O otimismo de Stiglitz

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 07/09/2016)

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                       Daniel Oliveira

Em Portugal, muito mais do que noutros países, as palavras dos estrangeiros sobre nós dão sempre notícia. E isso é absurdo. Mas às vezes as coisas óbvias, quando são ditas de fora, tornam-se mais evidentes aos olhos de todos. E com as coisas acertadíssimas que o Nobel da Economia norte-americano Joseph Stiglitz tem dito sobre a Europa, é interessante ouvir o que pensa sobre como Portugal pode sair do “pântano” em que está.

Na entrevista que deu à Antena 1, a propósito do seu livro “The Euro: How a Common Currency Threatens the Future of Europe”, Joseph Stiglitz foi arrasador para a União Europeia e as suas instituições e poderes. E, no entanto, só disse coisas que todos temos o dever de saber. Que o euro retirou aos Estados mecanismos de ajustamento – as taxas de câmbio e as taxas de juro – e que a Europa contou que tudo poderia depender de políticas orçamentais. Que foram impostos limites cegos ao défice que impedem políticas em contraciclo que favoreçam o crescimento económico em tempo de crise. Que o euro nasceu num determinado momento, em que as convicções ideológicas ditaram a lógica a que hoje está presa. Que as políticas monetárias do BCE, que se teria de concentrar mais na inflação do que com o emprego, não chegam para tirar a Europa da beira do precipício, onde brinca há mais de cinco anos arriscando-se a uma nova crise de dimensões arrasadoras.

Que o euro foi criando com base na fezada de que a própria união monetária criaria uma dinâmica política que levaria ao surgimento dos instrumentos necessários ao seu funcionamento. Isso não sucedeu, houve uma crise que demonstrou a enorme fragilidade da moeda única e o ambiente foi o oposto. Hoje, não há um clima político para mudar seja o que o que for a Europa limita-se a arrastar a indecisão até ao limite e no último segundo faz o mínimo dos mínimos para não cair no buraco. Que os alemães insistem na ideia de que a crise europeia resultou de défices orçamentais quando os factos demonstram que isso não é verdade. Que apesar dos números mostrarem o oposto, os alemães continuam a acreditar que os povos do sul são preguiçosos e por isso não estão disponíveis para a solidariedade que lhes é exigida. Que insistem na austeridade quando já toda a gente percebeu que ela não resulta. E que falhando no diagnóstico continuarão a falar na cura. E que a na sua convicção e determinação a Alemanha está agora em desencontro com o resto do mundo (até com o FMI) e impõe este absurdo a toda a zona euro.

Que os alemães têm beneficiado desta moeda e que isso se faz, ao contrário do que se gosta de repetir, à custa do sacrifício dos países mais periféricos. Que as coisas não vão mudar e começa a não fazer sentido esperar que mudem. Que quando e se a Alemanha acordar todas as falências, todos os que emigraram, tudo o que se perdeu dificilmente será reconstruído. Que esta moeda significou uma década perdida para Portugal e pelo menos um quarto de século perdido para a Grécia. E que os países periféricos não deixarão de viver em crise, com crescimentos anémicos, uma dívida crescente e impagável e sem qualquer possibilidade de inverter a queda enquanto se mantiverem neste euro. E que, apesar das “propostas modestas” que faz, bem longe do federalismo norte-americano, lhe falta otimismo para acreditar que venha a haver outro.

Tudo certo, assim como está certa a conclusão a que Stiglitz chega sobre a decisão que Portugal devia tomar. Sair do euro teria efeitos muito negativos, mas ficar no euro será ainda pior. É a escolha entre uma forte crise que cria as condições para um crescimento futuro ou uma crise que não terá fim. Será um modo de vida. Assim, o Nobel da economia diz o que sempre que é dito cá leva a dedos em riste com acusações de radicalismo irresponsável: Portugal deve sair do euro. Essa saída deve ser negociada e não inclui apenas os portugueses.

