Fogo que arde e se vê

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 19/08/2016)

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 João Quadros

 

Chegou tarde, mas chegou em força, a temporada de incêndios. Como sempre, nesta altura, há especialistas em incêndios nos sete canais.


Todos têm teorias sobre o que já devia ter sido feito, o que não se fez e o que não deviam ter desfeito. Chegando o fresco Setembro, já nunca mais ninguém pensa nisto. Depois, passam uns meses e vêm os especialistas nas cheias em Albufeira e Santarém, e o ano termina com a falta de limpa-neves na serra da Estrela (que tem a única estância de esqui do mundo que, quando neva, fecha). Já todos sabemos que, depois, fica tudo na mesma. A única medida para ajudar na prevenção dos incêndios em 2017 era aumentar o tamanho dos baldes das esfregonas, porque acaba sempre por ser o popular com o balde a lutar com o incêndio.

Confesso que pouco percebo do tema. Em criança, peguei fogo a umas dezenas de coisas, mas metade foi sem querer. A partir do momento em que tomei conhecimento que um tipo vai à caça e invade o terreno privado de outro, e está à vontade, mas que se for alguém da câmara limpar o mato, é invasão de propriedade, desisti de perceber do assunto. É demasiado complexo. Diria que os tipos da câmara que vão fazer as limpezas deviam levar mais caçadeiras do que ancinhos.

Pelo que vi, em termos de material, sinto que fazem falta mais “meios aéreos”. É uma pena o arpão não disparar mísseis de água. Fez-me confusão ver que na Madeira aquilo ardia tudo e nem uma avioneta com uma mangueira. E quando vi a notícia: “Marrocos envia aviões para Portugal”, estranhei que não aparecesse o discurso do “cuidado que podem vir extremistas islâmicos misturados com bombeiros”.

Na verdade, Portugal acabou a ser ajudado pelos russos e pelos marroquinos, nossos parceiros na União Europeia. Não sejamos injustos, há uma explicação. A UE justificou a ajuda limitada a Portugal com falta de disponibilidade de meios devido aos incêndios registados em vários Estados-membros, e ao gato do Schäuble, que não queria descer de uma árvore.

Pior do que a prevenção de incêndios, só a cobertura jornalística dos mesmos. O jornalista está convencido de que é melhor jornalista quanto mais perto estiver do fogo. Se estiver com dificuldades em respirar, melhor ainda. Mas não ajuda no combate, isso, nem pensar. Entrevista um senhor que está a lutar pela vida, com um ramo contra uma labareda, mas não intervém. Limita-se a perguntar – vocês correm o risco de ficar sem nada? – Sim, se o senhor não se chegar para o lado ou não for buscar um balde.

Depois, há os senhores jornalistas que, perante pessoas em choro e desespero, a quem tudo ardeu, perguntam sempre o mesmo: “É uma situação que nunca tinha vivido

– A minha casa ardeu, fiquei sem nada, não sei do meu filho…

– É uma situação que nunca tinha vivido?

– Não, ainda na semana passada lutei com uma lula gigante.

Evitem. É só estúpido.


TOP 5   – Meios aéreos

1 Situação na Madeira está “perfeitamente controlada”, diz Miguel Albuquerque (antes do incêndio no Funchal) – O presidente do Governo Regional da Madeira ainda é mais optimista do que o Costa.

2 Autarca de Sines de “consciência tranquila” com viagem a convite da Galp – A consciência foi a dormir durante toda a viagem.

3 Holandês vence maratona aquática de 10 km em mar aberto – Eu tinha apostado tudo num pódio da selecção de refugiados

4 Passos Coelho diz, no Pontal, que este Governo está esgotado – Passos parece aquelas séries portuguesas que já ninguém vê mas que, de tempos em tempos, dão de manhã, tipo “Os Andrades”.

5 Bombeiros de Idanha pedem a populares que levem bebidas e bolachas – Bombeiros de Cascais pedem que levem coisas sem glúten.

3 pensamentos sobre “Fogo que arde e se vê

  1. Olá mana

    Está tudo bem ? Como sabes Portugal teve imensos incêndios o que não é para rir, mas acabo de ler esta crónica sobre o assunto e até chorei de riso Desfruta Beijinhos Lita

  2. João Quadros, vous êtes magnifique de drôlerie… je ne rate aucun de vos articles. bravo, ça fait du bien.

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