Porque não te calas, Wolfgang?

(Daniel Oliveira, 27/10/2016, in Expresso Diário)

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                         Daniel Oliveira

Wolfgang Schaeuble voltou ao bullying e disse que Portugal estava a ir muito bem no governo anterior até, depois das eleições, o novo governo ter deixado caro que não ia respeitar o que tinha sido acordado. Não é grande o amor à verdade do ministro das finanças alemão, e por isso inventa duas coisas, uma de avaliação subjetiva outro no plano dos factos indesmentíveis.

A primeira é que tudo estava a correr bem antes, coisa que os números desmentem. Ou não foram as ameaças de sanções a Portugal referentes aos resultados de 2015, no tempo em que tudo estava a correr bem? Bem sei que na cabeça de Schaeuble as sanções serviam para castigar um governo que não é do seu agrado e qualquer desculpa serviria. Se fossem para punir quem não cumpre o governo alemão teria sido castigado nos últimos cinco anos por causa dos seus excedentes comerciais, cuja ausência de efeitos negativos para os alemães estamos todos a financiar. Mas a verdade é que se as coisas tivessem realmente corrido bem, naquilo que hoje se considera correr bem (o que não qualquer indicador social, como é evidente), nem sequer havia espaço para falar de sanções.

A segunda mentira é mais óbvia: nunca, em qualquer momento, o atual governo disse que não ia cumprir o que está acordado. Disse, e disse bem, que não ia obedecer às ordens do senhor Schaeuble, que não concordava com ele e que ia fazer o que todos os estados têm o dever de fazer: negociar com a Comissão todas as medidas que considerasse nocivas para o País. Disse, em fim, que era o governo legitimo de um estado independente. Por mais que isso desagrade ao ministro com sonhos imperiais.

Houve um tempo em que as relações entre estados da União se baseava nas regras diplomáticas usuais entre aliados: a não ser em casos extremos ou conflitos bilaterais, governos de um país não opinavam sobre os governos de outro país. E quando o faziam isso era dito com o aprumo diplomático que se exige entre estados que se respeitam. Desde que Schaeuble chegou à pasta das finanças isso mudou. Opina sobre tudo e todos, alimenta a instabilidade, provoca os mercados para que punam aqueles que não se verguem.

Schaeuble vive mal com a democracia dos outros, as decisões dos órgãos de soberania dos outros, a independência dos outros. E é um dos principais responsáveis políticos pelo clima de animosidade que se instalou entre aliados de longa data. O estilo é muito diferente, mas a forma como olha para os seus aliados não está distante do sentimento de superioridade que leva Trump a dizer que os membros da NATO deviam pagar aos EUA pela sua proteção. A mesma autossatisfação imperial e ignorante. E o problema não é apenas dele. Se virmos o comportamento desajeitado da Alemanha na eleição do secretário geral da ONU percebemos que tantos anos fora dos grandes negócios entre as Nações deram aos alemães pouco talento diplomático. É como se apenas soubessem usar a força. Quando não a têm, tropeçam em si mesmos.

O comportamento da União Europeia depois da vitória do Syriza na Grécia, e especialmente da Alemanha e do senhor Schaeuble, deixou marcas profundas na Europa. Não apenas na esquerda ou naqueles que achavam que a Grécia era vítima duma nova União pronta a sacrificar os mais fracos. Mesmo os que compram a crise de 2010-2011 como resultado da despesa dos Estados e que responsabilizam os gregos por uma crise que os ultrapassa sentiram-se incomodados com a forma imperial e brutal como a Alemanha lidou publicamente com aquela farsa de negociação. Ninguém conseguiu deixar de pensar: e se fôssemos nós? E isso foi, estou convencido, determinante para aumentar ainda mais a desvinculação dos povos à União Europeia. Tirando alguns países de leste, ninguém quer viver sob a “paz alemã”.

