(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 03/03/2017)
Atingimos um ponto em que temos de nos entender quanto ao significado das palavras honra, dignidade e pátria.
A sociedade portuguesa vive numa condição de atrito moral poucas vezes visto porque raramente assumido. Há um manifesto desprezo pela coisa pública, e o pensamento, esse, parece dominado pela absorção dos valores. Há necessidade de se definir o desenvolvimento e o progresso social, mas as coisas são apenas definidas pelo fim da ideologia. Portugal vive um dos momentos mais gravosos, desde a democracia. Os valores mais fortes têm sido dizimados por uma casta que, nos jornais sobretudo, tenta impor uma nova ordem de pensamento. Estamos a chegar a um período em que os Estados já não são os promotores do desenvolvimento e do equilíbrio social. E a violência tende a substituir a ciência e o desenvolvimento. As guerras de posse atingiram um nível desusado, e a miséria, a fome e a destruição parecem ser os protagonistas de uma nova, e estranha, concepção de violência. O desprezo dos valores assume uma nova esquadria de entendimento, certamente poderoso, mas também certamente oneroso para a humanidade,
O caso Paulo Núncio merece uma reflexão mais prolongada. Recordemos que José Azevedo Pereira, antigo director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, solicitou, por duas vezes, a Paulo Núncio, autorização para a publicação de dados sobre transferências de dinheiro para “offshores.” Não obteve essas autorizações, acaso envolvido em compromissos indesculpáveis. Mas a demissão de Paulo Núncio não desculpa o governo de Passos-Portas, além do que a hipocrisia da direita, neste caso, como em outros, atinge as zonas da obscenidade.
Paulo Núncio afirmou que a responsabilidade da não divulgação de dados foi da Autoridade Tributária, depois culpou os computadores, e só quando Azevedo Pereira o desmascarou assumiu a culpa. Por outro lado, as declarações de Assunção Cristas sobre Paulo Núncio provêm de alguém que entende a dissimulação e o encobrimento como actos necessários em política.
Ouvimos, pelas televisões, as declarações de alguns “comentadores”, hoje promovidos a dirigentes da opinião pública, e ficamos hirtos de indignação. No nosso país, a indignidade e a desfaçatez atingiram carta de alforria, e quando se chega à conclusão de que o anterior governo mentiu aos portugueses, o assunto tem de ser investigado até às últimas consequências.
Corremos o risco de começarmos a ser interpretados como componentes de uma república das bananas; mas “há sempre alguém que resiste, alguém que sempre diz não”. Disse-o, melhor do que qualquer outro, Manuel Alegre.
As coisas não vão ficar, certamente, por aqui, e atingimos um ponto em que temos de nos entender quanto ao significado das palavras honra, dignidade e pátria. De contrário, corremos o risco de soçobrar ante esta maré sobressaltada de oportunismo e venalidade. Não nos esqueçamos: todos estamos em perigo.
Gosto muito de BB; do seu pensamento e da sua prosa, que lia com gosto, no DN., mas, as coisas mudaram.
Sempre a considera-lo.
Lucília Teixeira
Admiro e adoro ler os artigos que o bb escreveu e este tambem. Tem toda a razao.
Não sou tão pessimista. Vive-se, ainda assim, um tempo de muita confusão. Uma das maiores inquietações, para mim e o desrespeito, a falta de civismo e a desvalorização de uma ética que permita os limites.
Enquanto não mandar para a cadeia todos estes ladrões de colarinho branco com anos bem pesados não sairemos deste marasmo. O que aconteceu por exemplo na Grécia com o homólogo do Paulo Portas, então ministro dos negócios estrangeiros naquele pais e que apanho 20 anos (digo bem 20) por ter endividado o seu pais com compras não necessárias em material de guerra. Gostaria pelo menos ver o Paulo Portas responder perante a justiça, tal como o Paulo Núncio, o Sócrates ou o Ricardo Salgado, “o dono disto tudo” que não vão escapar mesmo que com atraso… a Justiça é tão morosa, mas há de passar! (Espero !!!!!)
Este artigo é do dia 03 de Março e não do dia 10 do mesmo mês, como vem indicado.
Cumprimentos.