Que futuro para a Europa?

(Paul de Grawe, in Expresso, 11/03/2017)

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                              Paul de Grawe

A União Europeia está a debater-se com uma crise existencial. Muitas pessoas perguntam qual será o seu futuro. À luz destas dúvidas, a publicação na última semana do Relatório Branco da Comissão Europeia sobre o futuro da União Europeia vem mesmo na hora.

O Relatório Branco propõe cinco cenários para a evolução da União Europeia no futuro. Poderá dizer-se que são muitos os cenários propostos. De facto, o futuro é tão incerto que o que poderá vir a desenvolver-se não estará provavelmente nesta lista da Comissão Europeia. Ainda assim é útil discuti-los.

Há, em primeiro lugar, dois cenários extremos. Numa das ponta está apenas uma zona de comércio livre. Neste cenário, só o mercado único resistiu, limpo de todas as instituições que restringem a soberania dos Estados-membros. Isto é, de facto, o que o Reino Unido tinha em mente quando escolheu o ‘Brexit’ — uma zona de comércio livre sem perda de soberania; um cenário no qual todos mantêm o poder de veto e comercializa alegremente com os outros.

No outro extremo, está o cenário ‘mais Europa’. Aqui todos os Estados-membros escolhem decididamente caminhar em frente na direção da união política, incluindo a união fiscal, de defesa, social, etc. É bom de sonhar. E eu sou uma pessoa que gosta de ter esses sonhos.

Entre estes dois extremos, há três outros cenários. Há, primeiro, o ‘cenário arrastar isto’: continuamos a fazer tudo como dantes. Vamos de crise em crise. Foi realmente esse o cenário que Robert Schuman previu como forma de a Europa avançar. Até agora, teve razão. A Europa tornou-se gradualmente mais integrada, conduzida por uma sucessão de crises que gritavam por uma solução. A questão é se esta forma de caminhar em frente não atingiu os seus limites.

O seguinte é ‘Europa à la carte’. É o que fazem os países que querem mais integração. Reforçam as suas fronteiras exteriores, criam uma união fiscal, uma defesa comum e, dependendo dos gostos, escolhem outros itens do menu da integração. Os países que não gostam, simplesmente ficam de lado.

Finalmente, há o cenário ‘menos, mas melhor’. Menos Europa, mas a Europa que sobra será feita de melhor forma (mais eficiente, como dizem os economistas). Este é o cenário ideal de muitos partidos de centro-direita na Europa que querem dissociar-se da rejeição da extrema-direita do projeto europeu no seu conjunto. Era também o cenário de David Cameron quando, antes do referendo, defendia a repatriação das responsabilidades europeias para os Estados-membros e tornar as instituições europeias mais ‘eficientes’. Não conseguiu nem de longe convencer os outros Estados-membros a ir nesta direção.

E agora, como escolher entre estes cenários? Esta questão não é realmente colocada no Relatório Branco. Este é, portanto, mais um catálogo de possibilidades do que um guia para a ação. Coisa que não me satisfaz por aí além.

De forma a lançar alguma luz sobre esta questão, permitam-me que invoque o ‘trilema impossível’ que foi formulado por Dani Rodrik. Este diz que globalização (comércio livre), soberania e democracia são mutuamente incompatíveis. Só dois dos três podem existir em simultâneo. Assim, se os países querem manter a sua soberania nacional e manter processos democráticos de decisão têm que afastar da globalização e do comércio livre.

A razão para tal é que a globalização e o comércio livre impõem uma série enorme de regras e constrangimentos que desgastam a soberania nacional e o processo de decisão democrático.

Se os países escolhem o comércio livre (o mercado único no contexto europeu), então têm de abrir mão da soberania nacional. Só podem preservar a democracia organizando processos de decisão democráticos a um nível mais alto. No contexto europeu isto quer dizer que uma escolha a favor do mercado único força os que nele participam a abandonar a soberania nacional plena e se querem manter a democracia concordam em organizar esta democracia a nível europeu. Isto implica a criação de um governo europeu sustentado por um Parlamento europeu democraticamente eleito.

O princípio do trilema impossível permite-nos mandar para o lixo uma série de cenários do Relatório Branco. É o caso do ‘cenário só-mercado-único’. Não é sustentável porque se baseia na ilusão de que podemos ter mercado livre e manter tanto a soberania nacional quanto uma democracia completamente funcional. O cenário “menos mas melhor” sofre da mesma ilusão porque quer retirar poder às instituições europeias para reforçar a soberania nacional, ao mesmo tempo que mantém em pleno o mercado único.

O Relatório Branco cria a ilusão de que temos uma série de opções. De facto, não é assim. A teoria do trilema impossível ensina-nos que a escolha é feita entre o progresso na direção de uma união política para preservar o mercado único e a democracia, e (se rejeitarmos a união política) restabelecer as barreiras alfandegárias de forma a proteger a democracia. Eu já escolhi.

Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica

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