Os problemas da Europa ultrapassam em muito o governo alemão. Resultam de quase duas décadas perdidas com uma moeda disfuncional, que para além de promover a divergência económica e social entre Estados, consome todos os recursos políticos enquanto o projeto europeu de desagrega. Resulta de um défice democrático que está a chegar a um ponto de não retorno.

Resulta da incapacidade de reagir rapidamente a uma crise financeira que levou a um crescente afastamento entre as expectativas dos povos do norte e do sul em relação à União. Estou até convencido que o governo de Angela Merkel é o menos brutal que a Alemanha poderia hoje produzir. Mas para isso terá muita responsabilidade a forma como a própria Angela Merkel foi explicando esta crise. Merkel está a colher os equívocos e a demagogia que semeou.

Seja como for, Wolfgang Schaeuble é um elemento de perturbação numa União Europeia que precisava de Estadistas. Cria animosidade nas relações entre Estados, cria focos de perturbação política, tenta agitar os mercados contra governos que lhe desagradam e acicata o natural orgulho patriótico dos povos. Ele acaba tem uma vantagem: representando de forma caricatural quase tudo o que está errado na União, acaba por funcionar como bode expiatório para todas as nossas frustrações. E a história europeia e da Alemanha ajuda a este papel. Em vez de batermos na abstrata União, temos o ministro das finanças alemão. Mas é indesmentível que o seu comportamento de rufia, o seu desrespeito pela soberania dos outros Estados e a sua arrogância quase xenófoba tornam insuportável o ambiente político desta União.

Há nove anos, na conferência ibero-americana que se realizava em Santiago do Chile, Hugo Chavez decidiu perorar sobre o papel de Jose Maria Aznar na tentativa de golpe de Estado na Venezuela, na presença do rei de Espanha e do então primeiro-ministro Zapatero. Não falava da vida interna de Espanha, mas do que considerava ser uma interferência espanhola na vida política do seu país, e isso até atenuava a gravidade do seu comportamento. Ainda assim, os termos usados foram tais que o rei perdeu a compostura e disse: “Porque não te calas?” De cada vez que abre a boca, para o elogio condescendente ou a crítica deselegante, Schaeuble amesquinha a dignidade patriótica de outras nação. Cada palavra sua é um prego no caixão do projeto europeu. Está na altura de alguém gritar, do fundo da sala: “Porque não te calas, Wolfgang?”

6 pensamentos sobre “Porque não te calas, Wolfgang?

  1. Schaubble não se cala nem há de se calar nunca, tem o rei na barriga ! Porque é que depois de constatar com bastante unanimidade, já há vários anos agora, que a nossa economia não funciona com o euro, ninguém decide tomar a decisão que se impõe: “sair dela”. Nem a direita, nem a esquerda, ninguém reage… é lamentável!

  2. É feliz e muito bem aproveitada a forma como o autor, Daniel de Oliveira, termina a sua “crónica” de hoje…, direi apenas que o cada um entenda…, ou venha a entender sobre as relações de Schaubble com o Deutsche…., pois estas dão para todos os “gostos” ou “paladares”…, desde a BANCA ALEMÃ…, até à vida privada de Schaubble!! E para quem não entender o meu comentário recomendo uma leitura a um bom Dicionário…,ou no “fim da linha” um “salto” à WIQUIPÉDIA…, o que é como se diz em bom Português, PARA BOM ENTENDEDOR MEIA PALAVRA BASTA….

  3. Na abertura do «site» da “Estátua de Sal” surge um «ALERTA DE SEGURANÇA» que recomendo a sua solução.

    com consideração e estima,

    Avelino Toste

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  4. Tem razão Daniel. Faz parte do jogo democrático a livre expressão de pensamento. Só assim se pode aquilatar as tendências e interesses pessoais que movem cada um. A variedade é característica do universo em todas as suas dimensões… Umas mais sensíveis outras menos mas… como seria o mundo sem a perceção do bom e do menos bom? Como distinguiríamos um do outro? Por faz bem enfatizar o percecionado como o melhor em contraste com o menos melhor. Por esse empenhamento continuo a humanidade já conseguiu chegar aqui…

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