O poder excessivo das agências de rating

(Paul de Grawe, in Expresso, 21/10/2016)

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                    Paul de Grawe

O BCE delega em quatro agências de rating o seu poder de decidir que dívida deve comprar. Dá um tremendo poder a indivíduos obscuros

Os mercados financeiros portugueses estão nas mãos de uma obscura agência de rating canadiana, a Dominion Bond Rating Service (DBRS). À data em que publicamos esta coluna, a DBRS já deve ter atualizado o rating da dívida soberana portuguesa. Um downgrade significaria que as taxas de juro da dívida subiriam ainda mais, prejudicando gravemente a economia lusa. Recentes declarações do economista-chefe da DBRS já levaram a aumentos significativos nas obrigações a 10 anos.

Como é que uma agência tão pequena tem tanta influência? Decerto que não é pela força da sua análise. Verifiquei alguns dos relatórios da DBRS relativos a outros países da zona euro. São exercícios de corta e cola de relatórios oficiais existentes, do FMI, da Comissão Europeia e da OCDE. Os meus alunos da Escola de Economia de Londres poderiam facilmente produzir relatórios semelhantes, com a mesma qualidade, ou falta dela, mesmo sem visitar Portugal.

A DBRS e outras agências de rating têm tanto poder porque esse mesmo poder lhes é dado pelo Banco Central Europeu. O BCE decidiu que no contexto do seu programa de quantitative easing só compraria dívida de países com um rating mínimo. Estes ratings, porém, são elaborados por agências privadas de notação financeira como a DBRS (e outras como a Standard & Poor’s, a Moody’s e a Fitch). Por outras palavras, o BCE delega nestas agências de rating o poder de decidir que dívida deve comprar. Ao fazê-lo, o BCE dá um tremendo poder a indivíduos obscuros nestas agências privadas.

A decisão de parar de comprar dívida soberana de um determinado país é de grande importância. Afeta a credibilidade do Governo e o custo das obrigações emitidas. Pode levar a uma crise autoalimentada, na qual a perda de confiança leva os investidores a vender a dívida que detêm aumentando os juros e precipitando uma crise de liquidez. É completamente inaceitável que o BCE coloque nas mãos de agências de rating esta decisão, abdicando, assim, da sua responsabilidade de manter a estabilidade financeira.

Será que as agências de notação financeira merecem este enorme poder que o BCE lhes entrega? A resposta é um rotundo não. As agências de rating falharam miseravelmente no passado; fizeram-no quando não viram aproximar-se a crise de 2007-08. São, ainda, objeto de grandes conflitos de interesses — ninguém as responsabiliza pelas suas ações —, se erram no rating, o que acontece demasiadas vezes, não sofrem as consequências. Outros as sofrem.

Será que as agências de notação financeira merecem este enorme poder que o BCE lhes entrega? A resposta é um rotundo não

Depois da crise financeira, houve consenso generalizado de que as agências de rating tinjam demasiado poder e que era, uma fonte de instabilidade nos mercados financeiros mundiais. Tornou-se consensual que o poder destas agências de notação devia ser reduzido. Ora, o BCE faz exatamente o contrário. Ao seguir cegamente as decisões de rating das agências, o BCE aumenta o seu poder.

A solução consiste em recuperar o poder para si mesmo. Isto pode ser feito facilmente. O BCE devia proceder à sua própria análise de risco das obrigações dos países-membros, pois, tem um grande número de economistas altamente qualificados com melhor conhecimento dos países da zona euro do que os economistas de corta e cola empregados pelas agências de rating.

Precisa, porém, de alguma coragem para o fazer. A razão pela qual o BCE entregou a terceiros a decisão crucial de decidir quais o países a quem pode comprar obrigações é meramente política. O BCE tem medo de que qualquer decisão, baseada nas suas próprias análises, de não adquirir dívida de um determinado país conduza a críticas abertas dos políticos da zona euro. Esta não é uma boa razão para deixar que indivíduos não escrutinados, empregados de agências de notação canadianas ou americanas, tomem uma decisão que pode desestabilizar países.


(Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica)

 

3 pensamentos sobre “O poder excessivo das agências de rating

  1. Ora nem mais. Mas a resolução do problema passaria pelo BCE delegar numa agência de rating pública e independente a avaliação do grau de risco da dívida soberana dos Países da UEM (e não só)…

  2. Pois, é preciso coragem… tem razão Sr Paul de Grawe, mas coragem não é palavra europeia, nem para construir um conjunto de países onde reina a justiça, uma harmonização fiscal, uma “planificação”(palavra odiada pelos liberais) séria daquilo que seria proveitoso para cada país, em vez de promover a “sacrosanta” concorrência entre todos que em vez de nos unir nos faz serem todos contra todos, e o problema que subleva aqui tbm, merecia ser revisto : as agências de rating são para mim “bandidos” armados contra os povos.

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