A noiva, o corno e a alcoviteira

(Por Estátua de Sal, 15/02/2017)

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Sempre fomos um país de originalidades e propenso aos folhetins de escárnio e mal-dizer. Desde Gil Vicente, pelo menos, que o género faz sucesso em terras lusitanas, sendo tal sucesso tanto maior quanto mais escandaloso e apimentado for o enredo.

Vem isto a propósito da novela que perpassa em toda a comunicação social acerca da mensagens trocadas entre António Domingues, ex-presidente da CGD, e o ministro das finanças, Mário Centeno. A direita explora até à náusea o tema, arma-se em flibusteira da verdade, ela que tem o maior currículo de vigarice encartada e de escola de trampolinice.

Como em todos os namoros, Centeno terá trocado com Domingues emails e SMS, tentando acordar no que deveria ser o dote do enlace e lavrar, em conformidade,  um documento pré-nupcial. A noiva fazia o que podia para cair nas boas-graças do disputado pretendente, almejando consumar o desejado nó, e tentando satisfazer-lhe as exigências. Mas, como todas as noivas, tinha as suas limitações. O pai da noiva, Costa de seu nome, lá ia abrindo os cordões à bolsa, aceitou tudo, menos uma das condições avançadas pelo pretendente, a saber que este não tivesse que revelar à populaça o dote próprio com que ele mesmo se apresentava para a união. E Centeno, como todas as noivas, tentou ultrapassar o confronto, tentando que uma, ou ambas as partes, fossem menos irredutíveis na sua disputa.

Como sabemos, não conseguiu.  O pretendente Domingues, sentiu-se corneado e bateu com a porta. A história podia ter acabado aqui. Mas não. Como alguém disse, de forma lapidar, a dor de corno é a maior dor do mundo, e origina acções de vingança e malvadez. Uma das formas modernas da vingança do corno é publicar no Youtube, para gáudio da devassa pública e humilhação da outra parte, filmes de cenas íntimas ocorridas antes de selado o desencontro do par. Não tendo havido sexo, no caso em apreço, restavam a Domingues as mensagens de telemóvel usando-as de forma sonsa e furtiva, de modo a ocultar o seu despeito.

E é nesse processo de sonsice e de ocultação do despeito que o papel da alcoviteira, neste caso o também sonso Lobo Xavier vem a terreiro, prestando-se a um papel de mensageiro do mexerico e da intriga, e fazendo chegar as mensagens trocadas ao maioral da urbe, de seu nome Marcelo. Julga Xavier que assim reforça a sua importância pública. E isto porque supostamente sabe coisas que a populaça não sabe. Ataca a noiva e o pai da noiva, não em nome próprio – porque também é sonso -, mas em nome do corno de quem é uma espécie de trombeteiro, para que a indignidade do dito cujo, revelando mensagens privadas, não venha ao de cima.

Meus caros, este é o folhetim que vai entretendo o país nos dias de hoje. Se os maus fígados do corno e a ausência de escrúpulos da alcoviteira são mais que evidentes, o que também fica claro é que a noiva não se deve deixar seduzir por luzidias promessas de felicidade e deve ser mais exigente e escolher melhor os pretendentes. E sobretudo deve descartá-los sem tergiversar mal fique claro que são conflituosos e avarentos, não tentando mudá-los apaziguando-lhes os defeitos e os vícios.

Nesse contexto, meu caro Mário Centeno, deixo-lhe por isso um verso de Rimbaud, que espero lhe sirva de lição: Par délicatesse j‘ai perdu ma vie.

