Não foi agora

(Daniel Oliveira, in Expresso, 23/07/2016)

Autor

                  Daniel Oliveira

Como é possível Donald Trump ter sido escolhido como candidato dos republicanos? Depende do que se fala quando se faz essa pergunta. Como foi possível tantos americanos votarem em alguém que tem um discurso tão ofensivo e perigoso? Os americanos não são melhores nem piores do que os britânicos, franceses, húngaros ou austríacos. Sentem a mesma ansiedade perante uma globalização, abalada por sucessivas crises financeiras, que está a deixar demasiadas pessoas de fora para que a democracia continue a funcionar. Repito o que escrevi sobre o ‘Brexit’: tratar estas pessoas como ignorantes é atacar os sintomas.

A maioria dos apoiantes de Trump que conheci em Cleveland são pessoas normais, medianamente informadas, com preocupações comuns à de muitos americanos e muito zangadas. Como foi possível alguém que não faz a mais pálida ideia do que fala chegar à nomeação? Trump é mais tonto ou impreparado do que era George W. Bush? É só mais difícil de manipular, o que o torna mais imprevisível.

Como foi possível um homem que é difícil de distinguir de Marine Le Pen ou Nigel Farage ser o candidato nomeado por um dos dois grandes partidos de uma das maiores democracias do mundo? A degenerescência radical dos republicanos não é de hoje. Foi um processo lento e gradual.

Começou no final dos anos 60, continuou com Reagan e o seu conservadorismo agressivo, deu um novo salto com os neoconservadores e continuou com o nascimento do Tea Party e o peso crescente da Fox News na construção das narrativas da direita norte-americana. E consumou-se quando um homem decente como McCain teve de escolher Sara Palin para sua candidata a vice. Estavam finalmente reféns. Trump não é a continuação desta radicalização, até porque as suas posições não são fáceis de encaixar na tradicional divisão ideológica norte-americana. Ele é o dia seguinte a essa radicalização. O dia em que os republicanos já estavam suficientemente perdidos para serem liderados pelo primeiro milionário populista que se chegasse à frente.

A resistência que Trump encontrou no establishment republicano nada tem a ver com as suas posições políticas, mas com o facto de ser um corpo estranho ao partido. Basta ver como Ted Cruz conseguiu, no seu discurso na convenção, repetir toda a agenda de Trump para depois não lhe declarar apoio. Ou como Rudy Giuliani e Chris Christie, a fina flor do establidment republicano, o antigo mayor de Nova Iorque e o atual governador de Nova Jersey, alinharam com a assustadora retórica que aposta no medo e na criminalização dos adversários. Basta ver como Karl Rove e a Fox News se converteram e como os ultraconservadores religiosos determinaram a escolha do vice para perceber que Trump já foi adotado pela maioria dos republicanos. Porque pode vir a ser novo presidente e ninguém quer ficar longe do pote e porque nada de muito importante o separa do que é hoje, em 2016, o mainstream republicano. É mais moderado em matéria de costumes e muito mais incorreto na forma como apresenta a agenda extremista da direita norte-americana. O que, nos dias de hoje, em que a alarvidades retórica é vista como sinal de rebeldia e honestidade intelectual, até costuma ser apontado como uma qualidade. Sim, o prato é horrível. Mas alguém o andou a cozinhar.

5 pensamentos sobre “Não foi agora

  1. Na minha humilde e leiga (no que respeita aos bastidores da “cozinha”) opiniao, Trump é o americano escarrado e chapado, maioritario, que naquela triste terra emerge como cogumelo. E nao duvido que represente bem mais que 50% do eleitorado; zangado, como diz Daniel, perdido, mas sobretudo com a auto estima a rasar o desespero. O Americano que eu conheço, e conheço alguns, é isso mesmo, um trumpezinho, mas nao tao rico nem poderoso. O americano comum é boçal mesmo, é ignorante, é belingerante, é vaidoso (do nada que sabe e do tudo o que tem), o americano viajado é aquele que ja visitou o estado adjacente, e o culto aquele que ja viu um pouco abaixo do seu proprio umbigo. Eles sao o centro do mundo num mundo em que mais de metade vigia, controla, e segrega o pouco que sobra. Sera possivel imaginar um pais em que ha estados onde é proibido vestir de verde às quartas feiras, ou comer milho às quintas?- onde existem as leis mais ridiculas quem nem o mais criativo dos humoristas consegue imaginar para as suas rabulas? – Mas de facto é isso mesmo. Americano comum (saindo das grandes cidades) é primario basico e usa mesmo pistola à cintura, convicto que pela violencia e so pela violencia ira dominar o mundo.
    Neste contexto nao é de estranhar Bush(s), Reagen, Trump e o que mais o futuro nos trouxer. Sao Americanos genuinos.

  2. Estátuamiga

    Concordo 179,4% com o Danie de quem, aliás, sou um fã convicto. E há já um empate técnico… Livre-nos Deus (que não existe) ou livre-nos o Diabo (que também não existe…)

    Abç do Leãozão

    Espero-te na NOSSA TRAVESSA. Está lá um texto meu: A miúda queria ser manequim de montra

    • Olá. Obrigado pelo seu comentário. Quiz colocar o seu blog, “anossatravessa” nos blogs sugeridos pela Estatua mas o sistema diz que não o encontra. Há algum truque para o fazer?

  3. Não compreendo esta aversão ao homem!
    Entre uma doida varrida com as mãos sujas de sangue de pessoas inocentes, mentirosa, psicopata, e mansa… O Trump é um menino de coro.
    O discurso dele é uma coisa, as acções serão outra coisa! Faz tudo parte do circo para conseguir VOTOS, tal e qual como cá em Portróical!

    Um resumo do que é a Killary (só para os Amigos!)

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