A Cornucópia assombra as velhas elites nacionais

(Por Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 20/12/2016)

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A cornucópia é um símbolo clássico de riqueza e abundância, de fartura. O Teatro da Cornucópia está à míngua de subsídios: 309 mil euros anuais entregues pelo Estado são demasiado frugais para justificar o nome, o trabalho e o investimento do talento dos artistas envolvidos. Liderados pelo seráfico Luís Miguel Cintra, anunciaram o fim da atividade da companhia.

Uma proposta abusiva do Presidente da República poderá, ainda, inverter a situação. Sim, Marcelo Rebelo de Sousa abusou do seu poder ao requerer um estatuto de exceção para o Teatro da Cornucópia que possa prolongar, para além dos 43 anos atuais, a vida deste grupo que, dizem os especialistas, garantiu a encenação de peças de referência da história do teatro, colmatando falhas dos teatros nacionais.

Marcelo foi abusivo mas percebeu que as elites do país precisavam de limpar a pesada má consciência nascida pela provocação suicida de Luís Miguel Cintra. Ao aperceberem-se do desleixo com que trataram o seu brinquedo cultural, abandonado a um canto do quarto da memória dos anos verdes da geração de 1970, desataram em discursos indignados, em manifestações de solidariedade e até numa correria à bilheteira para ver a encenação da eutanásia da Cornucópia.

Não sei se com isso essas elites tentavam resgatar o grupo de teatro da morte anunciada ou se procuravam, antes, salvar-se a si próprias do cinismo indiferente, cristalizado na velhice, que liquidou a sua paixão pela arte – a verdadeira razão da doença que levou, nos tempos da troika, ao corte para metade, sem remorso, dos apoios dados ao setor.

Pode ser que o ministro da Cultura lá acabe por desencantar uma solução para garantir a existência do Teatro da Cornucópia. Isso dará motivos para esta gente festejar e sossegar mas, daqui a uns tempos, o torpor da irrelevância nas suas vidas da atividade artística mais refinada acabará, inevitavelmente, por ditar a morte da Cornucópia e de muitas outras coisas importantes.

E, pior, com estes espasmos emocionais e com estas soluções excepcionais para problemas recorrentes, ninguém pensa seriamente em mecanismos de financiamento das artes mais justos, mais objetivos, mais generosos, mais imaginativos e, ao mesmo tempo, de acordo com as possibilidades do país.

No mínimo, cada financiamento deve ser sério e suficientemente abundante mas, também, tem de responder satisfatoriamente a algumas exigências básicas.

Por exemplo: eu gostava que a Cornucópia fosse financiada não por ter um belo passado, que todos elogiam, mas por ter um esperançoso futuro, de que ninguém fala… Luís Miguel Cintra: a Cornucópia tem futuro?…Tem?

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