26 pensamentos sobre “A noiva, o corno e a alcoviteira

  1. A INSUSPEITA!
    A antiga ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite, considera ser “inaceitável” o que está a acontecer com a Caixa Geral de Depósitos. No habitual espaço de comentário, referiu ainda que a questão da correspondência trocada entre Centeno e Domingues está a ser tratada como “se fosse um problema fundamental” do banco público quando “não é”. nuela Ferreira Leite diz-se “perplexa” com o que tem sido feito à Caixa Geral de Depósitos (CGD). No habitual espaço de comentário na TVI24, esta quinta-feira à noite, a antiga ministra das Finanças lamentou que se esteja a “humilhar e desgastar” a imagem do banco público diariamente ao convocar “conferências de imprensa e a chamar pessoas à comissão parlamentar de inquérito”. “É inaceitável”, defendeu.“Ainda não percebi se querem dar cabo da Caixa de vez ou se não estão interessados em colaborar na sua recuperação. Qualquer um dos cenários é absolutamente inaceitável. Quero lá saber dos e-mails trocados entre o ministro [das Finanças] e o ex-presidente da Caixa”, disse Ferreira Leite. Por: zaratrusta

    Estatuto dos administradores da CGD
    A lei foi para que os administradores pudessem receber um ordenado equivalente aos administradores de bancos privados, de outra forma tinham de limitar o ordenado dos gestores aos do PM.
    E de facto houve alguém que achou que os isentava de apresentarem as tais declarações de rendimentos, como o foi o caso de Marques Mendes, como tal por aqui se pode constatar que pode ter levado a erros de interpretação, isto para quem não teve em conta a lei já existente sobre os gestores públicos. Por: Jcesar.
    http://viriatoapedrada.blogspot.pt/2016/07/cgd-caixa-geral-depositos-ii_13.html

  2. Só gostava que as cabeças brilhantes deste país trabalhassem sobre o que realmente interessa.
    Assim não sendo, calem-se pelo menos! É uma enorme qualidade, o silêncio, quando não há nada de interessante para dizer.

  3. Uma só pergunta para o ministro porque não afastou a hipótese Domingues logo que constatou que este não queria declarar os rendimentos? Isso só, deveria bastar, para a sua rejeição pura e simples. Ou ele é assim tao dotado que não haja ninguém capaz de o substituir? Como estava ali aquele portento de conhecimentos sem que o pais soubesse?

  4. Excetuando a data, que está errada, o texto é de uma crueza verdade que até parece ficção. Mas não, é a política à portuguesa em todo o seu esplendor.

  5. Diverti-me imenso porque vejo reflectida, em cada linha deste texto, a verdade vergonhosa de alguns políticos deste país!

  6. Em qualquer país decente, está corja de mentirosos tinha sido obrigada a demitir-se imediatamente. Não é possível, num sistema democrático, permitir a mentira, seja pequena, grande, com ou sem importância. Uma mentira é uma mentira, qualquer que seja a circunstância em que foi dita. Tentar cobrir um erro com uma mentira é, para além do mais, um mostra de falta de carácter. Por isso mesmo o Sr. Centeno (talvez “Sentino”) deveria ter a honradez de se demitir e com a sua saída explicar o envolvimento do Sr. Costa… Que o Sr. Centeno não conheça todas as leis da República, é aceitável (ele é economista…) mas que o Sr. Costa mostre tamanha ignorância é que não é aceitável dado que ele se entitula de advogado… O mesmo se pode dizer do Sr. Rebelo de Sousa, que não teve problemas em aprovar um decreto, sabendo que ele iria contra as normas da Constituição… Então ele não é professor de direito constitucional?
    Nesta história da CGD nenhum dos três intervenientes principais – Sr. Rebelo de Sousa, Sr. Costa e Sr. Centeno – saírem a “cheirar a rosas…”, antes pelo contrário!

    • Já agora, como Marcelo sempre soube de tudo, como hoje se prova, também quer demitir Marcelo? E a seguir, candidata-se você a Presidente?! Vejo hoje muitos “justiceiros” de nova estirpe. Quando o Passos mentiu a dizer que não sabia que tinha pagar à SS, pediu a demissão dele? E a Marilú também aldrabou sobre swaps, também pediu a demissão dela?

  7. BRAVO …Bravo …Quando o António Domingues autor da Opereta da Fuga , exige regalias idênticas a Gestor Bancário Privado …exige a Ocultação de rendimentos e de Bens bem como a fuga ao Fisco…Os Banqueiros no Geral e em Particular em Portugal , estão acostumados a Fugas semi-fugas e a Offshores …e que Tal Investigar o António Domingues e o seu paladino Lobo Xavier actual Vice presidente do BPI …e a PGR ………nada Faz ….Nada investiga ….? achará normal as exigências alegadamente feitas pelo António Domingues? afinal não será so´o Ricardo Salgado , em fuga ao impostos , pois a pratica na Banca Privada desvendada pelas exigências tornadas publicas , regem-se pela pauta do António Domingues …….

