O trio de ataque

 

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“Será um Orçamento que mantém a austeridade, haverá um aumento de impostos indiretos, não dará confiança ao investimento e trará uma nova revisão do cenário macro económico”. Este foi o resumo que o CDS fez sobre o Orçamento do Estado para 2017 no final da reunião com o Ministro Mário Centeno, na Assembleia da República.”

Ver notícia em Expresso Diário, 12/102016.


(Por Estátua de Sal, 12/10/2016)

Não sei se ria se chore com tanta patetice que estes artistas debitam. O CDS, o Nuno Melo, a Cristas, o PSD, mais o inenarrável Montenegro e o Coelho, são todos agora os campeões da luta contra a austeridade. Eles, que puseram o país a ferro e fogo na penúria e na miséria durante a sua tormentosa governação de pesadelo.

Dizem que o Governo sobe impostos, que o orçamento vai asfixiar os contribuintes, que só pode vir aí a desgraça. É curioso que, quando governaram diziam que não havia austeridade, coisa nenhuma. Que era uma invenção da esquerda e dos radicais. Agora, como são um pouco canhestros e as nuances da lógica são muito complicadas para cérebros pequenos, eles acusam o governo de “continuar com a austeridade”. Ora, uma coisa que se continua é porque já existia antes. Logo, eles próprios desmentem aquilo que sempre andaram a dizer durante quatro anos. Finalmente assumem e concordam que fizeram uma política de austeridade pura e dura.

Depois dizem que o governo não cumpriu as promessas. Que disse que o PIB ia crescer 2% mas só vai crescer 1%. Que as exportações iam crescer vários pontos e vão crescer menos. Que o investimento público não descola e que o privado é deficiente. Ou seja, criticam o governo por ter ficado aquém das metas que ele próprio definiu para si no seu programa. Quer dizer, criticam António Costa e o PS em nome das bitolas e dos objetivos de António Costa e do PS. E porque não usam as suas próprias bitolas? Por uma razão simples. Porque à luz das bitolas da direita, os resultados deste governo são um sucesso a merecer foguetes e palmas por aclamação. Se a direita só queria cortar rendimentos e subir impostos na mesma, ao menos Costa subiu alguns impostos mas aumentou também rendimentos e prestações sociais. Ou seja, a direita só consegue neste momento criticar Costa à luz dos objetivos a que Costa se propôs os quais não foram atingidos na totalidade. Convenhamos que é muito pouco como programa político alternativo.

Porque, na verdade, não têm coragem para dizer que aumentar salários é mau. Ficava-lhes mal. Não paga votos. Assim sendo, a única linguagem que conseguem ter é dizer que o PS não fez tanta devolução de rendimentos quanto se propôs fazer. Não é grave quando a oposição mede o desempenho de um governo à luz dos objetivos do próprio governo. Também não conseguem notar que, pela primeira vez nos últimos cinco não houve um orçamento retificativo, ou seja, o Centeno é muito melhor que o Gaspar e companhia a fazer previsões e orçamentos por muito que a direita esbraceje e balbucie. Pela primeira vez nos últimos cinco anos não houve leis consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, o que só prova que a direita só sabe governar fora da lei e contra o Estado de Direito.

A segunda parte do folclore é vê-los a serem os campeões do investimento público. Durante quatro anos Passos e os seus sequazes andaram a dizer que o Estado não tem nada que se meter na economia, e daí que tenham vendido quase tudo quanto era público e dava lucro a dez reis de mel coado. Foi um fartar vilanagem. Agora gritam, aqui-d ’el-rei, que o Estado não está a fazer investimento público. Afinal, o objetivo da direita, nunca foi criar uma economia em que a iniciativa e o investimento privados fossem o motor crucial. É consabido que os poucos capitalistas que o país produziu sempre viveram à sombra do Estado, de rendas protegidas em mercados mais ou menos monopolistas. O que sempre quiseram fazer, foi capturar o Estado para prosseguirem os interesses privados dos grupos económicos que os suportam e dos quais são a ponta do iceberg visível. Só isso. Enfim, mais uma narrativa que cai de amarela como as folhas das árvores no Outono.

