O Diabo é canhoto

(Daniel Oliveira, in Expresso, 19/11/2016)

Autor

                       Daniel Oliveira

A estratégia de apostar no mercado interno era um engodo. Graças a esse engodo a economia estava condenada a estagnar. A única coisa que este Governo tinha feito era distribuir dinheiro pelos funcionários públicos. Os investidores estavam em fuga e caminhávamos para um novo resgate, como tão sabiamente avisava Wolfgang Schäuble. A tese mais benigna era a de que o Governo até podia estar a distribuir melhor a austeridade mas nada estava a fazer pela economia. Saíram os números do INE e a narrativa instalada sofreu um abalo que nem Teodora Cardoso, empenhada em mostrar que não se enganou, conseguiu contrariar. Limitou-se a abrir um debate metafísico sobre o défice estrutural. A economia acelerou no terceiro trimestre, houve um crescimento homólogo de 1,6% e em cadeia de 0,8%. Num momento externo pouco animador e sem a ajuda da queda do petróleo. O melhor resultado dos últimos três anos e o mais alto de toda a zona euro. Pela primeira vez em muito tempo estamos a crescer em contraciclo com a Europa. As metas irrealistas do Governo poderão ser ultrapassadas e as metas de Bruxelas deverão revelar-se, elas sim, irrealistas no seu pessimismo.

Surgiram, como é normal, várias teses para explicar aquilo que o preconceito ideológico impedia sequer de imaginar. Alguns dos que acusavam o Governo de ignorar as exportações vieram lamentar que este crescimento resulte sobretudo das exportações. O turismo desempenhou aqui um papel central mas não foi o único. E veio pelo menos desmontar uma tese europeia e passista: a de que os custos de trabalho eram o elemento fundamental para a competitividade da nossa economia. Os custos de trabalho aumentaram, o desemprego caiu e as exportações cresceram. Pedro Passos Coelho disse, e com razão, que não se podem lançar foguetes antes da festa. Um bom conselho vindo de quem nem esperou pela enfermidade para dar a extrema unção.

Os números da economia não resultam apenas de medidas tomadas pelo Governo. É possível que uma grande parte destas boas notícias nem sequer resulte de decisões tomadas pelo Estado. Digo isto com a mesma frontalidade com que disse que sem governo Sócrates teríamos vivido uma situação muito semelhante à que nos aconteceu em 2011 e que a estratégia austeritária da Europa era uma escolha que em muito ultrapassava Passos Coelho. Nem os resultados de grandes opções políticas se sentem trimestre a trimestre, nem a difícil situação em que estamos depende exclusivamente deste ou daquele governo. Nem sequer depende apenas de nós. O que está nas mãos da política nacional é empurrar mais para um lado ou para o outro.

Perante estes números, a passagem sem espinhas do Orçamento em Bruxelas e a certeza de que não haverá sanções, a ‘geringonça’ entra numa nova fase e a narrativa de Passos Coelho (e de grande parte da comunicação social) terá de mudar. Anunciar a catástrofe iminente todos os dias só fortalece o Governo de cada vez que a catástrofe não se confirma. E deixa a oposição sem nada para dizer que não dependa dos caprichos do sobe e desce dos números da economia.

O problema do PSD é que, por não mudar de líder, apenas quer provar que a interrupção do ciclo político de Passos foi um erro histórico. Não tem nada para dizer que não dependa da desgraça do país. Nada para propor caso o Diabo nunca chegue a comprar um bilhete da EasyJet para Lisboa.

2 pensamentos sobre “O Diabo é canhoto

  1. O grande erro histórico foi deixar chegar a p. ministro Passos Coelho! Um mentiroso compulsivo!
    Hoje a oposição está resumida ao “fait divers” da CGD e da devassa dos bens dos seus administradores!

  2. Não foi erro a eleição de Coelho nem sequer a de Cavaco! Foi aprendizagem! Nunca mais o pais volta a cair na mesma esparrela. Cura total.

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