Meia-estratégia

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/09/2016)

Autor

                          Daniel Oliveira

É fraco o crescimento económico português do segundo trimestre deste ano. Semelhante ao registado na OCDE, UE e zona euro. Não diria, como disse Passos Coelho, que este Governo está a encaminhar o país para a “morte lenta”. Quando muito, mantém a estagnação que vinha de Passos. Assistimos ao melhor trimestre dos últimos quatro, tendo sido o pior o de há um ano, com o governo anterior. Foi nesse terceiro trimestre de 2015, depois de um bom início de ano, que recomeçou a estagnação. Este Governo apenas não conseguiu descolar. Para isto terá contribuído a queda no sector automóvel — a política fiscal deste Governo ajudou mas não me parece que fossem sustentáveis crescimentos de dois dígitos. E há o contexto externo: o preço do petróleo já não está a cair, Angola, Venezuela e Brasil estão em péssimo estado e a economia europeia não se recomenda. Quanto ao investimento, cai por causa da construção e, acima de tudo, graças à queda do investimento público. A subida anterior aconteceu quando estávamos na fase de encerramento do QREN e próximos de eleições. Apesar de tudo isto, dos cortes nos estágios do IEFP e do aumento do Salário Mínimo Nacional, o desemprego está a cair. Quanto ao défice, foi de 3,2% no primeiro trimestre e de 3,1% no primeiro semestre. Sabendo-se que no primeiro trimestre de 2015 era de 5,5% e no primeiro semestre do mesmo ano era de 4,7%, é preciso ter sido atingido por forte amnésia para achar impossível o cumprimento das metas.

O desempenho orçamental aceitável e a recuperação do emprego não escondem que a reposição de rendimentos não está a atingir os seus objetivos e que o fim da austeridade não está a resultar num aumento do investimento público. Apesar de estarmos apenas nos primeiros meses da governação e do contexto externo ser negativo, isto é, por agora, um falhanço. O que não compreendo é como seria melhor se a receita fosse a oposta. Sem a rápida reposição de rendimentos criticada por Passos o consumo privado aumentaria mais? Com mais contenção orçamental teríamos mais investimento público? Esperem… agora Passos Coelho acha que há investimento público a menos. Ele, que entre 2011 e 2013 o cortou em 60%. Só no fim do seu mandato, com eleições à porta, o investimento público aumentou (o dobro da média europeia, enquanto o privado estava a metade), com imediatas repercussões positivas na economia e provando que ele não tinha razão em tudo o que tinha defendido e feito antes.

Há um problema com a estratégia deste Governo: é ser, graças aos constrangimentos orçamentais impostos por Bruxelas, uma meia-estratégia que impede um aumento sério do investimento público e uma verdadeira política expansionista. Mas não é justo lamentar os efeitos de uma estratégia que fica pela metade depois de ter defendido que nem essa metade devia existir.

Os últimos a poder sublinhar o curto alcance do que este Governo conseguiu são os que desejam políticas orçamentais ainda mais restritivas. Não é sério ter Passos Coelho a pedir mais investimento do Estado enquanto Maria Luís Albuquerque diz que o objetivo devia ser o défice zero.

Com meia-estratégia só se conseguem meios-resultados, mas com uma estratégia que defende uma coisa e o seu oposto não se conseguem as duas coisas em simultâneo. Consegue-se uma oposição aos ziguezagues.

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