abundam opiniões censórias sobre Torremolinos (que já se praticava na altura, lembras-te?).

Lembro-me: quando a ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, criou as “provas globais” do 10º ano, as manifestações estudantis contestaram a prova e houve muitos milhares na rua. O editorial do então director do PÚBLICO, que cunhou a expressão “geração rasca”, acusava a manifestação de ser “um desfile de palavrões, cartazes e gestos obscenos, piadas de caserna ou trocadilhos no mais decrépito estilo das velhas ‘repúblicas’ coimbrãs”. Não era o único: o Diário de Notícias acusou os estudantes de “se atirarem aos agentes (da PSP) e se ferirem ao ‘chocar’ com os bastões policiais”. No Parlamento, um tal Passos Coelho, chefe da JSD, ainda ensaiou um tímido protesto, pois as manifestações estudantis “mostram que a negociação não passou pelos próprios estudantes” e anunciou que iria “formalizar o pedido de suspensão das provas”. Tudo passou e ficou o “rasca”.

Pois hei-lo de volta e não se aprendeu nada.

Esta amálgama de inevitabilidades empresarializadas em direcção à sociabilidade alcoólica é portadora de uma cultura: a que retira autonomia e responsabilidade aos jovens, lhes anestesia os sentimentos e os faz desvanecer num coma colectivo, como se a juventude fosse uma breve passagem por um túnel iluminado a néon, para ser esquecida logo a seguir, a minha geração nunca fazia nada disso, abrenúncio.

Em toda esta história, não há nada de mais grotesco do que o paternalismo, que pressupõe que os jovens são tontos e lhes devemos oferecer a viagem para a tontice, que é afinal onde não incomodam ninguém.

3 pensamentos sobre “A geração mais rasca do que a rasca

  1. Mais uma “rabaçada”.
    Agora, nesta, vem dizer-nos que “lamenta não alinhar com os juizes moralistas” mas todo o texto e subtexto não passa de uma mensagem eminentemente moralista; a sua moralidade.
    E para parecer consistente a sua moralidade evoca o argumento de autoridade de Daniel Sampaio para fazer a defesa da cultura moral da não-responsabilidade atribuída aos pais responsabilizados de se armarem em não-responsáveis (os pais sabem que é assim) e portanto, responsáveis pela má educação dada em casa aos filhos.
    No fundo a moral rabaça que povoa o texto consiste na ideia de que é a educação rasca dos pais e que estes transmitem aos filhos que está a origem do comportamento dos jovens em Espanha.
    Não era preciso invocar tão eminente académico psicologista pois para tirar tão simplista conclusão de culpar os pais pela educação dos filhos qualquer pessoa comum sabe isso, pelo menos, desde António Aleixo.

  2. Será que há alguma dúvida que os filhos são o reflexo dos pais ? Bem é verdade também,que nos tempos que correm,as influências de toda a ordem são mais que muitas mas,continua a ser aos pais a quem cabe o encaminhamento dos filhos já que esses não pediram para vir ao mundo.Não” temos muito tempo”,”o professor não gosta do meu filho”,a escola não tem “condições”…..Sério ?.Os pais são pais só e apenas, se souberem transmitir valores e não delegar a culpa nos outros..Tó tós e comentadores irresponsáveis que procuram protagonismo fácil,já temos de sobra,basta olhar para a direita e ver como vão as sondagens…Dúvidas?

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