António Domingues, o homem que julgava pairar sobre o mundo

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 30/11/2016)

Autor

                        Daniel Oliveira

Começo como nenhum colunista deve começar um texto: aquilo sobre o qual vou escrever tem, se olharmos para os tempos que estamos a viver, pouca importância. Perante as tremendas mudanças a que estamos a assistir no mundo e na Europa, perante a vitória de Trump, uma segunda volta entre Le Pen e Fillon em França, o Brexit, o beco sem saída da União Europeia e a situação de Portugal no meio de tudo isto, os incómodos do senhor António Domingues são tão minúsculos como (começo a suspeitar) ele próprio. Para nós, para a nossa dimensão, a saúde do maior banco nacional, por sinal público, é um assunto relevante. A sua recapitalização também. Domingues e a declaração de rendimentos dos seus administradores? Cansam-me.

Acontece que António Domingues, por responsabilidade dele e de quem se comprometeu com o que não devia, paralisou, com os seus provincianos melodramas, o maior banco nacional, pondo com isso todo o nosso sistema financeiro nacional em perigo. E por isso não podemos fugir do tema.

António Domingues demitiu-se por causa da aprovação de uma lei inútil porque redundante. E fez questão de, mesmo assim, em mais uma cena teatral de quem se julga o centro do mundo, apresentar a sua declaração de rendimentos. O presidente do Conselho de Administração da CGD não admitia que os deputados lhe dissessem que tinha de cumprir a lei. A soberba não me espanta. Não querendo fazer generalizações, os gestores de bancos e de grupos financeiros parecem ter interiorizado um falso estatuto de patrão. Tornaram-se numa espécie de capitalistas sem capital.

As condições impostas por Domingues eram já esclarecedoras. Para aceitar dirigir o maior banco nacional, maior do que qualquer outro que alguma vez tenha administrado, comportou-se como se estivesse a fazer um enorme favor ao acionista Estado. Para além de um salário que, acumulado com a reforma que tem do BPI, lhe permite rendimentos muitíssimo avultados, exigiu uma lei à medida, que o isentasse, a si e aos seus administradores, de serem tratados como o que realmente são: gestores públicos. A culpa foi de quem aceitou esta exigência. Mas ela própria indiciava um problema: a incompreensão do cargo que ia ocupar numa empresa que tem o Estado como único acionista.

O argumento agora ventilado na imprensa é que António Domingues terá ficado indisposto com o facto do Bloco de Esquerda, do qual o Governo depende, poder interferir, na exata medida em que o Parlamento o podia, pode e continuará a poder fazer, na vida do banco público. O que terá incomodado Domingues é a descoberta de que as empresas do Estado respondem perante o Estado. E o sinal que encontrou disso mesmo não foi qualquer intervenção indevida na vida interna do banco, como as que já tantas vezes aconteceram como bloco central. Foi a aprovação de uma lei que reafirma a ilegalidade de qualquer tratamento de exceção para os administradores da Caixa.

O incómodo de Domingues é coerente com as exigências pouco razoáveis que fez para aceitar o lugar. Acha que é tão bom que a lei não se lhe deve aplicar e tão extraordinário que os deputados devem suspender as suas funções quando ele e os seus administradores estiverem em causa.

Disse-se que António Domingues era o melhor. Mas alguém que, em tão pouco tempo, criou tantos problemas, fez tantas exigências e demonstrou tão pouca falta de talento a lidar com os mais banais inconvenientes que surgem a quem gere a coisa pública está muito longe de ser a melhor escolha para dirigir a CGD.

A delirante arrogância de António Domingues não isenta de culpas quem o convidou e lhe ofereceu o que não podia oferecer. Mas é uma boa lição para quem julga que para ser um bom gestor público bastam qualidades técnicas específicas. Venha então um que seja realmente bom para gerir um banco do Estado.

2 pensamentos sobre “António Domingues, o homem que julgava pairar sobre o mundo

  1. Muito Bem Daniel! Os escravocratas sempre se presumiram superiores! Certamente, devido à famosa disfunção cognitiva em versão permanente! Sem cura previsível em democracia a disfunção passa a crónica. Lá diz o proverbio português «viva a galinha com a sua pevide». Custos da democracia…

  2. A Sua Excelência António Domingues embirrou quando descobriu que não poderia gerir a CGD sem o contrôlo lógico da assembleia, formada com partidos que nada deixariam passar que fosse inaceitável para os interesses do povo português ! Suponho que a Golden Sachs espera por ele com as portas bem abertas ?! hi hi hi hi ou talvez não ? A sua competência tem limite, ficou mais que evidente. Sim Daniel, o seu texto é perfeito e mais que necessário.

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