Dois anos após a implosão do BES

(Nicolau Santos, in Expresso, 05/08/2016)

nicolau

Fez esta semana dois anos que o Banco Espírito Santo implodiu, por decisão do Banco de Portugal. Sabe-se o que levou ao dramático fim do terceiro maior banco português, com uma história centenária, mas há muito por contar sobre o que se passou nos últimos dias.

A decisão do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, de decidir pela resolução do BES (resolução: uma palavra simpática para dizer a morte do BES), está envolta em muitas interrogações. Oficialmente, o que levou à decisão do banco central foi o facto do Banco Central Europeu ter exigido o reembolso de uma linha de crédito de 3000 milhões de euros em escassos dias, além de ameaçar com a proibição da instituição de aceder ao eurosistema.

Dando por adquirido que estes factos aconteceram há que notar várias coisas. 1) foi a primeira vez que este modelo de resolução de um grande banco (à escala nacional) foi aplicado na zona euro pelo BCE, o que permite concluir que o BES serviu de teste ao supervisor europeu; 2) é espantoso que o Banco de Portugal não tenha tido nenhuma capacidade para impedir essa decisão do supervisor europeu, tanto mais que já tinha afastado os responsáveis pela difícil situação em que o banco se encontrava e tendo nomeado para o cargo uma pessoa, Vítor Bento, que merecia a sua confiança e do Governo, e que tinha deixado claro de que precisava de três a cinco anos para recuperar o banco antes de ele ser colocado à venda; 3) sabe-se igualmente que o Governo de Pedro Passos Coelho não levantou um dedo para evitar a resolução do BES.

Ora não é normal que um Governo, por mais liberal que seja, não se importe com o desaparecimento do terceiro banco do sistema por imposição externa. É ver, por exemplo, o que se passou em Inglaterra, com o Governo de David Cameron a nacionalizar o Lloyds para impedir que fechasse portas. A explicação reside no facto de Passos Coelho e Ricardo Salgado se darem pessimamente e do ex-primeiro-ministro ter aproveitado a ocasião para erradicar de vez o poder que o ex-banqueiro detinha na economia portuguesa (à semelhança do que o Marquês de Pombal fez com os Távoras). Mas convenhamos que os estados de alma de Passos Coelho deviam ter sido obrigados a vergar-se ao interesse nacional – e o interesse nacional era que o banco continuasse a funcionar, agora sob a liderança de uma administração que nada tinha a ver com as malfeitorias anteriores.

É que fundar um banco e conseguir que ele ganhe nome no mercado, que seja reconhecido nacional e internacionalmente, demora muitos e muitos anos. Por isso, o BES poderia ter continuado a funcionar com o seu nome, embora com uma composição acionista completamente diferente e sem qualquer capacidade de intervenção das famílias Salgado e Espírito Santo.

Estamos muito longe de conhecer a totalidade das devastadoras consequências do desaparecimento do BES, que era um banco essencialmente de pequenas e médias empresas e um forte apoiante de jovens empresas inovadoras. Sabemos apenas que, com ele, arrastou a PT, a maior multinacional portuguesa, uma equipa que investia pesadamente a economia portuguesa e que contratava o melhor da engenharia e da gestão nacional, além de à sua volta gravitarem uma miríade de pequenas empresas inovadoras.

Pelo contrário, desconhecemos porque é que Carlos Costa convidou Vítor Bento para dirigir o BES e apenas três meses depois se decidiu pela resolução do banco. Não sabemos também porque insistiu para que ele continuasse depois à frente do Novo Banco, garantindo-lhe que teria tempo para preparar a instituição para uma futura venda, e mês e meio depois lhe comunicou que o banco teria de ser vendido em seis meses, o que levou Bento a demitir-se.

Que a estratégia do Governador estava completamente errada provou-o o falhanço da primeira tentativa de venda, em que supostamente havia 17 interessados, depois ficaram quatro e no final nenhuma das propostas foi aceite. Prova-o igualmente o facto do banco ter já acumulado prejuízos de quase 1500 milhões de euros no seu curto período de existência. Prova-o ainda o facto de Eduardo Stock da Cunha ter decidido deixar o cargo de presidente sem cumprir o seu objetivo, que era a venda do Novo Banco.

Ou seja, por consciente inação do poder político da altura e por evidente incapacidade e estratégia falhada do Banco de Portugal, a resolução do BES foi um enorme erro, com consequências devastadoras para a economia portuguesa, cujos cálculos estão muito longe de estar feitos.

6 pensamentos sobre “Dois anos após a implosão do BES

  1. aCçionistas, a CCCCCCCC çionistas – Safa.

    objeCtivo, obje CCCCCCCC tivo – caramba…

    inaCção, ina CCCCC ção – Santa paciência…

  2. Seria talvez demasiado pedir a Passos Coelho tivesse alguma ideia das consequências do colapso do Lehman Brothers em Setembro de 2008. Não consta que na Tecnoforma houvesse particular interesse pelo sistema financeiro global e, além disso, já tinha o prato cheio com os magnos problemas dos aeroportos do centro de Portugal.
    Mas o que é um facto é que o Lehman Brothers, ($639 biliões em activos e $619 em “imparidades”), caiu como se sabe e em breve o tsunami chegou à Europa. Era, à época, Primeiro-Ministro Gordon Brown, (ele e não Cameron), e Chanceler do Tesouro Alistair Darling, ambos do Partido Trabalhista, e teria sido interessante ver com que cara ficaram quando souberam que os principais bancos da Grã-Bretanha estavam, como diria a tia Ângela, totalmente Kaputt.
    O RBS, (Royal Bank of Scotland), era “só” o maior banco do mundo em capitalização com $3.514 biliões e o Lloyds, apesar de ocupar uma mais modesta 31ª posição na escala mundial, ($638 biliões, ambos segundo o balanço de 31.12.2008), eram uma catástrofe de proporções inimagináveis.
    Gordon Brown é escocês, gente que não é dada a tremelicar em situações difíceis, e de imediato nacionalizou ambos, (e o HBO, Halifax Bank of Scotland), com um pacote de ajudas ao sector financeiro de £ 500 biliões.
    Ora Brown é acusado de ter arruinado o Reino Unido, (tal como uma certa pessoa que eu conheço no respectivo país), mas sem a sua acção decisiva e cujo exemplo foi seguido noutros países, mormente nos EUA com o chamado TARP, (Troubled Asset Relieve Program, no valor de US 700 biliões), não diria que tivéssemos voltado à carroça, arado e junta de bois, mas que andaríamos lá perto, disso estou convencido.
    Hoje está tudo bem ? Não, não está. O edifício financeiro Britânico continua rodeado de andaimes e ainda recentemente se soube que o RBS apesar de tanto dinheirinho lá metido pelos contribuintes ainda deu 2 biliões de libras de prejuízo no primeiro semestre deste ano.
    Portugal tinha em 2008 dois Bancos (privados) entre os 100 maiores do mundo: O BCP e o BES. O que aconteceu, no caso do ultimo, é que deitaram fora o menino com a água do banho: Obrigar Ricardo Salgado a comer humble pie era necessário e urgente, e depois seria com os tribunais. Mas a prioridade devia ter sido salvar o essencial.

  3. Costumo seguir as postagens do blog, e há um texto do Expresso Diário de hoje sobre um ex-secretário de estado alemão que argui como só a Alemanha tem a ganhar com o Euro (e na minha opinião, com a crise desde 2008). Seria uma partilha interessante! Bem haja!

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