Quem cabritos vende e cabras não tem

(In Blog O Jumento, 03/02/2017)
cabrass
Parece que a moda em Portugal é falar de populismo, como se os populistas fossem apenas o Trump, o Beppe Grillo e o Nigel Farage, até há quem nos tranquilize porque os eleitores mais dados a votar no populismo têm sido enganados pelo PCP e pelo BE que funcionam como mata-borrão do voto de protesto.
Há algum tempo num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o meritíssimo juiz relator de num importante processo invocou o dito popular”Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”. Dito desta forma para que servirão os calhamaços de direito, os princípios constitucionais ou os códigos penal e de processo criminal? Qualquer analfabruto poderia chegar ao acórdão do meritíssimo juiz, aliás, até poderia avocar o processo, promover o arguido a réu e se este não provasse na hora que tinha mesmo cabras, era logo condenado sem direito a qualquer recurso. Foi um bom exemplo do populismo que medra na sociedade portuguesa.
As soluções dos populistas são as que muitos eleitores querem ouvir, são as mais óbvias, as aparentemente aceites pelo senso comum, as que são facilmente entendidas por quem não tem cultura, as facilmente convertíveis em ditados populares. Mas reduzir o populismo ao eleitorado ignorante, frustrado por causa da globalização, que não tem oportunidades pode ser um erro. Não são os pobres, os ignorantes, os desempregados ou os frustrados que produzem o populismo que vai destruindo a democracia.
Quem fez justiça invocando ditados populares não foi um analfabeto, foi um ilustre magistrado de um tribunal superior. Poderíamos continuar a encontrar populismo em barda na nossa justiça dos dias de hoje, não faltam conhecidos magistrados do MP e juízes dando entrevistas onde fazem declarações que fariam corar o Trump ou o Farage.
O que não falta na televisão são comentadores com discursos populistas, desde o jornalista da SIC sem formação económica que até já escreveu um livro para ensinar Portugal a resolver problemas económicos, a um ex-ministro das Finanças, sem formação em economia, que tem um programa só para desvalorizar os políticos e os governos aos olhos dos portugueses.
O perigo do populismo não está no aparecimento de um Trump ou de Beppe Grillo, este tipo de personagens só consegue convencer eleitores que ao longo de anos vão bebendo o pensamento político que lhes vai sendo servido por juízes especializados em cabras, por um fiscalista especializado em mostrar gráficos na TV ou por magistrados que nos dizem para ficar descansados porque nada acontecerá aos honestos.
O problema do populismo não está nos populistas, mas sim na destruição da democracia e da imagem dos políticos aos olhos dos seus eleitores. É por isso que discursos políticos como os de Medina Carreira, do tal juiz da Relação e de muitas outras personalidades insuspeitas são os grandes responsáveis pela abertura da porta ao populismo. Os populistas vencem depois de outros terem ajudado a apodrecer a democracia ou a descredibilizar a democracia e todos os políticos, menos os populistas.

2 pensamentos sobre “Quem cabritos vende e cabras não tem

  1. O Jumento vai mais fundo acerca do populismo e tem muita razão. Vai sobretudo ao populismo mais manhoso, finório e articulado como é o caso dos juizes e magistrados que meteram na mona que o Sec. XXI era o Séc do poder judicial e, consequentemente, atacam os políticos com “ditados” e “juízos” manhosos para destruírem a política democrática sobre a qual pretendem erguer o “justicialismo” populista, autoritário e vingativo.
    Mas há um outro populismo tanto ou mais insidioso como são os casos dos “engraçadistas” dos “eixo-do-mal” e “governos-sombra” e toda uma fauna agrupalhada no engraçadismo nacional militante. Estes, sob a capa de “engraçados” vão destilando outros “ditados” populares e trocadilhos de ocasião para insinuar corrupção em políticos de modo a atingir a política em geral e fazerem-se passar, a eles próprios, por impolutos quando na verdade são eles mesmos corruptos que vendem o pensamento do patrão a troco de X por cada hora de mal-dizer dos políticos.
    São, esta malta multicores ou de cor de burro quando foge, e mais uma série de muitos das novas profissões de parasitagem política como politólogos, articulistas, analistas, opinadores, comentadores, psicologistas, fiscalistas, economistas, judiciaristas, criminologistas e sobretudo de especialistas políticos que sabem tudo de nada e sabem nada de tudo mas despejam sobre o público enxurradas de opiniões fortes como verdades indiscutíveis.
    O populismo não está apenas nos que prometem acabar com o mal numa penada e deixar à solta apenas o bem e a felicidade e outras impossibilidades que sugerem a vingança do pagode sobre a elite política, mas nunca sobre a económica-financeira, e este aceita sem pensar. Todas as formas e fórmulas que desculpam ou menorizam os ataques à democracia e liberdade são obra de mentes subrepticiamente populistas que pensam que a força da vontade resolve a maldade no mundo mas, mal se alçam ao poder, o que fazem é impor a sua vontade aos outros, brutalmente à força.

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