Ok, põe-me ko

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 17/03/2017)

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Assunção, com esta desculpa, tenta deixar de ser responsável para passar a ser apenas solidária. Transforma uma incompetência num gesto bonito. Aleluia!


Numa entrevista ao jornal Público, Assunção Cristas revelou pormenores surpreendentes sobre a resolução do BES e não só. Não sei por onde começar. Talvez pela frase: “o Conselho de Ministros nunca foi envolvido nas questões da banca”. Provavelmente estavam convencidos de que a troika tratava disso. Se no estado em que estava o sistema financeiro português (BES, BANIF, CGD) no Conselho de Ministros não se falava de banca, mais valia fazerem as reuniões num elevador e falar do tempo. Imagino que nessa altura andassem mais preocupados com os aldrabões do RSI e os chupistas dos pensionistas e não tinham vagar para falar de banqueiros.

Cristas confessa: “Estava no início de férias e recebi um telefonema da ministra das Finanças a dizer: ‘Assunção, por favor vai ao teu e-mail e dá o OK, porque isto é muito urgente, o Banco de Portugal tomou esta decisão e temos de aprovar um decreto-lei’. Este OK cego da Assunção é uma espécie de KO do discurso de exigência que a líder do CDS/PP exibe na Assembleia.

Resumindo, Cristas diz que foi contactada “durante as férias” pela ministra das Finanças para assinar “com urgência”, e “sem conhecer o dossiê”, a resolução do BdP sobre o BES, e nem hesitou. Curioso que isto é mais ou menos como o Salgado fazia na gestão do BES. Para a Assunção, a Maria Luís era a DDT.

Talvez ainda influenciada por ter sido ministra da Agricultura, Assunção desabafa ao jornal que acusou de plantar notícias sobre a fuga de milhares de milhões offshore: “como pode imaginar, de férias e à distância e sem conhecer os dossiês, a única coisa que podemos fazer é confiar e dizer: ‘Sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK’.” Ou seja, a líder do CDS/PP vem dizer que não tinha conhecimento, daí não ter culpa. Mas o que se espera de quem não tem conhecimento é que tenha sabedoria. Diz um velho dito popular: “conhecimento é saber que o tomate é um fruto, sabedoria é saber que não se deita tomate numa salada de frutas.” Assunção, com esta desculpa, tenta deixar de ser responsável para passar a ser apenas solidária. Transforma uma incompetência num gesto bonito. Aleluia!

Tenho dúvidas se a única atitude que podemos ter, sem conhecer os dossiês, é confiar e dizer que damos o OK. Se calhar, também podemos enrolar o páreo com motivos frutícolas, deitar fora o corneto de morango, interromper as férias e ir saber o que se estava a passar. Custa pensar que alguma das nossas desgraças podiam ter sido evitadas se a água naquele dia não estivesse tão boa. Ainda para mais, para infelicidade nossa, ao mesmo tempo que Cristas estava de férias, a máquina das finanças, do indivíduo de elevado carácter, também tinha tirado uns dias de folga. Maldito bom tempo.


TOP 5

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1. Núncio foi advogado da empresa venezuelana responsável pela saída da maior fatia de dinheiro para os “offshore” – uma coisa é certa, temos de reconhecer que o Núncio foi o indivíduo que mais trabalhou no anterior Governo.

2. Schäuble faz aviso a Portugal: “Certifiquem-se de que não precisam de um novo resgate” – e vocês vejam lá se tomam conta do Deutsch Bank. Tenho a teoria que, desde que morreu o Mister Spock, resta Schäuble como o único ser vivo que não compreende as emoções dos humanos.

3. A 14 de Março é comemorado o dia internacional do pi – ou das palavras censuradas em rádio e televisão.

4. O antigo presidente do BES diz que teria saído “na hora” do banco se o Governador Carlos Costa lhe tivesse dado uma “palavrinha que fosse” – isto dá vontade de dizer um palavrão.

5. Vítor Gaspar: “não tenho memória” de alertas da troika sobre a Caixa – faz confusão que esta gente tão saudosista de outros tempos nunca tenha memória de nada.

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