Não são as metas, é a obediência

.(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 05/07/2016)

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                         Daniel Oliveira

O presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), Klaus Regling, disse, no final da semana passada, que o “o único país que preocupa é Portugal, independentemente do Brexit”. Não vou desenvolver aqui o absurdo das suas prioridades. Nicolau Santos já o fez com toda a clareza. Interessam-me mais as razões que o senhor apresenta para a sua preocupação.

Para além de criticar o aumento do salário mínimo (o que diz bem do que considera ser a via para a nossa competitividade), o presidente do MME avisa que o Governo pode vir a ter de resolver problemas no sector financeiro com recurso a fundos públicos. Problema que não o preocupou quando deu os “parabéns” a Portugal pelos “resultados positivos” conseguidos pelo anterior governo, em abril do ano passado, depois de um resgate a um banco e logo antes do resgate a outro. Fica claro, pela total incoerência, que o único critério de avaliação que interessa aos alemães e às instituições europeias que dominam é a obediência de cada Governo. Como qualquer poder imperial.

Klaus Regling trabalhou na Associação de Bancos Alemães, no FMI, na City londrina, como gestor de “hedge funds”, e foi, como vários dos economistas que saltitaram entre a especulação financeira, a banca e as instituições públicas, um dos ideólogos das asneiradas da troika em Portugal e na Grécia. Ainda em 2013 sublinhava os enormes progressos gregos. Como se viu, correu otimamente.

Note-se que a posição deste burocrata alemão pretendeu ser pública e quis obviamente reforçar o efeito das declarações do seu ministro das Finanças. Ela não se sustentou ou quis sustentar em quaisquer dados financeiros e económicos, que o próprio não referiu nas suas declarações, mas na suposta inobservância das políticas impostas a que eufemisticamente chamaram “reformas”. E o exemplo dado para uma reversão preocupante foi o aumento do Salário Mínimo Nacional. Ao que parece, congelar o salário mínimo era uma “reforma”.

Quem julgue que as declarações de Schäuble foram um deslize deve estar com mais atenção. A mensagem é clara: ou voltam à subserviência total, aplicando as “reformas” independentemente dos seus efeitos, ou nós nos encarregarmos de, primeiro com palavras e depois com atos, minar a confiança no vosso país. Foi esta a lição que tiraram do Brexit, que querem rapidamente fazer esquecer, criando outras frentes de batalha. E assim continuarão até terem aos seus pés uma Europa em ruínas.

A confirmação do espírito que anima a União veio no domingo. A Comissão Europeia terá dado três semanas para medidas que corrijam o défice. Na realidade, não deram semana nenhuma. A Comissão decidia hoje, o Ecofin decidia a 12 e Portugal tinha 10 dias para contestar. As três semanas já correspondiam ao que estava estipulado no processo. A afirmação não passou de mais uma forma de pressão política.

As sanções estão supostamente dependentes de medidas que corrijam o défice. Só que o défice que ultrapassou as metas, e é o único que está em debate, foi o de 2015. Não pode ser corrigido, porque este Governo não tem a capacidade de mudar o passado. Teria sido necessário a Europa ter mandado o governo anterior corrigir as suas políticas que, por acaso, até eram as políticas que a Europa impunha. Teria sido necessário, por exemplo, ter resolvido a tempo o problema do Banif, que a Europa ajudou a empurrar com a barriga para não sujar a saída limpa. Quanto ao défice deste ano, as previsões da própria União não indicam qualquer necessidade de correção. E não consta que haja sanções para orçamentos não executados.

A utilização destas sanções, pela primeira vez na história da União, para impor determinadas “reformas”, muitas delas sem qualquer impacto nas contas públicas, e não para punir desvios orçamentais, é uma forma de manter um país não intervencionado na mesma situação em que estava quando era intervencionado. Transforma a excecional perda de soberania imposta durante a intervenção da troika num estatuto permanente.

E assim impõe a Estados políticas que não estão inscritas em qualquer tratado. Passou a ser proibido a países como Portugal aumentarem o salário mínimo nacional, por exemplo. Se assim for, qualquer governo que não caia no goto da Comissão e da Alemanha passará a estar impedido de tomar qualquer decisão. Basta fazer depender a aplicação de regras da aceitação de determinadas políticas.

Um pensamento sobre “Não são as metas, é a obediência

  1. Bem vindos aos IV Reich !
    Isto vai acabar muito mal e já nada o pode impedir, infelizmente.
    É melhor os ignorantes começarem a tirar dos armários os livros empoeirados que lá têm, e que falam da meia dúzia de anos que precederam a II Guerra Mundial. É um déjà-vu.

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