Ladram a Trump e a caravana a passa

(António Gil, in Facebook, 10/02/2017)

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Uma das maiores idiotices dos críticos desta administração norte americana é resumirem tudo à caricatura de seu putativo líder. Não ocorre, aos que gostam de diabolizar uma pessoa, que essa criatura seja apenas uma «cabeça de cartaz» de um circo muito mais vasto, lançado para o barulho precisamente para atordoar, enquanto tudo se prepara nos bastidores.

Daí desde o início achar que poucos fizeram mais favores ao «poder profundo» que gere os EUA que os anti trumpistas fanatizados por uma imprensa também nada inocente.

Tudo indica que os senhores do mundo financeiro mudaram de estratégia e que um boneco de trunfa alaranjada foi oferecido publicamente em «sacrifício», enquanto se opera a um nível mais profundo, para introduzir essas alterações que no caso partem da constatação do falhanço do modelo anterior.

Distraído com o barulho das luzes, o cidadão comum europeu ou norte -americano reage irracionalmente e saliva ao tocar de qualquer campainha, como o cão de Pavlov. O folcore substitui a análise e o fait divers surge como superfície turvada para ocultar o que jaz no fundo, que de resto é mais importante.

Entendo que seja mais fácil personalizar e concentrar NUMA FIGURA algo que é mais difícil de compreender. Mas se não se importam, a minha análise é outra.

Os EUA, confrontados com políticas desastrosas de intervencionismo militar influenciadas pelos fascistas neo-cons, com déficits galopantes graças aos seus contínuos esforços de guerra, querem que o mundo pague agora, pelas suas iniciativas.

Na Europa isso é evidente: The Donald, o boneco de que se servem os ventíloquos do «estado profundo ou oculto» dos EUA já o disse: A Europa tem de pagar pela protecção americana. Este impulso de cobrar tudo e mais alguma coisa que resultou de opções domésticas dos EUA (o muro do México incluído, mas também as mais de mil bases militares que o Império mantém pelo mundo) devia ser fácil de interpretar: os EUA deram passos maiores que suas pernas e por isso estão à beira da falência. Por isso a palavra de ordem hoje é: «contra a crise, cobrar, cobrar»

Como uma «U» E que, mesmo disfuncional, constitui uma força de peso (mais população, mais produto interno bruto, mais exportações que os EUA) sempre foi renitente ao aumento das despesas militares e a oferecer suas mulheres e homens para uma guerra contra a Rússia (até por traumas de guerras de um passado dificilmente olvidável deste lado) está na altura de dissolver essa entidade e negociar país a país, a «protecção americana», na certeza que cada país isolado terá menos poder negocial que uma «U» E (ainda que nada coesa)-

O mesmo vale para os tratados comerciais: os EUA encostam mais facilmente à parede cada nação europeia isolada que uma «U» E ficcionada e com todos os seus defeitos.

No Pacífico, nos mares da China, o raciocínio é idêntico: um Japão e uma Coreia do Sul aterrorizados pelo poder crescente da China, são mais vulneráveis às pressões dos EUA que uma comunidade económica asiática funcionando (ainda que mal) em bloco. Daí o TPP ter sido rasgado.

Não existam ilusões: o que ditou esta mudança de política não foi um tresloucado «Trunfas» mas um «estado oculto» que emergiu de um pré existente «estado oculto». A presença da Godman Sachs e de Wall Street continuam lá, nesta nova administração. A presença do complexo militar industrial idem. A presença da indústria do «big oil» aspas. Algo tinha de mudar para que tudo permanecesse na mesma. Sim, os neo cons foram despedidos. Por incompetência. Só isso me faz rir, o resto permanece.

A questão que me levaria a apostar até o meu precioso pescoço é apenas esta: tarde demais. As catastróficas intervenções militares americanas trouxeram o descrédito a este Império. Todos acabaram por sofrer com elas. O Médio Oriente e a África do norte pagaram com sangue, de forma monstruosa. A Europa pagou pela política vassala agindo contra seus próprios interesses (em paga teve de impor sanções auto mutiladoras à Rússia e receber centenas de milhares de refugiados, cerca de um milhão, por amor aos seus colonizadores no pós segunda guerra mundial).

A Austrália e Nova Zelândia, perderam oportunidades de fabulosos negócios com China e índia e agora levam coices. Só na América do Sul por enquanto o desígnio de uma América do Norte decadente ainda colhe frutos, pela vitória da Macri na Argentina e pelo golpe judicial-mediático no Brasil

O resto do mundo olha para os EUA com alguma preocupação, certo. Porque essa nação dispõe de armas nucleares capazes de aniquilar pelo menos 20 planetas com a dimensão do nosso. Em tudo o mais são patéticos. Porque meteram o mundo inteiro num jogo que já não têm capacidade de vencer. Resta-lhes a chantagem. inclusive a da guerra nuclear.

3 pensamentos sobre “Ladram a Trump e a caravana a passa

  1. Concordemos que enquanto a América fez de Policia do Mundo, a Europa viveu num paraíso realizando a “Paz Perpétua” de Kant. A este respeito merece a pena ler ” viver no fim dos Tempos” de Slavoj Zizek.

  2. Uma analise realista, porem nao explica a postura do Trunfas face a grandes poderes instalados, como a Big Pharma e todo o establishment que envolve e suporta a fake science em tematicas como o pressuposto aquecimento global associado à actividade humana..
    Tambem a suspensao da imigraçao tem outra leitura que habitualmente nao é falada, nem poderia, dada a aversao da mainstream media por Trump. Na verdade muita da industria tecnologica dos EUA emprega cidadaos dos paises que estavam na lista, por salarios inferiores aos que pagariam a cidadaos norte americanos, e a criaçao de emprego foi uma das promessas do Trunfas. Logo, nao admira que uma serie de empresas tenham vindo a publico defender esta gente com ar progressista, quando a verdade é bem diferente!!!
    Por isto, e nao duvidando que existe nos bastidores um plano bem mais obscuro, parece-me exagerado caracterizar Trump como uma simples marionete, porque na verdade ele é senhor dos seus actos, megalomano até, e nada do boneco acéfalo e idiota que nos tem vendido todo o tempo nos mèdia.
    Esperemos para ver, isto se houver oportunidade para tal

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