Em Roma já não sobra nada

(Francisco Louçã, in Público, 24/03/2017)

louca

   Francisco Louçã

Djisselbloem parece ser tudo o que a União Europeia tinha para dar. Tem sido ele quem faz, pois é uma marreta de Schauble, que cuida do controlo político sobre o euro através dessa instituição sem regras, o Eurogrupo. É ele, o dogma de uma política económica destruidora. É ele, a transumância política entre socialistas e a direita, nesse nevoeiro em que se tornou a “governança” europeia. Ou, como escrevia Viriato Soromenho Marques, europeísta lúcido, esta gente é a figuração de “um dos problemas europeus, sem remédio aparente, o défice de competência política e o excesso de cabotinismo que reina no fervilhar das chancelarias”.

A esse cabotinismo respondeu António Costa com um ultimato em tempo certo: demita-se, ou o euro não tem futuro. Só que pode parecer ou exagerado ou ambíguo. Se Djisselbloem sair, e vai sair dentro de alguns meses para salvar as aparências, outro virá para um caminho que poderá ser semelhante. O que é que então quer dizer que o euro não tem futuro – é por ter um cabotino à frente do Eurogrupo (a obedecer à Alemanha) ou é por seguir uma política cabotina (que a Alemanha impõe)? No dia da triste festa de Roma, não creio que haja outra pergunta.

Será então que o ministro holandês se limitou a exagerar os seus preconceitos, em contraste com a frieza equilibrante dos burocratas europeus, nada dados a exageros? A experiência diz que não. Afinal, tivemos a Grécia (vendam as ilhas, dizia um ministro alemão). Afinal, temos Guenther Oettinger, o comissário europeu promovido para dirigir o Orçamento e que exigia que os países endividados ficassem com a bandeira a meia haste (além de outras aleivosias racistas). Afinal, temos Juncker, que afirma que a França deve ser isenta das obrigações dos Tratados por ser a França. Se portanto nos perguntamos se Dijsselbloem é simplesmente uma anedota que se pode descartar com o abanar da mão, a prudência pede que se olhe para a floresta e não só para a árvore: o homem foi simplesmente a voz do governo europeu.

Terá sido por isso mesmo que Sampaio já se tinha erguido, aqui no PÚBLICO, contra o caminho do desastre: uma “corrida para o abismo”, com o “ponto de não retorno” do Brexit, tudo agravado pela inviabilidade de 10-15 anos de austeridade impostos pelo Tratado Orçamental aos países periféricos, a que ainda acresce a “gestão desastrosa” da questão dos refugiados e “uma clara acumulação de dificuldades, problemas mal resolvidos e alguns estrondosos insucessos” e, em consequência, “o esboroamento a olhos vistos da confiança na União Europeia, nas suas instituições e nos seus líderes”. O “esboroamento”, nada menos.

Mais, acrescentava o ex-Presidente, isto não vai ser corrigido: “o pior é que, de facto, ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais frágeis”. O teste está a ser feito na Cimeira que decorre este fim de semana em Roma: haverá palavras de circunstância sobre o atentado de Londres e sobre os 60 anos da fundação, enquanto os cinco cenários de Juncker serão misericordiosamente enterrados e não haverá nada sobre como deve a União superar a desunião e o desprezo pela vida dos desempregados, ou dos trabalhadores, ou dos jovens. Afinal, o dijsselbloismo tem triunfado sem oposição nas cimeiras europeias.

Claro que em Portugal, apesar da indignação espraiada até entre os partidos de direita contra “as mulheres e os copos”, ainda sobrou a brigada conservadora que veio defender Dijsselbloem. Helena Garrido já tinha dito que o chefe dele, Schauble, tinha razão, aliás os chefes têm sempre razão e, se anuncia que vem um resgate, é porque sim e até é um favor que nos faz. Camilo Lourenço, um homem do CDS, alinhou imediatamente com Dijjselbloem, que andava tudo a exagerar e no fundo o homem tem razão.

José Manuel Fernandes reconhece, pesaroso, que a frase é “infeliz”, para logo também concluir que tem razão. Mais ainda, entusiasmado com a ideia, Fernandes ensaia no Observador a sua própria versão do dijsselbloemês, advertindo-nos paternalmente: “a próxima vez que um filho vosso (ou um irmão) que está em riscos de chumbar o ano vos vier pedir dinheiro para ir ‘com a malta’ para ‘a noite’ na véspera de um exame decisivo, passem-lhe logo o cartão do multibanco e o respectivo código, não vá ele acusar-vos de ‘moralismo’ e ‘preconceitos’, talvez mesmo de ‘xenofobia’, porventura de ‘racismo’ e ‘sexismo’. Como sabem, assim ele irá longe na vida”. Este catálogo de pecados é maravilhoso e serve para explicar porque é que Dijsselbloem, no fim das contas, é como o nosso pai quando cuida de nós e não cede à tentação de nos deixar ir para a “noite”. Os conservadores continuam a lastimar a falta do Diabo, que vinha e não veio, e ficam-se por agora pela certeza de que “copos e mulheres” ou os “copos” e a “noite” na “véspera de um exame decisivo” nos levam pelo caminho da condenação aos infernos.

Ainda não perceberam que de inferno sabemos todos muito, vivemos a caminho dele desde que Passos Coelho nos explicou que, com a troika, precisamos mesmo de empobrecer – sem “copos” e sem “mulheres”, diria o presidente do Eurogrupo.

