O que Schäuble fez é inadmissível

(Nicolau Santos, in Expresso, 02/07/2016)

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O ministro alemão das Finanças estava numa conferência e a ser confrontado com perguntas sobre a solidez do Deutsche Bank quando resolveu dizer que o preocupava muito mais a situação de Portugal. “Schäuble diz que Portugal pediu um novo programa e vai tê-lo”, sentenciava a agência Bloomberg às 15h07 do dia 9 de junho, informação corroborada pela Reuters pouco depois. Estupefação geral até Schäuble esclarecer que Portugal não pediu nenhum resgate, mas que “está a cometer um erro grave se não cumprir os compromissos assumidos”. Mas de que fala Schäuble? O Governo português disse alguma vez que não ia cumprir os compromissos europeus? E se sim, onde e quando?

Pois bem. Algumas horas depois sabia-se que a filial norte-americana do Deutsche Bank chumbava, pelo segundo ano consecutivo, os testes do stresse levados a cabo pela Reserva Federal por ter encontrado “falhas significativas” no que respeita aos aspetos “qualitativos” de retorno de capital aos acionistas, baseados em pressupostos que “não são razoáveis nem apropriados”. E o FMI fazia sair um relatório considerando o Deutsche Bank como a instituição que apresenta maiores riscos para o sistema financeiro a nível global, seguido do HSBC e do Crédit Suisse. No ano passado, o Deutsche registou prejuízos recorde de €6,8 mil milhões, está a braços com múltiplos processos na justiça devido a acusações de manipulação das taxas Libor e Euribor e há sérias dúvidas dos analistas sobre a sua capacidade para pagar 1,75 mil milhões de obrigações convertíveis (CoCos) que emitiu em anos anteriores.

O ministro alemão das Finanças atirou a porcaria para o quintal do vizinho para evitar falar da que tem no seu e para criar dificuldades adicionais ao Governo português

Ou seja, Schäuble atirou a porcaria para o quintal do vizinho para evitar falar da que tem no seu. Mas é mais do que isso. O ministro alemão suporta muito mal os que não pensam como ele. Foi ele que impôs a Alexis Tsipras a resignação de Yanis Varoufakis, foi ele que admitiu a possibilidade de a Grécia sair do euro, foi ele que obrigou o Governo de Tsipras a ajoelhar e a aceitar uma nova dose cavalar de austeridade. E é ele que não suporta que o Governo português esteja a seguir uma orientação económica que não está conforme aos ditames do Eurogrupo, que são a concretização prática do seu pensamento.

Por isso, Schäuble não se equivocou nem está com Alzheimer. Disse o que disse de propósito, para desviar atenções do Deutsche e para pressionar o Governo português, de que não gosta e cuja política económica contradiz aquilo em que acredita, criando-lhe dificuldades adicionais que levem à sua demissão.

O que Schäuble fez foi feio, porco e mau, ainda por cima poucos dias depois do ‘Brexit’ e quando mercados e investidores passam por uma fase de enorme instabilidade e insegurança. Conheço poucas palavras de alemão, mas há uma que envio a Schäuble — embora não a escreva porque este é um jornal bem-educado.


O MAAT, a EDP e Portugal

Nenhuma empresa representa um país, mas há empresas que são um exemplo de excelência e de responsabilidade social num país. A EDP é seguramente uma das grandes empresas nacionais onde se alia uma enorme competência técnica e uma estratégia corajosa e inovadora a uma alargada responsabilidade social. A EDP apoia projetos de inclusão social (27 em 2016) e de saúde (12) — o programa EDP Solidária existe desde 2004 e já tocou a vida de mais de 500 mil pessoas em situação vulnerável —, bem como a atividade e a criação artística, devolvendo assim à sociedade parte do muito que a sociedade lhe dá. Agora dá à capital, a partir de 29 de junho, o MAAT — Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, dirigido por Pedro Gadanho, que promete ser um polo de atração nacional e internacional. Se o Porto mudou com a Casa de Serralves, Lisboa vai mudar com o MAAT.


A economia está a afocinhar

O economia está a afocinhar. Não é possível iludir o que tem vindo a ser confirmado por todas as previsões. A penúltima, da OCDE, apontava para 1,2%; a última, da Comissão Europeia, para 1%. É quase metade dos 1,8% previstos pelo Governo. Parte do problema está nas exportações: menos 45% para Angola, menos 35% para o Brasil, quebras significativas para a China…; parte na falta de investimento e parte no abrandamento do consumo. E aqui ainda não se incluem os efeitos que o ‘Brexit’ terá sobre a economia europeia e, por tabela, sobre nós (exportações para o Reino Unido, turismo britânico no Algarve). I.e., mesmo a ideia de que a economia vai crescer mais na segunda metade do ano está em causa. Não adianta, pois, António Costa e Mário Centeno taparem o sol com a peneira. Há que reconhecer o óbvio e corrigir o quadro macroeconómico. A credibilidade nunca fez mal a ninguém.

A dor feliz de Botton e Relvas

Julga que não me doeu? Ah, pois doeu. Mas tinha de ser”. As palavras são de Filipe de Botton após ser conhecido que o fundo norte-americano Carlyle vai entrar no capital da Logoplaste, a terceira maior companhia transformadora de plástico rígido da Europa e uma das dez maiores do mundo. Não é seguramente fácil ‘dar’ metade de uma empresa fundada pelo pai, Marcel de Botton, com base num conceito revolucionário de gestão e depois fortemente desenvolvida por Filipe e Alexandre Relvas. Nem tudo foram rosas, contudo, e o mercado brasileiro revelou-se padrasto (mais uma vez) para uma companhia portuguesa. Agora, para continuar a expansão nos EUA e em novos mercados europeus, a Logoplaste precisava de capital. Isso implicava ceder grande parte do capital da companhia. Dói, seguramente. Mas é o caminho certo para as empresas que querem crescer e ter sucesso no século XXI.


Entro na minha fortaleza

tranco a porta com ligeireza

defendo-me com destreza

do mundo

que não entendo

da gente

que não compreendo

Aí no meu castelo

castelo de cristal

sem grades

nem seguranças de metal

eu me fecho

desligo ligeiro

do mundo inteiro

No meu castelo

castelo de cristal

sem grades

nem seguranças de metal

eu vivo só

eu vivo sozinha

o meu sonho de exílio

O meu sonho de rainha


(Maria Teresa Ramos, ‘Meu sonho de rainha’, in “Na estação errada”, DG Edições, agosto de 2011. Declaração de interesses: a autora do poema é a mãe do responsável desta página.)

Um pensamento sobre “O que Schäuble fez é inadmissível

  1. O que foi feito pelo ministro alemão das finanças, merecia outro tipo de comentário, por
    parte do nosso Presidente da República que, foi muito “soft”, tratou-se de baixa política
    em prejuízo do nosso País!

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