Virgolino Faneca troca a Caixa por uma vénia serviçal

(Celso Filipe, in Jornal de Negócios, 02/12/2016)

caixa

Virgolino Faneca considera ter todas as condições para obter um lugar na Caixa. Está disposto a não fazer nada para que tudo fique na mesma. Um requisito absolutamente imbatível em matéria de gestão da coisa pública.


Prestimoso António

Venho, pela presente, endereçar-te os meus sinceros parabéns por tudo aquilo que considerares conveniente e predispor-me a tecer à tua pessoa todo o tipo de loas que entendas necessárias para que possa satisfazer o desejo de me tornar presidente da Caixa Geral de Depósitos.

E perguntas tu, a propósito, que qualificações é que tenho para exercer o cargo. E eu respondo-te, nenhumas. Ora, é precisamente esta circunstância que faz de mim o melhor candidato ao lugar. Como só irei para o lugar com o único propósito de ter uma vida sedentária e confortável, deixarei os meus colegas fazerem as manigâncias que lhe aprouverem, serei capaz de ceder (sem pestanejar) a qualquer exigência do Governo ou dos partidos, sendo que neste último caso procurarei sempre a tua anuência, a do Augusto Santos Silva ou a do João Galamba. E contratarei informalmente para conselheiro o senhor Marques, colocando-me assim fora dos holofotes da análise política.

Tu sabes que tenho razão. Quiseste escolher para a Caixa um banqueiro sem ligações partidárias, deste-lhe liberdade para escolher a sua equipa, e vê no que deu! A Caixa não está preparada para ser gerida assim. Tanto tempo com tanta gente e tantos governos a puxar cordelinhos e a mexer influências, porque fulano tal é do partido A, porque fulano B é amigo do ministro C, ou porque fulano D é irmão do secretário de Estado E, e uma cultura empresarial que não se muda de um dia para o outro.

Ora, a minha vantagem é que tenciono manter intacta essa riqueza cultural da empresa e, se possível, aprofundá-la em meu benefício próprio, sem dar muito nas vistas, mas mantendo sempre o princípio de servir sem reservas aqueles que se servem do Estado.

Além disso, como sou um tipo sensato, estou totalmente disponível para que terceiros escolham a minha equipa de liderança. Na verdade, até é um favor que me fazem, visto que não tenho paciência nenhuma para tarefas de selecção, as quais me impedem de seguir com a atenção devida a temporada dos desportos de Inverno, especialmente as provas de esqui alpino, biatlo e curling, não necessariamente por esta ordem de relevância.

Só te peço que entre os eleitos, naturalmente escolhidos no recato dos Passos Perdidos, em conversas bilaterais, exista pelo menos um que saiba ler o balanço de um banco, para não dar muita bandeira. Mas, se não houver essa possibilidade, também não será por isso que renunciarei ao cargo.

Quanto às conversas com Frankfurt e à recapitalização da Caixa, podes estar descansado. Eu tenho um primo italiano que se dedica aos negócios do lixo na Sicília, embora não tenha um único camião para tal efeito, o qual por sua vez conhece um primo do Mario Draghi, e penso que, com uns apertões e umas insinuações de teor mafioso, se levará o barco a bom porto.

Parafraseando Sérgio Godinho, eu dou conta do recado e para ti é um sossego. Fico, pois, a aguardar com impaciência a minha nomeação.

Subscrevo-me com uma vénia cervical e serviçal,

Virgolino Faneca


Quem é Virgolino Faneca?

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um “vasco pulidiano” assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: “É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro”. É presença constante nos “Prós e Contras” da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.

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