Mendes e os seus “bons amigos”

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 03/12/2016)

Autor

                       Pedro Santos Guerreiro

Porque é que eles se metem nisto? Para pagar menos impostos.

A notícia é sempre nova e a história é sempre a mesma: a utilização de offshores para ocultar património ou rendimentos. Tudo sempre usando lacunas da lei que tornam legal as lacunas nas declarações. Ou quase sempre.

Messi e o pai foram condenados por crime fiscal, pagaram o que foi preciso e safaram-se à prisão. Mascherano e Xabi Alonso também, Neymar continua com o fisco à perna. Mas um país que tem o melhor jogador do mundo, o melhor treinador do mundo e o melhor agente do mundo tinha um dia de cair nisto. Esse dia é hoje.

Os casos são diferentes, Ronaldo está a ser investigado pelo fisco espanhol, Mourinho pagou à cabeça depois de uma inspeção, Mendes é agente dos dois. E de muitos outros que usaram o mesmo esquema: o dinheiro de contratos de patrocinadores vai para a Irlanda, onde os agentes retêm uma comissão sobre a qual pagam um imposto, e libertam o restante para offshores dos seus clientes. Nas Ilhas Virgens Britânicas.

Ronaldo não é contabilista, é um jogador incrível a quem um patrocinador chegou a pagar dois milhões por seis horas de trabalho. Daqui a dias, se os juízes forem justos, vai receber a quarta Bola de Ouro. Ele trata de marcar golos e de se fazer uma marca milionária. Alguém por ele trata dos impostos. Assim como Mourinho, que deve perder tanto tempo a olhar para declarações de impostos como um milhafre a pensar na vida dos polvos. O papel do agente Jorge Mendes é essencial em tudo nas suas vidas. Mendes e os seus amigos agentes.

Estamos a falar de muitas estrelas mundiais, com um padrão: ganham muito dinheiro e passam por clubes espanhóis com quem negoceiam valores líquidos. Alguém trate dos brutos. Os brutos dos impostos. Chama-se “eficiência fiscal”. Pois. Enquanto os estados os permitirem, como persistem em permitir apesar da vozearia ocasional, isso não vai mudar.

O topo do sistema brilha enquanto a base apodrece. Como é que era aquilo de Trump ter ganhado e a Europa estar sob ameaças populistas contra o sistema?

Porque é que nós nos metemos nisto? Porque é para isto que somos jornalistas.

É mais fácil e tem menos risco acompanhar o que se vê de dia do que investigar o que se passa de noite. Já sabemos o que aí vem: a descredibilização da investigação. E mudar de assunto.

Dirão que não há nenhum processo criminal. Pois não, o que há são inspeções e investigações fiscais.

Dirão que é tudo legal. Pois será, mas o fisco espanhol suspeita que não.

Dirão que os impostos estão todos em dia. Claro que estão: a não ser que as investigações ainda em curso revejam a situação futura.

Dirão que a informação é roubada. A “Der Spiegel”, o “El Mundo”, o “Sunday Times”, o Expresso e jornais de um total de 11 países europeus não roubam, trabalharam sete meses para verificar e completar factos apurados. As investigações jornalísticas internacionais, como mais esta em que o Expresso está envolvido, partem de fugas de informação. Sem elas, o mundo seria ainda mais opaco. E se por cada fuga aos impostos houvesse uma fuga de informação, este lugar seria próximo do paraíso. Do paraíso não fiscal.

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