5 pensamentos sobre “Em Roma já não sobra nada

  1. Pois claro, ó Francisco.
    Lindo, afetivo e (quase) totalmente compreensivo (o cabotinismo do Viriato, nem de todos é conhecido, infelizmente, porque o capitalismo não permite, nem nunca vai permitir, obviamente, o acesso do “leite plebeu” à cultura que, por exemplo, que a universidade permite e potencia, mas, eu entendo: quando a “nata”, do copo de leite que a sociedade fosse, se deleita a escrever para os que tudo, incluindo o cabotinismo, entendem ou sabem de que se trata, deve, ou é de bom tom, escrever desse jeito).
    Só que, uma vez mais, de capitalismo ao costumes dizes NADA!…
    Será que não é nas contradições do sistema capitalista que radica todas as consequências do que se está a passar?
    Será que, por este andar – só na Somália, Nigéria e Sudão, segundo notícias de hoje, estão em risco de morte, por fome, mais de 20 milhões de seres humanos como nós, ou Francisco – e com os atentados (agora praticados por “lobos solitários” – isto é que é literacia, ó Francisco, é imaginação criadora, claro) de Londres e mais os que se lhe seguirão muito provavelmente, etc., etc., não estamos a caminhar a passos largos para a barbárie da Rosa Luxemburgo?
    E Rosa não ensinou ou demonstrou que OU SOCIALISMO OU BARBÁRIE?!…
    Só “ou” não é suficientemente explícito, designadamente para a referida “nata”?
    Mas sobre isso NADA escreves nestes artigos. Será que te esqueceste? Eu não posso acreditar em tal, meu caro Francisco. Mas que parece, lá isso parece.
    E quando o Mestre ensinou que não basta interpretar a história da humanidade (pois gentalha como o holandezeco da trampa, os camelos, as helenas e ou os fernandes, sempre houve, há e haverá, pelo menos enquanto o sistema teimar em continuar a dominar o planeta), mas o que urge é modificá-lá, tu, Francisco, não retiras nenhum ensinamento? Assim parece. Pois não és capaz de mencionar uma vez, sequer, a porra do sistema capitalista e preferes dissertar sobre coisas que não passam disso mesmo, “coisas”. Coisas do sistema, claro, como essa gentalha.
    Vê lá, ó Francisco, vê lá se te decides a abordar essa temática do capitalismo, porque ele existe, tem mais de 400 anos, é um sistema hediondo, com um passado e um presente (e enquanto estiver em vigor) negros e manchados de sangue, na perspectiva de que, ó que faz falta é denunciá-lo junto da malta, para ver se a malta abre o olho e, de uma vrzvpor todas, põe fim à tirania, ao vais, rnfim: à BARBÁRIE, pois já vai sendo tempo!…

  2. “E quando o Mestre ensinou que não basta interpretar a história da humanidade (pois gentalha como o holandezeco da trampa, os camelos, as helenas e ou os fernandes, sempre houve, há e haverá, pelo menos enquanto o sistema teimar em continuar a dominar o planeta), mas o que urge é modificá-lá,…”

    O caro, acertou por acaso ao tentar fazer valer o argumento de autoridade do Mestre Karl. Pois que o problema de fundo está mesmo em que as helenas, os fernandes, e muitos mais iguais sempre existirão do lado deste sistema como os bérias e estalines e muitos mais iguais sempre existirão no teu sistema ou em qualquer sistema que qualquer novo filósofo venha a inventar de forma a implantar-se de forma sistémica sobre a Sociedade.
    E o problema ou o mal dos sistemas está mesmo em que eles, os sistemas, têm de ser obrigatoriamente interpretados e relizados e injectados no corpo da sociedade por um universo gigantesco de homens falíveis, viciosos, ambiciosos e quase sempre irresitíveis ao abuso do poder.
    Faliu o “sistema” de Pitágoras em Crotona, de Empédocles em Agrigento, de Platão na Sicília (três vezes) e todos ruíram estrondosamente com os mentores a fugirem da revolta dos homens sujeitos aos seus ideais maravilha infalível. Depois o mesmo aconteceu com o grandioso “sistema” imperial Romano e mais recentemente com o “sistema” napoleónico, o nazismo e o comunismo, o “sistema” universal com o qual se iria demonstrar que se descobrira a lei científica da evolução da História e que como tal tinha acabado a dita História.
    Tretas, meu caro, tretas feitas de prosas bem esgalhadas para criar um “sistema” infalível no papel. A porra é que depois são os homens falíveis e quanto falham improvisam e mais falíveis se tornam até a “infalibilidade” do sistema que era ideal se tornar falhanço total e um pesadelo para quem o sofreu.
    Aliás, se reparar com atenção, lá pelo meio dos capítulos da prosa sistémica idealista, os filósofos autores dos tais “sistemas ” à cautela avisam sempre que é preciso que os homens operadores no terreno entendam profundamente os fundamentos teóricos e que nunca podem desviar-se da linha traçada.
    Pois é, meu caro, ao fim de algum tempo os desvios provocam desvios aos desvios dos desvios e é um caos total nessa sociedade ideal com sacrifícios que não serviram para nada.
    Foi sempre assim. E foi por isso que Churchil invento a célebre frase…

  3. adenda,
    O próprio louçã é o exemplo chapado da falibilidade como político contudo anda pregando opiniões doutorais aos outros como se a sua opinião valesse a ponta de um corno.
    Como o louçã é o cavaco, o pacheco o jerónimo, as manas, os manos, o passos e o próprio comedito Costa, os corruptos e não corruptos que formam odos eles a humanidade, a única que subsiste enquanto o tempo infindável engole todos.

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