As pensões mínimas: para acabar de vez com a demagogia

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/10/2016)

Autor

                        Daniel Oliveira

A atualização extraordinária de 10 euros das pensões até 628, em agosto, causou polémica. Este aumento extraordinário, que será por pensionista – e não por pensão -, visa, segundo o Governo, compensar as perdas pelo congelamento das pensões entre 2011 e 2015. De fora desse congelamento ficaram os pensionistas que recebem as mais baixas das pensões mínimas da segurança social e da Caixa Geral de Aposentações e quem recebe a pensão social e agrícola. Por isso, elas serão abrangidas pelo aumento normal, já em janeiro, mas, como é natural, não estão incluídas num aumento extraordinário de agosto, que se destina a quem perdeu rendimento.

Vale a pena recordar que o anterior governo congelou as pensões mínimas do regime contributivo relativas ao 2º, 3º e 4º escalões (entre 275 e 380 euros), enquanto enchia a boca com preocupações sociais. De facto, apenas aumentaram as pensões rurais, sociais e mínimas do 1º escalão.

A decisão do Governo provocou incómodo em muitas pessoas e não foi ao encontro do que é defendido pelo Bloco e pelo PCP. Independentemente da posição com que cada um fique, é importante cortar as pernas à demagogia fácil que por aí campeia e de que, com a falta de rigor que lhe é habitual, Marques Mendes foi um dos principais porta-vozes. Já nem preciso de recordar que as pensões mínimas vão ser, como as restantes abaixo de 838 euros, aumentadas em janeiro, tendo em conta a inflação. Já nem me concentro no facto de a atualização extraordinária de agosto visar compensar um congelamento que não abrangeu estas pensões. Poderia argumentar-se que, estando nós a falar de pensões tão baixas, seria justo juntá-las a este bolo de aumentos de agosto, para as aproximar dos mínimos aceitáveis. Só que isso é partir de um princípio que em imensos casos não é verdadeiro – que as pensões mínimas correspondem aos pensionistas mais pobres e precisariam, por isso, de ser discriminadas positivamente – e ignorar que existe uma coisa chamada Complemento Solidário para Idosos (CSI), onde essa justiça se tem de fazer.

É verdade que muitos pensionistas, por razões históricas ou outras, trabalharam a vida toda, não descontaram e os magros 200 ou 260 euros não chegam para viver. Para esses foi criado o tal CSI, sujeito a condição de recurso (prova de que eles ou familiares próximos não têm outros rendimentos, pensões e património), que permite que o rendimento do pensionista chegue sempre a cinco mil euros anuais. A condição de recurso, sendo inaceitável para regimes contributivos (as pessoas, tenham o rendimento que tiverem, descontaram para receber aquilo), podem ser justas quando estamos perante prestações que não resultam de contribuições.

Ao contrário do CSI, as pensões mínimas não estão sujeitas qualquer condição de recurso. Elas, propriamente ditas, nunca poderiam estar: mesmo quem as recebe pode ter feito descontos. Mas o complemento social, que cobre a diferença entre a pensão que resultaria dos descontos feitos e o valor da pensão mínima, sim. Porque é, na prática, um subsídio pago pelo Orçamento de Estado. No entanto, entre os seus destinatários, há quem receba mais do que uma pensão (pensões de sobrevivência, por exemplo), tenha património ou viva uma situação financeira desafogada (apenas tiveram uma atividade profissional que não permitiu grandes descontos). Não se julgue que estou a falar de exceções. Pensa-se que será muita gente, mas não há números seguros. O único estudo que conheço é muito antigo (2003) e baseia-se em números de 2000. É do Banco de Portugal, foi coordenado por Carlos Farinha Rodrigues e inclui todos os escalões das pensões mínimas e não apenas o 1º, que aqui está em debate. Ainda assim, e com todas as cautelas, vale a pena ficar com este dado, que serve apenas para desmentir o automatismo de pensar que a pensões mais baixas correspondem sempre pensionistas pobres: entre os que recebem as várias pensões mínimas apenas 31% estariam em agregados pobres. Defender um tratamento de exceção para quem recebe a pensão mínima e não é pobre, tendo direito a aumentos extraordinários destinados a pensões que, ao contrário das mínimas, estiveram congeladas, é defender, em demasiados casos, um aumento das desigualdades, beneficiando ainda mais pensões não contributivas de reformados que não precisam de ser descriminados positivamente.

Mas não o fazer levanta problemas semelhantes. Porque ali também estão alguns dos pensionistas mais pobres. Nas pensões não contributivas teria de haver uma forma de distinguir quem precisa e quem não precisa, para lhe dar um tratamento diferente. Sem explicar muito, o ministro Vieira da Silva já anunciou que passará a haver condição de recurso em todas prestações sociais não contributivas. No caso das pensões mínimas, imagino que ela seja aplicada ao complemento social. Parece-me justo. Não há razão para dar uma pensão mínima a quem não contribuiu para o sistema e não precisa dela, podendo até ter uma situação financeira mais desafogada do que grande parte dos reformados. Como é evidente, tal medida só pode ser aplicada a futuras pensões. O direito adquirido não é um capricho: é, para além de uma imposição constitucional, uma questão de bom senso. As pessoas organizaram a sua vida, quando já não podem procurar outro sustento, contando com um determinado rendimento. Ele não pode ser alterado. Para as pensões que já estão a ser pagas, é através do Complemento Solidário para Idosos que se combate a pobreza dos reformados. Porque as pensões mínimas, apesar de o serem, nem sempre são de pobres.

2 pensamentos sobre “As pensões mínimas: para acabar de vez com a demagogia

    • Ora aqui está uma análise bastante realista e sóbria do tema pensões. Todos nós temos vizinhos, e alguns até familiares, que nunca fizeram descontos e auferem a tal pensão mínima, mesmo quando têm elevado património e outras fontes de rendimentos que resultaram da sua actividade profissional (por ex. casas arrendadas – que também não pagam impostos). Mais, conheço alguns que até se vangloriam de não fazer descontos sabendo que no final terão direito a essa pensão mínima.

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