Por falar em amarelos passo a acrescentar a terceira parte do folclore: o investimento chinês. Passos Coelho vendeu a EDP e a REN a chineses ao preço da chuva. No caso da EDP devia abrir-se um processo-crime contra o governo anterior, já que em dez anos de lucros, ao ritmo que se tem verificado, os chineses terão recuperado todo o dinheiro que pagaram pela empresa. É obra. Uma empresa que demorou décadas a desenvolver-se, em apenas dez anos está paga e continuará a gerar lucros para o Estado chinês até à eternidade. Pois bem. Neste momento, em que António Costa, com a sua viagem à China tenta captar investimento chinês, mas não investimento dirigido à compra de empresas que já existam, mas que venha criar novas empresas e novos empregos, a direita agita-se, vem chamar a atenção para a concentração do sistema financeiro nas mãos dos chineses – processo que, a existir, foi também iniciado por Passos com a venda da Fidelidade, e com a tentativa falhada de vender o Novo Banco -, e até o inefável Marcelo veio alertar para o perigo de não haver “almoços grátis”. O meu comentário é que a direita parece que persiste em fazer apenas política de cabaré. O meu cancan é melhor que o teu. As minhas ligas apertam mais que as tuas. Os meus chineses são melhores que os teus. Os meus vistos eram Gold e os teus são vistos de pechisbeque. Triste gente. Mas alguém tem dúvidas que o investimento que nos interessa é aquele que cria postos de trabalho e riqueza em vez de vir buscar a riqueza que já cá estava e nos pertencia? Pelos vistos, a direita está cheia de dúvidas. A razão é simples: os chineses de Costa são maus porque não vão negociar com a direita, com os Catrogas todos que por aí saltitam, ainda à volta de Passos Coelho, de mão estendida, mas sim com o atual governo, o que não vai permitir que tais investimentos possam beneficiar – de passagem, é sempre de passagem -, os interesses económicos que eles servem e que corporizam. É ridículo que esta gente, que não consegue fazer nada de jeito sem recorrer ao Estado, passe a vida a dizer que a culpa dos males do País é sempre do Estado, querendo reduzir o Estado ao mínimo das suas funções. É tão ridículo quando todos sabemos que, quando eles falam em Estado a mais, o que querem dizer é que querem subsídios de desemprego a menos, hospitais a menos, escolas a menos, pensões a menos. Isso sim. Para eles tudo isso está a mais e é aí que o Estado deve cortar em força para equilibrar as contas públicas, tal como reiteradamente fizeram enquanto não foram despejados, do poder.

Até aqui, estive em registo sarcástico devido à figura dos patetas que é bem retratada por este trio.

Na parte do choro, há uma questão decisiva que a direita devia discutir, isso sim, mas que para ela é tabu e atributo de radicais. A questão toda, que leva a que qualquer governo em Portugal não tenha margem de manobra para colocar o país na senda do crescimento económico e da melhoria das condições de vida das populações é o problema da dívida pública e dos constrangimentos que os compromissos com a Europa nos impõem. A margem de autonomia de qualquer governo para fixar políticas e fazer escolhas é muito reduzida e sempre condicionadas pelas ameaças de sanções e toda uma parafernália de castigos. Era isso que a direita, se fosse patriótica, deveria estar a dizer em vez querer colocar nas escolhas políticas do atual governo as culpas pelo baixo crescimento económico ocorrido.

Mas nem tudo é mau. Houve crescimento económico, não houve retrocesso como ocorreu nos anos de governo da direita. É melhor ir um pouco para a frente do que andar para trás.

