Um Banco cheio de zeros

(Dieter Dillinger, in Facebook, 25/10/2016)

spigel

Vício do compadrio, ganância, provincianismo, devassidão, enchente de complexos, imaturidade, sobrestimação, falsidade, incompetência, fraqueza, arrogância, falhanço, decadência, bonomia e ingenuidade. Quem procurar um motivo para a queda do “Deutsche Bank” pode servir-se deste acervo de palavras que todas servem e com evidência.

Assim iniciou a revista alemã “Der Spiegel” desta semana um artigo de 12 páginas sobre o maior banco alemão, presente em 70 países com 101.104 funcionários em 2.790 sucursais e mais lesados que habitantes de Portugal, além de 561.559 acionistas perdedores com 1,38 mil milhões de ações a valerem 13 euros cada na passada quinta-feira depois de caírem mais de 50% em 12 meses. O DB vale hoje 17,94 mil milhões de euros depois de perder nas bolsas sensivelmente o mesmo valor, estando sujeito a pagar uma multa nos EUA no valor de 12 mil milhões de euros num só processo e outro tanto da parte dos milhões de lesados que adquiriram os seus fundos hipotecários praticamente sem fundo ou muito rotos.
O “Deutsche Bank” com 132 anos de existência começou por ser um banco normal para se tornar num banco de investimento na Alemanha, onde os seus principais dirigentes tinham assento em mais de 400 Conselhos de Administração e Conselhos Fiscais. Mas, a dada altura, os seus administradores fartaram-se das pequenas cidades alemãs onde estava a VW, a Daimler-Benz, a Bayer, entre muitas outras empresas, e quiseram conquistar o Mundo. Trabalhar entre Nova Iorque, Singapura e Tóquio e entre a Cidade do Cabo e Stockolm, etc..
De todos os grandes bancos, o DB seria o terceiro ou quarto maior no Mundo em 2008, mas só o DB não se importou com a crise financeira e, tal como o BES, continuou a sua atividade de vendedor de fundos com fraca liquidez, derivados, futuros de aposta na evolução de preços de muitas matérias primas, Hedgefonds (fundos ditos garantidos), etc. Até nas transações cambiais, o “software” do DB conseguia roubar aos clientes qualquer coisa que na maior parte das vezes nem davam conta disso, mas que no total são milhares de milhões ao longo dos anos.
Tudo para fazer o cliente perder dinheiro porque a administração estava apenas preocupada em saber quem iria substituir quem nos conselhos de administração e fiscal e quantos milhões se ganhava na venda de papéis de pouco valor por bastante dinheiro.
O cliente depositante passou a ser apenas uma pessoa para ser convencida a comprar alguns desses ditos produtos financeiros que deram juros “fabulosos” na passado e assim seria no futuro. Pouco interessavam mesmo os depósitos nem o capital que de vez em quando era fagocitado pelo banco, isto é, as ações eram compradas pelos diversos centros de negócios e trituradas, reduzindo o capital, fazendo aumentar os lucros percentuais que chegavam aos 30% ou mais do verdadeiro capital do DB que chegou a ser de apenas 9% dos capitais do grupo.
O principal centro de negócios do DB denominava-se “Global Markets” e lucrou em dez anos mais de 25 mil milhões de euros.
O artigo do“Der Spiegel” é demolidor para o DB, colocando de rasto todos os seus CEOs desde há duas décadas ou mais.
Para todos que nem eram alemães há muito tempo, o termo “Deutsche” criava uma auréola de confiança que levava os clientes a comprarem aquilo que um CEO chegou a dizer: “nós damos-lhes porcaria e eles dão-nos ouro”. Os seus gestores compravam tudo o que podiam desde que não valesse nada, colocavam lá umas ações da Daimler, da MAN ou da BASF entre outras empresas e o pessoal convencia-se que era acionista da grande e lucrativa indústria alemã quando tinha apenas umas migalhas nos seus fundos.
Entre 1994 e 2015, o pessoal do DB aumentou em 30%, mas os bónus e ordenados subiram em mais de 200%. Ganhava-se muito no DB, principalmente os administradores e os gestores que chefiavam equipes que vendiam muito papel. Claro, também o gestor de cliente com êxito era muito bem pago.
O DB deixou há anos de ser um verdadeiro banco alemão, sendo mais anglo-americano em que a língua inglesa era a utilizada em quase todas as reuniões e durante vinte anos os seus presidentes foram sempre estrangeiros, desde o suíço Ackermann ao indiano Jain e ao atual britânico Cryan. O indiano Jain consta que ganhou no DB para cima de 400 mil milhões de dólares no tempo que dirigiu o “Global Markets” e depois todo o grupo bancário.
Para enfrentar a avalanche de processos, o DB tem provisionado 5 mil milhões de dólares que não vão chegar e não se está a ver que alguém venha a comprar uma parte de um banco tão grande e tão complexo em que os Conselhos de Administração não conseguem saber tudo o que se passa. O seu habitual relatório de contas é um grosso volume de mais de 500 páginas, nas quais nenhum acionista consegue descortinar a verdadeira situação do banco.
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Foto com a palavra alemã Gier que se traduz por Ganância e as caras dos figurões que dirigiram o DB, enchendo-se com contas de centenas de milhões de euros.

