A Georgieva, a amiga dela, o czar e o outro

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 30/09/2016)

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As Nações Unidas resolveram este ano abrir um concurso para secretário-geral da organização. Uma coisa aberta, transparente, com os candidatos a serem avaliados e a nota a ser conhecida a cada avaliação. Dava-se ainda oportunidade aos candidatos de corrigir a sua prestação, caso num dia as coisas lhes corressem mal. E assim foram determinadas cinco votações. Mas tendo aberto este processo, por trás estava a orientação de que quem deveria suceder ao inexistente Ban Ki-Moon deveria ser uma mulher e de um país de leste. Estava-se mesmo a ver que com um processo transparente mas onde se queria obter um resultado escrito à partida tudo ia acabar numa grande trapalhada.

E assim está a ser. Possivelmente perante a surpresa de muitos, houve um candidato que desde o princípio se destacou e ganhou todas as votações, de forma clara e bem distanciada dos outros concorrentes: um tal de António Guterres, que não é senhora nem de leste.

Que fazer então? Ora quando se estava à espera que houvesse agora a votação final dos cinco membros do Conselho de Segurança e que o resultado de todo este processo transparente a nível mundial consagrasse António Guterres como novo secretário-geral das Nações Unidas, lugar que alcançaria pelos seus próprios métodos e não por ter padrinhos mais ou menos poderosos, eis que surge uma mãozinha atrás do arbusto a colocar uma nova candidata para a votação final, candidata essa que não teve de se sujeitar a nenhuma das inquirições e aparece agora fresca e lampeira empurrada pelo vento germânico.

Se Georgieva ganhar este processo contribui poderosamente para degradar ainda mais a imagem das Nações Unidas. E sobretudo transmite a lamentável ideia para todo o mundo do que o que interessa para se chegar a um objectivo não é o mérito, o estudo, a persistência, a qualidade, mas sim os amigos mais ou menos poderosos que se tem por trás. Pior era impossível.

É, obviamente, uma manobra muito pouco cristalina, esta que leva ao colo Kristalina Georgieva para a liderança da ONU. E é muito feio que o governo alemão patrocine e seja o mentor desta estratégia. Escandaloso é também o facto da Comissão Europeia ter aceite rapidamente conceder uma licença sem vencimento (!) à sua vice-presidente Georgieva para se candidatar a secretária-geral da ONU. Suponho que não existe memória de os comissários poderem tirar licenças de vencimento, muito menos para este tipo de coisas. Mas se Georgieva pediu a tal licença e se Jean-Claude Juncker rapidamente lha concedeu é porque também ela teme que a jogada possa, no final, não resultar.

É que, pelo menos aparentemente, Vladimir Putin não ficou agradado com a manobra. E quando o czar russo se irrita, as coisas podem não correr bem. E resta saber o que farão os Estados Unidos. Em qualquer caos, se Georgieva ganhar este processo contribui poderosamente para degradar ainda mais a imagem das Nações Unidas. E sobretudo transmite a lamentável ideia para todo o mundo do que o que interessa para se chegar a um objectivo não é o mérito, o estudo, a persistência, a qualidade, mas sim os amigos mais ou menos poderosos que se tem por trás. Pior era impossível.

PS 1 – Pessoalmente, gostaria de ver António Guterres como secretário-geral das Nações Unidas. Intelectual e culturalmente, Guterres é uma personalidade superior. E a sua capacidade de fazer pontes pode fazer dele um dos melhores secretários-gerais das Nações Unidas. Mas que ninguém se iluda. Se lá chegar é mérito absoluto de Guterres. E daí não virá nenhuma vantagem para Portugal.

PS2 – Mário David, vice-presidente do PPE, que anda há três anos a promover candidatura de Georgieva (que é da sua área política) e que inclusive conseguiu que Durão Barroso aparecesse como seu apoiante (o que este desmentiu) diz que “não é lobista nem nunca fui”. Eu, que gosto de Mário David, tenho de lhe dizer: “Pois é, Mário. Eu também não sou do Sporting nem nunca fui”.

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