O jogo do déficit

(Por Estátua de Sal, 24/03/2017)

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Diga dois virgula um ou mais exactamente diga dois virgula zero seis. É este o número oficial do déficit de 2016 que o INE hoje divulgou e que vai ser comunicado às instâncias europeias, permitindo ao país sair do procedimento de déficit excessivo. António Costa e Mário Centeno estão de parabéns.  (Ver notícia aqui)

Durante meses os profetas da desgraça de todos os quadrantes apostaram no preto e saiu vermelho. Apostaram no par e saiu ímpar. A direita pode dizer que tem azar ao jogo. A Dona Teodora bem pode recolher à sua clausura dourada e tratar dos seus gatos. A  Maria Luís bem pode dedicar-se a fazer uma reciclagem dos seus parcos saberes de economia, e talvez a nova edição das Novas Oportunidades lhe seja útil. O Passos Coelho, já que teima em não se demitir, bem pode votar na Assembleia da República, sempre ao lado de bloquistas, comunistas e socialistas, como ele gosta de dizer, e como prometeu que faria.

Mas, contrariamente ao que diz o ditado – azar ao jogo, sorte no amor –, o azar da direita não tem vindo a ser acompanhado por ganhos nos afectos do eleitorado. As sondagens são cada vez piores e adivinha-se para a direita, nas próximas eleições autárquicas, um terramoto maior que o de 1755. Passos Coelho e companhia colocaram as fichas todas no desmoronamento da actual solução política e na realização de umas hipotéticas eleições antecipadas. Quem coloca todas as fichas num único número, à espera de fazer um pleno, ou ganha tudo ou perde tudo. Passos perdeu tudo e resta-lhe ir para casa a pé, já que nem lhe deve ter sobrado dinheiro para pagar o táxi. Acontece a muitos jogadores e, como dizia Gueterres em tempos idos: – É a vida…

Assim, ter hoje ouvido Passos dizer que vai ganhar as próximas eleições autárquicas e que vai ganhar a câmara de Lisboa, ia-me fazendo cair da cadeira, tal a descomunal gargalhada que me assaltou. O homem está completamente demente e como já não consegue enganar ninguém – nem mesmo os seus mais prosélitos seguidores -, só posso considerar que se quer enganar a ele próprio. É um caso clínico do foro psiquiátrico a necessitar de urgente internamento.

Mas, a direita, perdedora em toda a linha no jogo das previsões, continua a jogar, na mira de recuperar o capital desbaratado, qual jogador inveterado e compulsivo. Agora o jogo passou a ser outro: o deficit cumpriu-se sim, mas não é sustentável. É o jogo da sustentabilidade, e é aí que anda a colocar agora as fichas todas. Quer dizer, o único discurso da direita não é discutir o presente mas fazer apostas sobre o futuro – acreditando que desta vez vai sair preto -, já que o eleitorado acha que o presente está melhor e acredita que irá continuar a melhorar, como demonstram todos os indicadores de confiança, quer dos consumidores quer dos empresários.

Mas claro. Como a direita está escaldada e já não acredita muito na sorte, na eficácia da sua pata de Coelho, sempre vai fazendo os trabalhos de casa mínimos para que a não sustentabilidade se concretize. E aí o ataque é ao sistema financeiro e a tudo o que com ele se correlaciona. Porque quanto mais problemas surgirem no sistema financeiro, mais eles  se transmitirão à economia, e a degradação da economia implicará necessariamente a degradação do déficit público. É simples, portanto, e é neste contexto que devem ser vistas as novelas dos últimos tempos:

  • Ataque á Caixa Geral de Depósitos e à sua recapitalização. Neste dossier, é de rir com as preocupações do PSD com o facto de parte desta capitalização ser feita por privados, eles que a queriam privatizar a 100%. É de rir com a preocupação que agora enunciam com o fecho de agências e redução de trabalhadores, eles que se fartaram de fechar agências, e mandar cidadãos para o desemprego. É de rir com a preocupação que dizem ter com o fecho de agências da CGD no interior do país, eles que privatizaram os CTT levando ao fecho de estações de correio por tudo quanto é sítio, não só o interior mas também nos meios urbanos.
  • Ataque ao Banco de Portugal tentando criar um clima de tensão entre o Governador e a actual solução governativa. Contrariamente ao que muitos pensaram na altura, achei a peça da SIC, Ataque ao Castelo, algo suspeita vinda de onde veio. Suspeita, não do ponto de vista jornalístico, mas sim do ponto de vista dos objectivos que prosseguia e a quem interessava. Não sejamos inocentes e ingénuos. Colocar em causa o Governador do Banco de Portugal, fragilizando-o e quase que forçando o Governo a pedir a sua demissão, apesar deste ser quase totalmente inamovível, nesta altura do campeonato, fortalece o sistema financeiro? Seguramente que não. Pôr a nu as pechas do regime angolano – que desde há muito se sabe ser uma cleptocracia -,  favorece as relações políticas e económicas entre Portugal e Angola e as nossas exportações? Seguramente que não.
  • Ataque dos correlegionários europeus à política económica do actual governo. Neste âmbito inserem-se quer as últimas declarações do ministro Schäuble, quer as do paspalho do Eurogrupo, o tal Dijsselbloem, e até do próprio Draghi. Vão de agoiro em agoiro, ainda que não sejam tão estúpidos que acreditem que rogar pragas seja suficiente. É por isso que vão trabalhando na sombra para que o Diabo venha, nem que para isso tenham que o puxar pela arreata.

E é este o cenário da confrontação política actual. Mas falemos de coisas mais sérias. E o que é mais pertinente não é discutir a sustentabilidade do déficit, mas sim a sustentabilidade da dívida pública. Com taxas de juro acima dos 3% e taxas de crescimento nominal do PIB abaixo dos 2% a dívida pública só pode aumentar, a não ser que ocorram cortes brutais na despesa pública, mormente nas despesas com o Estado Social. Cortes no Estado Social é sempre a receita da direita para equilibrar as contas públicas, cortes a que eufemisticamente  chamam reformas estruturais.  E é também decisivo discutir as regras europeias que exigem tais valores do déficit público, sacrificando as políticas públicas que poderiam fazer aproximar a economia do seu produto potencial.

Daí que, chegará um dia em que não será mais possível adiar a discussão desta realidade objectiva. O que fazemos na Europa, o que fazemos no Euro, como e em que prazo e condições poderemos liquidar a dívida do país, compatibilizando tal pagamento com um cenário de crescimento económico e de utilização mais eficiente dos recursos disponíveis, que tal possibilite.

Mas essa discussão a direita não a faz, não a quer fazer, e critica quem a pretende colocar no cerne do debate político. No fundo, o seu desígnio último é só um: regressar ao poder a qualquer preço. Ainda que o preço seja tão alto que leve à destruição do país e que passem a reinar sobre ruínas. Já o fizeram uma vez e querem compulsivamente repetir o feito. Está nas nossas mãos travar-lhes o passo.

2 pensamentos sobre “O jogo do déficit

  1. Entre Maria Luis Albuquerque e Mário Centeno, entre a Universidade Lusíada e a Universidade de Harvard, sempre vai um Oceano Atlantico de diferença.

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