Os cúmplices da Ongoing

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 06/02/2017)

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“O sucesso incomoda sempre, em especial aqueles que não são bem sucedidos”. A frase não é de nenhum grande guru internacional da gestão, mas de um portuguesíssimo gestor, cujo grande projecto acabou numa estrondosa falência: Nuno Vasconcelos, o homem que juntamente com Rafael Mora, construiu um império a partir de uma empresa de consultoria a que governantes e grandes empresas públicas e privadas se foram curvando, sem conseguirem perceber que o referido império tinha pés de barro. Mas mesmo tendo por trás a Sociedade Nacional de Sabões, controlada pela sua família, Vasconcelos só chegou onde chegou porque construiu uma enorme rede de cumplicidades e ganhou vastos apoios.

Vasconcelos e Mora partiram da empresa de consultoria Heydrick & Struggles, uma multinacional norte-americana que lhes permitiu utilizar o nome da empresa em regime de “franchising”. Com base nela e nos contactos pessoais que já tinham devido à rede de contactos sociais e familiares de Vasconcelos conseguiram passar a fazer a gestão das carreiras de altos quadros das maiores empresas portuguesas e a definir as políticas de recrutamento, bem como políticas salariais e a gestão de talentos, o que lhes permitiu ter acesso directo às administrações de empresas como a PT, EDP, BES e BCP, para algumas das quais chegaram a desenhar modelos de governo e a ser administradores.

A sua aceitação começara, aliás, em 2004, quando Rafael Mora dinamizou a criação do Compromisso Portugal, uma associação de jovens gestores e quadros técnicos, quase todos de orientação de centro–direita, descontentes com os rumos que o país seguia. A dar a cara estavam pessoas como António Carrapatoso, hoje remetido para a presidência da Fundação Vodafone, Diogo Vaz Guedes, na altura presidente da Somague, que vendeu aos espanhóis da Sacyr, abandonando completamente a empresa em 2007 e António Mexia, então presidente da Galpenergia.

É, aliás, António Mexia que, quando se torna ministro das Obras Públicas do governo de Santana Lopes, abre as portas da maioria das grandes empresas públicas a avenças com a Heydrich & Struggles: ANA, Carris, TAP e Águas de Portugal, entre outras.

Depois, quando em Fevereiro de 2006 a Sonaecom lança uma OPA sobre a Portugal Telecom, a resistência passou pela presidência da empresa, na altura liderada por Miguel Horta e Costa a que se seguiria Henrique Granadeiro, mas sob a batuta de Ricardo Salgado, accionista de referência da PT através do BES e grande beneficiário das operações com a empresa de telecomunicações. Contudo, era necessário encontrar novos aliados para enfrentar a OPA. Salgado concede um forte financiamento à Ongoing, que entretanto Vasconcelos tinha criado, e que vai alinhar sempre com o BES na resistência à OPA.

Mesmo tendo por trás a Sociedade Nacional de Sabões, controlada pela sua família, Nuno Vasconcelos só chegou onde chegou porque construiu uma enorme rede de cumplicidades e ganhou vastos apoios, públicos e privados

Rejeitada a OPA, Vasconcelos e Mora ganham ainda maior influência e arrogância. A PT investe 80 milhões de euros num “hedge fund” da Ongoing e o Montepio 30 milhões. A morte de Luís Vasconcelos, braço direito de Francisco Pinto Balsemão no Grupo Impresa, leva Vasconcelos seis meses depois a propor a Balsemão que o grupo editorial, detentor do Expresso, SIC e Visão, entre outras marcas, aumentasse o capital; ele, Vasconcelos, financiaria Balsemão se este não pudesse acompanhar o aumento de capital; em contrapartida, ele, Vasconcelos, assumiria a gestão empresarial e editorial do Grupo Impresa e Balsemão ficava como “chairman”. Este não aceitou.

Entretanto, a Ongoing pagava o seu elevadíssimo endividamento com o rendimento das acções da PT que detinha. Contudo, todos os outros negócios não davam mostras de levantar voo. Vasconcelos compra o Diário Económico por um preço exorbitante (27 milhões de euros) para ter um meio de influenciar o poder. Envolve-se numa manobra política para tentar a compra da TVI, o que não se concretiza. Avança para o Brasil, lança um jornal económico, contrata José Dirceu, o braço direito do ex-presidente Lula da Silva, e a mulher de Dirceu. Contrata igualmente a peso de ouro um conjunto alargado de jornalistas portugueses, com José Eduardo Moniz à cabeça para tentar lançar um canal de televisão no Brasil. Tudo tresandava a manobras que servissem para influenciar os poderes em Portugal e no Brasil e muito pouco a genuínas operações económicas.

O colapso do Grupo Espírito Santo e do respectivo banco, arrastando com ele a PT, foi o golpe fatal. Privado dos rendimentos que recebia da PT e sem outros negócios que dessem uma rentabilidade equivalente, Vasconcelos mudou-se para o Brasil, enquanto o seu império com pés de barro ruía fragorosamente, deixando um rasto impressionante de vítimas entre trabalhadores e credores.

Ele entretanto ia colocando fotos nas redes sociais a comer marisco numa praia brasileira enquanto em Lisboa eram despedidos os jornalistas e trabalhadores do Económico.

Agora sabe-se também que a 23 de Maio de 2016, quando o fim já era mais que visível e a poucos dias de perder a licença da Heydrick and Struggles, o Banco de Portugal adjudicou por ajuste directo à HS Consultores de Gestão um contrato no valor de 67.500 euros anuais para prestar serviços associados à prestação do plano estratégico 2017-2020 na vertente organizacional e no apoio à formulação de políticas de gestão de recursos humanos. Das duas uma: ou é incompetência ou é má fé. Seguramente que quem fez isto dentro do Banco de Portugal já foi demitido.

E o novo responsável da Heydrick and Struggles em Portugal, que agora resgatou o “franchising” das mãos da Ongoing, diz que sabia que Vasconcelos e Mora tinham outros interesses e actividades e que o foco já não era a H&S, mas que por vezes nesta actividade é “um bocado complicado” acompanhar o “franchisado”. Traduzindo, enquanto entrou dinheiro e houve negócios nunca se interessaram em saber como ele era obtido. Quando o vil metal começou a escassear é que se começaram a preocupar. Tarde e a más horas, como se vê. Vão ter de esfregar muito a tabuleta de entrada para todos nos esquecermos para o que serviu a H&S em Portugal. Mas, claro, há sempre amigos distraídos em cada esquina…

4 pensamentos sobre “Os cúmplices da Ongoing

  1. “O sucesso incomoda sempre, em especial aqueles que não são bem sucedidos”. Quantos mestres da duríssima «arte» da agricultura – homens experientes sem títulos académicos – estiveram e provavelmente ainda estão na base das grandes «descobertas» exploradas pela multinacionais onde campeiam os tais «bem sucedidos»? Vejam-se os portugueses anónimos que em Moçambique, por exemplo, trabalham e produzem a melhor agricultura? Por isso, a frase é falaciosa. O sucesso é uma classificação atribuída pelo mundo do dinheiro àqueles que trazem mais «lucros» às corporações. A isso se reduz a seu sucesso!

  2. Aliás, não são precisos mais exemplos para o resultado do «sucesso» como os do BES, PT, H&S só para citar alguns da infeliz e interminável lista de cadáveres. E ninguém em nenhuma língua nem região do globo aprende? A atração pelo abismo? Será a fatalidade de que tudo que nasce tem de morrer?

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