É TUDO LEGAL ( actualizado)

(Joaquim Vassalo Abreu, 22/02/2017)

tiago_caiado

Tiago Caiado Guerreiro – O grande especiaista em mandar dinheiro para offshores é sempre chamado pela SIC para opinar sobre “transparência fiscal! 🙂

 

O texto que vou republicar, depois de uma introdução actualizada, foi por mim escrito em 11 de Abril de 2016, há quase um ano portanto, e aquando da questão dos Panamá Papers.

Agora, a propósito da questão da transferência sem qualquer controle, entre 2011 e 2014 (durante o anterior governo, claro) dos tais 10 mil milhões para Offshores, fico perplexo ao constatar quem as televisões e as rádios trazem para comentar o assunto: os chamados “fiscalistas” que são, nem mais nem menos, aqueles especialistas em “offshores” que assessoram, promovem, avisam, aconselham, preparam, adaptam, estudam, salvaguardam, tramam, tecem, urdem, planeiam e facilitam, com os subterfúgios das leis, que bem conhecem, os seus clientes, quer particulares, quer empresas, quer outras faunas, na redução da sua factura fiscal.

E a toda essa trama chamam eufemisticamente de “optimização fiscal”! E avisam ainda que é uma questão do domínio do “perigoso”, pois se trata de uma questão de confiança para quem investe. E eu acrescento, de salvaguarda para quem quer fugir ao seu dever de pagar impostos, como todos têm que pagar e pagam. Menos eles…

Como nada tenho a retirar ao que então escrevi, e dado que na altura não tinha o acesso ao público que agora tenho, acho oportuno partilhar o que então escrevi:


É TUDO LEGAL
(Ou “Os Privilégios de Classe”)

Consta que até é, mas aí é que está a questão. E a “corrupção legal”, como se costuma dizer, mesmo não passando de um eufemismo, congrega e resume tudo aquilo que, mesmo sendo revestido de uma capa legal, não deixa de ser imoral e odioso.

Primeiramente porque rebate e contraria qualquer princípio de igualdade e depois porque deixa de ser verdade aquilo que aparece como princípio básico de todo o sistema legal: “Todos somos iguais perante a Lei”. Porquê? Porque falta acrescentar: “Se a Lei for igual para todos”.

É este carácter de excepcionalidade e de direccionismo particular, de enquadramento mesmo que subjectivo mas de análise quase estritamente pericial, que certamente não fugiu às intenções do legislador, que me impressiona, ao ponto de eu entender e concluir nada ser feito ao acaso.

Isto levava-nos longe, aos princípios filosóficos de definição política por exemplo, mas não é por aí que agora vou, muito embora não olvide a questão da afronta ao bem comum que toda essa “corrupção legal” representa e é fundamento do clamor popular que, mesmo a nível mundial, a recente questão dos “Panamá Papers” suscitou.

“É TUDO LEGAL…” ou “nada foi feito ao arrepio da Lei” é a única justificação que ouvimos para este sistematizado comportamento de uma classe e seus subprodutos. Nenhum arrependimento ou pedido de desculpas e apenas um “é legal e, portanto, calem-se”.

Os Juízes não fazem as leis e, portanto, não são os responsáveis. Os responsáveis são quem faz e quem promulga as leis. A questão é, portanto, uma questão política, para além de moral. Política porque configura um aproveitamento de leis feitas à medida para uso próprio e para a fuga ao exercício da função social que é o pagamento dos impostos devidos e é moral porque, sendo manifesta a inferioridade moral de quem assim procede (fugindo ao fisco e às obrigações de cidadania), concorre para a lassidão e desregulação da própria sociedade.