  8. O que realmente me interessava era que se fizesse um inquérito aos milhares de milhões que foram tirados para dois autênticos sacos sem fundo, o BES e o BPN, mesmo depois de este ultimo já pertencer aos Angolanos, sem que se saiba ao certo onde para esse dinheiro que foi retirado da nossa Economia. Como se não bastasse retiraram todo o movimento de dinheiros Públicos da CGD para um tal de Novo Banco. Todos nós sabemos o que acontece a qualquer empresa que é descapitalizada e ainda por cima se lhe retira a maior parte da carteira de Clientes, falência pela certa. Todos nós sabemos que isto e muito mais tem autoria da Alcoviteira.
    Já agora no meu direito de cidadão que sente que o erário público do seu país andou a ser delapidado, gostaria de ver inquéritos imparciais e independentes às privatizações um tanto apressadas, atabalhoadas e pouco claras da EDP, TAP; Estaleiros Navais de Viana do Castelo, etc. Sem esquecer a Telecom + MEO, que pura e simplesmente se evaporaram sem que o nosso País colhesse algum dividendo por estas. Recordo com tristeza este período em que o nosso País parecia um qualquer estabelecimento em liquidação total, promovida pela Alcoviteira. Tem cá uma lata!

  9. Se noivas, cornos e alcoviteiros não faltam por aí, …. porquê perder tanto tempo com estes?…. procuremos antes os vigaristas que esburacaram a CGD … esses sim merecem a nossa atenção e porque não um apedrejamentozinho em praça pública, já que com a justiça parece não podermos contar …..

  10. Tem alguma, pouca, piada a sua nota.
    Apresentou-a na perspectiva que ‘o noivo foi corneado’.
    Concorda, ou não que poderia ter usado uma perspectiva simétrica, isto é, em vez de o ‘noivo foi corneado’, não poderia ter dito “o noivo safou-se, ía casar com uma p-ta”?
    Anónimo

  11. É tão óbvio o apreço que o autor do texto tem pelos autores desta tentativa de contornar o diploma 4/83 que o comentário que este texto merece é considera-lo de medíocre e desnecessário, pois toda a gente minimamente inteligente já percebeu este folhetim, não é por preciso acrescentar este episódio acima escrito.

    • Meu caro. Ao que parece, os tais que, segundo você, “queriam contornar a Lei 4/83”, se o quisessem fazer mesmo, tinham poder para o fazer mesmo: revogavam-na. Pelos vistos, foram ingénuos julgando que o sr. Domingues, ainda tinha um pingo de bom senso e patriotismo, e respeito pelo quadro legal e deixaria cair a sua exigência egoísta e megalomena. Pelos vistos falharam. Sobre “contornar” leis, não acha que o Governo anterior foi muito mais longe ao ponto de não ter nenhum orçamento sem medidas que foram consideradas inconstitucionais? Já se esqueceu? Parece que sim. Mas siga a rusga. Sobre o texto, episódio que escrevi, claro que você não gostou, mas leu. E acredite que as 80000 leituras que do dito texto aqui foram realizadas não foram da sua opinião.

      • Obrigado pela sua atenção. Mas se me permite vou discordar do meu caro quando diz que não gostei do seu comentário. De facto até gostei, limitei-me apenas a não concordar com a sua leitura da novela. E agora que li a sua explicação sobre o que podiam ter revogado o diploma 4/83 com um decreto lei achei ainda mais engraçado. Mas por mais capitulos que acrescentem não vão mudar o Moral da historieta.

  12. Divinal !!!
    Qualquer corno politico ou economico, de direito ou esquerdo, manso ou bravo, livre ou comprometido, adorará esta bem humorada prosa, enquanto apalpa a cabeça ou a horta.
    Continue, e garanto-lhe que tem excitação fiel garantida até ser velhinho.

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