FMI: é para rir ou para chorar?

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 29/07/2016)

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Um órgão independente do FMI (Independent Evaluation Office), que avalia os programas do Fundo, e no qual se encontra o economista português Sérgio Rebelo, acaba de divulgar a apreciação que faz aos processos de ajustamento conduzidos pela troika em Portugal, Grécia e Irlanda. O retrato é razoavelmente arrasador, embora só seja surpreendente por vir de onde vem. Os críticos já tinham dito o que agora se reconhece por escrito.

Diz o relatório que as previsões eram muito otimistas e que os multiplicadores orçamentais estavam errados. Infelizmente, não se reconhece que uma das causas dos erros nas previsões foi o facto do Fundo ter aplicado aos três países o mesmo modelo que aplica a países com moeda própria – e esperar os mesmos resultados.

Também não se reconhece que havia um profundo desconhecimento do tecido empresarial português. A brutal redução do crédito bancário atingiu profundamente as empresas portuguesas, que sempre estiveram subcapitalizadas e funcionavam com base nos financiamentos da banca para as suas operações correntes. Por via disso, as falências dispararam e o desemprego explodiu.

Depois, temos o caso dos multiplicadores orçamentais errados: em vez de por cada euro de austeridade se verificar um impacto no crescimento de 50 cêntimos, afinal esse impacto foi de 80 cêntimos – o que provocou uma recessão bem mais aprofundada do que se esperava (três anos em vez de um, 7% em vez de 4%).

Temos ainda o reconhecimento de que o pacote de financiamento era curto. Como alguns disseram, em vez dos 78 mil milhões, Portugal necessitava de cerca de 100 mil milhões, porque a reestruturação do setor dos transportes públicos exigia mais 20 mil a 25 mil milhões. Resultado: com menos dinheiro carregou-se mais na austeridade, penalizou-se mais o crescimento e causou-se uma dor social bem maior.

Em seguida, quando já era evidente que a coisa ia por mau caminho, insistiu-se ainda mais na receita. É lembrar o enorme aumento de impostos que Vítor Gaspar nos deixou em legado para perceber que fazer sempre a mesma coisa e esperar um resultado diferente só pode dar mau resultado.

E quando tudo já corria mal alguém se lembrou da célebre desvalorização fiscal, que numa sexta-feira no noticiário das oito Pedro Passos Coelho atirou para cima da mesa como se fosse a coisa mais natural do mundo. A reação de indignação foi tão grande que a medida teve de ser metida na gaveta – e a desvalorização fiscal, uma boa ideia, não voltou a sair do papel.

Ah, é claro que saímos do programa e regressámos aos mercados e que as taxas de juro caíram abissalmente. Mas não nos iludamos. Tudo isso se deve essencialmente ao BCE e ao seu programa de compra de títulos de dívida pública da zona euro. Se de repente ele acabar, as taxas de juro treparão imediatamente por aí acima. E sim, há algum crescimento económico e fizemos reformas. Mas o crescimento é anémico e as reformas incidiram essencialmente no corte de salários e pensões, que sempre foram anunciados como provisórios e estão agora a ser revertidos.

O problema é que reconhecer agora os erros do programa de ajustamento não serve de nada a Portugal. O meio milhão de imigrantes não volta, o desemprego estrutural acima de 10% não se resolve, as empresas que fecharam ou foram vendidas deixaram de ter uma lógica nacional, a fragilidade do sistema bancário é assustadora, e a economia não dispõe de mecanismos para ter um crescimento forte e sustentado.

A par disso, este relatório mostra quão esquizofrénico é o FMI, porque mostra os erros que foram cometidos – mas depois chega a Lisboa Subir Lall, chefe da missão do FMI, e repete que temos de aplicar toda a receita que é agora criticada. Enfim, se não fosse para chorar, era para rir. E o certo é que os programas de ajustamentos podem ser melhorados no futuro, mas a devastação social e económica que causaram em Portugal nunca mais será reparada.

6 pensamentos sobre “FMI: é para rir ou para chorar?

  1. A segunda opinião de um outro “médico “, é invariavelmente diferente do primeiro diagnóstico e, esta é particularmente conveniente para quem sempre foi contra a trioka. Mas será mesmo verdade o que nos diz o segundo “médico “???

  2. Fica a ideia, a meu ver, que Portugal, serviu de cobaia ao FMI, que agora diz que o tratamento proposto não resultou mas, se calhar, só porque foi mal dado, já que ao afirmarem, agora, por escrito, que não serviu, porque propõem a mesma receita.??

  3. Vamos exigir que os culpados sejam julgadosm. As reconhecidadas e erradas medidas de austeridade impostas pelo esquizofrenico FMI e restante Troika, vai continuar por muito tempo a traumatizar todos os portugueses.

  4. Obviamente, tinha razão quem, na altura, se opunha à entrada do FMI – por desnecessário. As provas estão à vista: a economia regrediu, as pequenas e médias empresas desapareceram, as financeiras nacionais (Seguradoras e Bancos) faliram ou foram vendidas ao desbarato a estrangeiros (era o objectivo) para estes recuperarem, em pouco tempo, o que haviam perdido numa noite (queda do Lemman Broders) e os nossos ricos continuam a melhorar a sua posição no ranking da “Forbs”. Entretanto, a vida nunca corre mal para todos! Alguns estão agora excelentemente colocados nas empresas que serviram (com muita eficiência, diga-se em abono da verdade): FMI, Goldmann Sachs e demais partners…

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