Tudo o que é “legal” é aceitável é o principio generalizado e chegamos à triste conclusão que os “Offshores” e os “paraísos fiscais” servem para isso mesmo: para legalizar o dinheiro que é de origem duvidosa ou mesmo criminosa, servem para o “lavar”, isto é, para o limpar das suas nódoas, servem para o esconder e servem, finalmente e em suma, para chantagear os próprios Estados que, exauridos de capitais, são forçados a lhes conceder perdões fiscais para o que o dinheiro volte. E volte já lavado e limpo e libertado de quaisquer constrangimentos legais e morais. E com taxas reduzidas, claro!

E depois, não bastando, ainda nos gozam dizendo que “foi para optimizar a questão fiscal” que foram “forçados” a usar aquela teia toda de instrumentos. Legais, registe-se. Também lhe chamam de “engenharia financeira”.

Mas, para identificarmos ser esta questão de estado da Democracia, vejamos apenas alguns exemplos da origem “legal” destes dinheiros e da forma como eles são usurpados de todos nós:

– Os Contratos do Estado. São todos “blindados”. Foram previamente elaborados por especialistas das sociedades de advogados e feitos à medida das leis que os suportam, mas que suportam também e sempre os seus beneficiários. Com leis apropriadas e devidamente ratificadas por maioria conveniente. Tudo sempre legalmente.

– As PPP´s, por exemplo e também, são o exemplo gritante dessa dualidade de garantias perante a lei. Trata-se de contratos até parece que feitos propositadamente para lesar o Estado em benefício de uns quantos. É inequívoco. Mas foram negociados e aceites pelo próprio Estado. São legais? Claro que são. Mas são eticamente legais? Claro que não. Que caminho levam e que percurso têm essas chorudas rendas? Já sabemos. Tudo legal!

– As Compras Militares. Li e ouvi que são todas feitas através de intermediários, com conhecimento militar e posterior anuência governamental e enfermam do mesmo vício. É tudo legal porque são confirmadas em portaria, portaria esta confortada pela Lei. Tudo legal. Até as comissões. Eram compras necessárias? Quem auditou? Foram a justo e competitivo preço? Quem aferiu? Quem beneficiou? Não importa, foi tudo legal! E tudo o que é legal é aceitável, não é verdade?

Depois, e por último, chega a hipocrisia e o cinismo. É que, depois, como tudo se afunda, como a manta não estica e fica inundada de buracos, difunde-se e faz-se crer que a culpa é nossa. Que a culpa é toda nossa, dos que trabalham e pagam impostos. Que não somos produtivos e não passamos de uns preguiçosos e reivindicadores. Mas que no estrangeiro são. E desses parasitas do rendimento mínimo, desses desempregados que recebem subsídios. Que passam a vida a correr para os hospitais, para a segurança social e para o fundo de desemprego. São esses malandros os causadores de todos os males. Ordenado Mínimo? Eles querem é consumir, ter máquinas de café Nespresso em casa, um smartphone e uma televisão com hd. E carro à porta.

Vão dizendo todos esses que absurda, ridícula, detestável, impura e imoralmente beneficiam de leis feitas a propósito e que quanto mais tendo mais querem ter e não sofrendo de qualquer dor de consciência por engordando e engordando nos provocarem a magreza, ainda vêm perorar acerca do nosso “modus vivendi”. Por querermos algumas coisas comuns e que eles sempre pensaram só às suas vidas pertencerem…

E exigem-nos sempre mais sacrifícios. Para colmatar o que eles deveriam pagar e não pagam. E não pagam “legalmente”.

É tudo legal! Como legais são os impostos absurdos que temos que pagar.

As casas estão cá, mas são de lá! As empresas estão cá, mas pagam IRC lá e o dinheiro é de cá, mas está lá! Mas “É TUDO LEGAL”!

4 pensamentos sobre “É TUDO LEGAL ( actualizado)

  1. Só faço uma pergunta:Já chegamos a isto,pelo que teremos de passar mais?Na verdade este nosso Portugal está cheio de oportunistas e mais não digo.Obrigado,pelo seu desabafo e informação.Para si,vai o meu abraço e obrigado.

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