3 pensamentos sobre “Um Banco cheio de zeros

  1. E assim se estraga uma sociedade. Quando os bancos deixam de ser, bem, um banco, para se tornarem nas entidades amorfas que poluem as grandes avenidas das capitais mundiais, nada de bom daí advém e o mais irritante é que no fim do dia quem paga a factura não são eles.
    Os bancos deixaram de ser o simples negócio que se associa ao nome. Num banco guarda-se dinheiro. Ponto. Função principal. Tudo o resto depois deriva daí: empresta-se dinheiro que se guarda e ganha-se juros no processo e oferece-se juros para motivar as pessoas a guardarem o seu dinheiro no banco. O banco seria apenas mais um negócio, uma empresa vá, como mais uma padaria, oficina ou supermercado. É uma versão simplista é verdade, mas enquanto as coisas funcionaram assim nunca foi necessário espremer os contribuintes para recapitalizar o que quer que seja.
    Mas o capitalismo selvagem não estava contente e era preciso gerar lucro a qualquer custo. E eis que surgem os “bancos de investimento”, que de bancos apenas retêm o nome. Muitos nem sequer permitem fazer depósitos ou outras operações que, imagine-se, se costumam fazer… num banco. São umas entidades em que é preciso quase uma hora a ler um manual para perceber exactamente o que é que fazem e para que servem (e mesmo assim não é muito claro), mas que empregam senhores muito importantes e bem vestidos cuja utilidade numa sociedade práctica é questionável. Nos bancos de investimento o dinheiro é uma coisa plástica e abstracta, o qual é manipulado a seu bel prazer. Quanto mais manhosas forem estas manipulações, mais bem vestido e importante o banqueiro que as faz é. A triste realidade é que estes bancos não passam de casinos mas onde o dinheiro que se joga é o de todos nós. A vantagem? Quando se ganha, é bom para o banqueiro, para o “banco” e aparentemente para a economia, a julgar pelas manchetes de jornais que normalmente surgem quando um destes parasitas recebe um bónus de 7 milhões de euros por ter colocado o meu dinheiro e o de metade dos meus compatriotas no 8 vermelho. Mas quando se perde, perde-se à grande. Afundam-se economias nacionais por arrasto como se fosse a coisa mais normal do mundo e como se as regras do jogo estivessem escritas num sítio onde todos as pudessem ler.
    Os “bancos de investimento” e tudo o que deles advém são entidades nefastas que a longo prazo anexam toda uma economia não ao que se produz e consome num país, mas à especulação em torno disso. Os “bons” banqueiros de investimento não são mais que astrólogos glorificados. Faz algum sentido colocar o futuro e evolução de uma nação nas mãos da Maya?

  2. Falaram em separar os bancos “de investimento” dos bancos normais que se contentam em guardar o dinheiro das populações (empresas, famílias, pessoas singulares) e emprestar com taxas razoáveis, para ajudar a construir coisas, casas, empresas novas, ou simples compras de elevado valor etc… mas ainda não aconteceu a separação do trigo e do jóio.
    Se os directores de bancos querem jogar ao casino que o façam, mas com o próprio dinheiro, e quem quer jogar em bolsa, que o faça, mas assuma as perdas… Acho abjecto ser necessário chamar o dinheiro do estado para tapar buracos produzidos por gestores incapazes ou demasiado gulosos.

  3. … e quando se pede ao Sr. W. Schäuble que comente a situação do Deutsche Bank, ele assobia, olha para o ar e responde que “Portugal irá ser de novo intervencionado”. O que parece é que Portugal (e os países do sul) terá que rever a relação com esta Europa do compadrio dos famosos “mercados” alemães e holandeses que apoiam as igualmente corruptas agências de rating que por sua vez colocam dívidas soberanas no lixo para que os “mercados” aumentem as respectivas taxas de juro e com isso lucrem milhões arruinando as suas economias. “Mercados” e “agências de rating” são farinha do mesmo saco, rapinas superpredadoras que se entendem nos bastidores para viverem das dívidas soberanas que financiam – e financiaram com a incompetência e de alguns políticos vaidosos e lunáticos locais – e manobram a seu bel-prazer.
    O caminho que esta Europa central gananciosa, devassa, falsa, superarrogante e incompetente está a trilhar, vai anular o que se andou a construir ao longo de várias décadas de paz e entendimento entre povos e governos e vai conduzir-nos obrigatoriamente ao desastre. Infelizmente a HISTÓRIA recente da Europa e do Mundo não lhes ensinou nada.

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