É quando Stiglitz fala de negociações para sair do euro que percebemos o seu excesso de otimismo. Percebemos que lhe falta um entendimento pleno da situação política que se vive hoje na Europa (é comum acontecer aos economistas). Ao primeiro sinal de vontade de sair do euro a Alemanha, com o apoio dos seus aliados, o silêncio dos mais fracos e a verborreia inconsequente de França e Itália, faria a Portugal o que fez aos gregos. A parte que Stiglitz não compreendeu, e é natural que não compreenda, é que a zona euro já não é uma união voluntária de Estados, mas uma armadilha de onde não se sai vivo. E é por o saber que os portugueses nem se atrevem a pensar no assunto e os gregos ficaram num beco sem saída. Porque ninguém, nem mesmo Stiglitz, sabe como isso se faz sem ser aniquilado pelos nossos supostos aliados.

Há cada vez mais gente a perceber que Stiglitz tem toda a razão: esta moeda será a nossa morte. Não querendo a morte lenta e temendo o revólver que nos apontam à cabeça e que dispararão ao primeiro movimento para fugir dela. Estamos num dilema: ou a coragem de arriscar a morte súbita, ou a cobardia de aceitar a morte lenta.

De nada valem nacionalismos fanfarrões, para nada servem tontas paixões europeístas. Teremos de encontrar uma forma de sair deste buraco onde, de boa-fé, nos enfiámos. Temos o dever de não deixar aos nossos filhos o legado de miséria que significaria a permanência numa moeda que nos mata aos poucos. A questão é como sair. E ninguém, nem Stiglitz nem quem defende esta saída em Portugal, o sabe. Mal se descubra, é começar.

5 pensamentos sobre “O otimismo de Stiglitz

  1. Viva Daniel, gostei muito do seu artigo. Mas, de facto, somos um povo tão “carneiro” que vamos levar anos a aceitar o que o que Stiglitz afirma! Tenhamos esperança por ainda há quem afirme que o € foi a nossa ruína! Um abraço! Não perco um dos seus/vossos programas! Excelentes!

    • Perfeita a sua leitura e seus comentários sobre as opinões do Nobel da economia. Porém, assim como os engenheiros entendem muito mais de máquinas do que de mulheres, parece que os economistas tem dificuldades em perceber o realismo da subjacente à posta em prática de políticas económicas. Para eles, falar é muito fácil, fazer é que são elas. Os portugueses não são carneiros, como lí algures. Infelizmente, no início dos anos 70, aqueles que depois se tornaram seus principais representantes, imbuídos de um ideal socialista e populista, foram aliciados, e talvez até enganados, pelos arautos do globalismo, que desde a divisão territorial do pós-guerra , tomaram as rédeas da nova economia europeia. Agora, depois de todos esses anos de otimismo, engordado que está o “Aparelho de Estado”, como se fossemos maiores que a Espanha, estamos todos financeiramente falidos e endividados, despojados de qualquer estrutura produtiva válida, sem meios para pescar nem lavoura para plantar. Não parece restar nenhum caminho alternativo para 11 milhões nessa situação. Se fizermos o simples exercício de entrar numa grande superficie, e imaginarmos o que restaria nas prateleiras se lá só existissem os produtos nacionais, teriamos uma ideia do que significaria, em termos práticos, a saida da UE. Tudo o mais, teria que ser importado, ( em escudos, a um câmbio certamente ridículo ) com custos aduaneiros e fiscais adicionais. Os produtos nacionais certamente subiriam , pois se concorrência seria menor e mais cara, as matérias primas seriam importadas. ( Apesar disso, alguns produtores nacionais iriam sair da crise ) Realmente é difícil saber qual das situações requer maior coragem. Se ficarmos o bicho vai continuar a nos comer pouco a pouco. Se corrermos, o bicho nos pega.
      Melhor mesmo é continuarmos enganados, a fingir que somos importantes, e que não se passa nada.

  2. Concordo (e quem sou eu para ousar não concordar?) com os resultados desastrosos que são para Portugal e não só, a permanência no euro. Concordo que ser´difícil sair, muito mais do que foi entrar.
    Mas, julgo que o número de portugueses que estão a reconhecer que a entrada é para esquecer e que se deve pensar mais na saída, está aumentar muito depressa…. Isso, julgo eu, é importante como é importante, como já tem havido vozes políticas, que é necessário começar-se a preparar o país para esse eventualidade, surja ela por empurrão ou por vontade própria.

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