PARA SEMPRE ZECA! (revisto)

(Joaquim Vassalo Abreu, 23/02/2017)

Hoje é dia do ZECA! Faz hoje trinta anos que ele fisicamente nos deixou, o dia em que me lembro de ter posto gravata preta. Perguntavam-me, por inopinado gesto, quem te morreu? Eu respondia : parte da minha Alma, o ZECA!

Mas não conheço ninguém que, passados tantos anos, esteja tão presente em nós. Quem não o conheceu até pode achar estranho mas são seres destes, por tão excepcionais, que nos fazem sempre recordar que vale a pena lutar, ser justo, ser solidário, ser amigo, ser tolerante, ter cultura, ter humildade, ser simples e apreciar o belo. Ninguém como ele o fez e conseguiu transmitir.

Ele que tanto cantou, ele que tudo antecipou, ele que tanto lutou, contra medos e contra fantasmas, ele que por isso tanto pagou, ele nunca deixou de nos guiar, sempre à frente de tudo e nem a morte isso afastou!

Cantou Primaveras, as trombetas do futuro soavam sempre em seus e nossos ouvidos, cantou o Maio Maduro e as Águas das Fontes que mandou calar e chorar quando não mais cantasse. Cantou o coro dos caídos e os dos tribunais. Os vampirescos vendidos e os seus eunucos que a si mesmo se devoravam. As odes campestres, os verdes campos e o sol Alentejano. E a Catarina. “ Quem viu morrer Catarina, não esquece a quem matou”. Os pastores de Bensafrim e os Amigos! Os Amigos sempre convocados, estivessem ou não. “ E se alguém houver que não queira, trá-lo contigo também…”! Os amores, as lutas, as Madrugadas…tudo ele cantou. As Utopias, os alvores, os cantores….

Tudo, mas tudo o ZECA cantou, tudo o ZECA previu e tudo o ZECA ensinou. Ensinou-nos a cantar o Menino de Oiro, o do Bairro Negro, as faluas que lá vinham e a Canção de Embalar! Quem nunca adormeceu os seus filhos ao som desse “ embalar”? Quem nunca, depois de adormecidos não lhes assoprava o seu “ Redondo Vocábulo”? Quem? “ Canta meu menino a estrela de alva, já a procurei e não a vi. Se ela não vier de madrugada, outra que eu souber será pra ti…”. Haverá porventura alguma criança que se recuse a adormecer perante coisa tão bela?

Ele cantou os Filhos da Madrugada…que pela praia do mar se vão, á procura da manhã clara…!Que lá do alto da montanha acendiam uma fogueira, para não se apagar a chama…

E “ Vejam bem que não há só gaivotas em terra quando um homem se põe a cantar! Quem lá vem dorme a noite ao relento na areia… não há quem lhe possa valer…”

Uma enormidade Humana foi e é este Homem. Um Farol imponente no promontório da nossa Vida. Sempre emitindo uma luz que nos ensina o caminho, mesmo no mais profundo bréu. Nós os que tivemos a felicidade de o conhecer e de por ele e pelas suas músicas e intervenções sempre ansiar, sempre vimos nele aquele ser simples e tímido, mas desbravado, corajoso, sempre focado e firme. Livre e independente. FIRME, como ele sempre dizia qualquer homem dever estar.~

“ CANTIGAS DO MAIO”, editado em 1971, que numa breve brecha da Censura eu consegui ouvir em primeira mão e na íntegra na Emissora Nacional da altura é, talvez, a sua melhor e mais completa obra. Com o dedo profissional de José Mário Branco. Um tratado de música e um marco pioneiro de quem andou sempre, em tudo, à frente do tempo. Uma obra prima que fez com que a música em Portuga jamais fosse a mesma, do mesmo modo como muitos anos antes tinha rompido com o “ nacional cançonetismo” e que levou o grande escritor e dramaturgo Bernardo Santareno, comentando num célebre texto os seus “ Filhos da Madrugada” , a proferir a intemporal frase : “ …Nem tudo está podre no Reino da Dinamarca”.

Venham Mais Cinco, ele cantava. E venham, novos e velhos, venham todos cantar o ZECA. E a Liberdade, o Futuro e a Amizade. Todos os que vierem por bem…Venham…mas não venham sós…


 

3 pensamentos sobre “PARA SEMPRE ZECA! (revisto)

  1. Muito bela homenagem ao Zeca que de facto está sempre vivo em nós. Ouvir hoje uma das suas canções é sempre o mesmo prazer renovado, prazer que mistura a sensualidade dos sons, dos ritmos e da música que é rica e diversificada, com a alegria de encontrar um sentido profundo por vezes escondido entre as palavras muitas vezes elaboradas em enigmas destinadas a enganar a censura. Bravo Zeca hoje como ontem, es uma maravilha.

  2. Obrigado, Joaquim Vassalo — permita—me que o trate assim, mesmo sem o conhecer, mas, perdoar—me—á, aprendi este jeito com o ZECA.
    Obrigado por esta merecida homenagem, por ventura ao maior vulto popular da lusa intelectualidade culturalvdo século XX.
    Subscrevo tudo o que escreveu, o dito e o que ficou por dizer, pois o querido e saudoso ZECA foi, era e é, digno e merecedor de muito mais.
    Permita—me apenas que relembre que o ZECA, por ser dos que “antes quebrar que torcer”, viveu sempre com o cu virado para o poder.
    E, nos tempos que correm, com a situação que se vive, não apenas em Portugal, mas por todo o mundo capitalista, onde as leis, as normas e os costumes são ditadas pelas seitas alcateadas e matilhadas do tipo soares&freitas&balsemões&cavacos&guterres&durões&santanas&sócrates&passos&portas&gaspares&relvas&macedos&cia, mais imperioso se torna relembrar o ZECA e cumprir o que, por exemplo, ele ditou para nosso (os que nos colocamos ideologicamente do mesmo lado da barricada) mandamento: «…o que faz falta é[…] a Malta».
    Em complemento, permita—me ainda que O cite, quando na sua Autobiografia, o ZECA afirma:
    «Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. Quando as pessoas param há como que um pacto implicito com o inimigo, tanto no campo político como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciencia e os alibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta.”
    “Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for.»
    Dizem que morreu hà 30 anos ….mas estará sempre no meu e no nosso coração !!!
    Cordialmente, um abraço, do
    aci

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