Só me resta desmontar mais esse folclore da falta de crescimento económico que a direita agita. É importante o crescimento? Será. Mas o decisivo é o modo como o resultado desse crescimento é repartido. Que interessa aos cidadãos, que a economia cresça muito, se isso apenas levar ao enriquecimento de grupos económicos nacionais ou estrangeiros, de uma minoria, mantendo-se a restante população numa situação igual ou pior, sem emprego, ou com empregos precários e de baixos salários? É da repartição do rendimento que a direita nunca fala. Fala muito de crescimento económico mas não há crescimento económico no vazio, por detrás dos conceitos há sempre pessoas, gente, e quando há pessoas há sempre interesses diferentes, as mais das vezes conflituais.

Por muito que lhes custe aceitar, a luta de classes não foi enterrada, e não é um conceito ultrapassado como alguns ideólogos da direita nos querem fazer crer. A prova disso mesmo é o barulho ululante que fazem, os uivos que soltam, a espuma que lhes sai das comissuras dos lábios quando vislumbram, por ténue que seja, uma ligeira ameaça de os seus privilégios poderem ser postos em causa, tendo que abrir os cordões à bolsa e  contribuindo assim para a existência de uma maior equidade social.

 A conclusão óbvia e triste é que a direita desistiu já há muito do país, e que a única agenda política que tem é manter os seus feudos, tanto quanto possível, à custa de uma colaboração de servil capataz com aqueles que querem fazer de Portugal uma colónia sem voz própria, relegando os portugueses para um futuro irrelevante.

Estátua de Sal, 12/10/2016.

6 pensamentos sobre “O trio de ataque

  1. O Estado sempre aplica políticas de classe, e a questão fundamental é de que classe social.
    Pelos vistos as políticas de classe contidas no Orçamento não agradam à classe defendida pelo PP.
    Ainda bem. Estou mais descansado.

  2. Há muito tempo que a direita (que temos) só pensa em tratar da sua vidinha!
    Não se importam de ser meros capatazes dos DDT da Europa e receber umas
    “migalhas” caso do Durão Borroso! Excelente análise !!!

  3. Excelente análise.
    É mesmo isso. Há ser oposição e há o fazer oposição.
    Ser oposição é o que se espera de qualquer partido com um mínimo de integridade. Há um objectivo que deve ser comum a todos os partidos, estejam no poder ou não, que não é mais que a evolução do país. Qualquer medida, lei ou nova instituição deverá a curto ou longo prazo, ir de encontro a este objectivo. Ser oposição significa ser crítico, olhar para além das cores partidárias, e fazer análises objectivas das medidas governamentais e fundamentar quaisquer objecções de forma coerente.
    Depois há o fazer oposição, que é consiste simplesmente em criticar e criar atrito a todas as propostas governamentais apenas… porque não se está no poder. Não interessa se o país pode mesmo vir a ganhar a longo prazo. Não interessa os constantes faux pas políticos. A lógica é simples: não mando logo critico.
    O PSD e o CDS, limitados como estão com personagens como Cristas, Melo, Coelho, Montenegro e Marques (tive que acrescentar este último pois para mim simboliza tudo o que não se quer num agente público), não conseguem senão fazer oposição. Para esta gente o piloto automático é ligado no modo hipócrita a partir do minuto em que se encontram do outro lado da bancada parlamentar. E o resultado está à vista.
    Que podemos nós fazer então? Ridicularizá-los. Não merecem outra coisa. Desde que a coligação tomou poder no início do ano que a direita não tem feito mais que alvejar os próprios pés: a “revolução” amarela, o novo “imposto do Sol” que afinal não era tão novo assim e a “classe média” semi-milionária, entre outros que não deram tanta capa de jornal como estes.
    A oposição deve ser avaliada num conjunto de critérios semelhantes aos que o governo é sujeito. Coerência e integridade são dois deles e os mesmos que chumbam os partidos de direita de forma explosiva quase numa base diária.

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