Menos tática, mais patriotismo

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 29/06/2016)

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                        Daniel Oliveira

Catarina Martins propôs, no fim de uma convenção do Bloco ofuscada pelo Europeu, o Brexit e as eleições espanholas, um referendo à Europa se formos alvo de sanções. Todos os partidos tomaram posição. O Presidente também. E eu não posso deixar de os acompanhar, provavelmente com argumentos um pouco diferentes dos de Belém.

Marcelo explicou que o referendo é uma possibilidade que não se põe porque “Portugal está na União Europeia, sente-se bem na União Europeia e quer continuar na União Europeia”. A frase é um pouco tautológica. Se Portugal não estivesse na União Europeia dispensava-se um referendo. E se quer estar na União Europeia é coisa que só um referendo poderia esclarecer. Cada um terá o seu palpite, mas não passa disso mesmo. Eu também achava que os portugueses queriam ter, como a generalidade dos países europeus da sua dimensão, a regionalização que já constava na sua Constituição. Até que Marcelo, para criar um facto político, conseguiu mudar a lei fundamental e referendar a coisa. E os portugueses acabaram por dizer que não queriam o que à esmagadora maioria dos europeus, à direita e à esquerda, parece uma medida básica de racionalidade económica, administrativa e política.

Dito isto, confesso que não percebi a proposta. Posso perceber o seu valor táctico para o Bloco, não percebo é o sentido político para o País. Um povo não decide o seu futuro na Europa porque foi sancionado. Quando muito decide-o porque a existência das sanções é errada. Um País não decide coisas com esta relevância por causa desta ou daquela sanção. A proposta é pouco séria.

Note-se que não sou contrário à existência de um hipotético referendo à permanência no euro ou mesmo na União Europeia. Isso exigiria, antes de mais, uma alteração da Constituição. Uma alteração que seria sensata, obrigando a que transferências de soberania de maior importância fossem obrigatoriamente referendadas. Há quem ache isto pouco democrático, sobretudo quando o resultado é desagradável. Eu, por acaso, até acho que são estes os assuntos que devem ser referendados. Mas parece-me que este tipo de proposta deve ser tratada com dignidade. Referendar a nossa participação da União Europeia ou no euro não pode traduzir-se numa ameaça perante esta ou aquela sanção. É um ato democrático com implicações tais que a leviandade com que foi apresentado me deixa estarrecido.

A aplicação de sanções é perigosa porque é estreada com um governo que não foi responsável pelo desvio mas é mais distante das teses dominantes em Bruxelas, passando a ideia de que se trata de uma vingança política. É injusta porque é aplicada a um Estado que, segundo todas as previsões, está na rota de cumprimento. É estúpida porque terá como único efeito impedir que o País cumpra, este ano, essas metas. Parece que a União está decidida a sabotar-se a si mesma.

Se as sanções forem mesmo aplicadas, como muitos dados começam a indicar, não é só a credibilidade deste governo (que depende dos resultados que tiver para apresentar no fim do ano) e do anterior (responsável pelo desvio) que estarão em causa. A decisão seria de tal forma estapafúrdia e, perante a situação de outros Estados, de tal forma discricionária que se limitaria a aumentar ainda mais a as desconfianças face a esta União. Diria que falta a Bruxelas o mínimo de sentido político nas suas decisões. Mas o facto de terem esperado para depois das eleições espanholas, garantindo assim a continuidade do PP no governo de Madrid, demonstra que isso não é bem assim.

Ao contrário de Marcelo, eu sou mesmo comentador e é-me permitido dizer que é minha profunda convicção que a esmagadora maioria dos portugueses ainda se quer manter na União e no euro, mesmo que nela e nele já não depositem o entusiasmo do passado. Marcar um referendo sobre este tema para pressionar Bruxelas teria o efeito exatamente oposto ao pretendido: mobilizaria os portugueses contra quem exige respeito pelo País. O que é necessário, e seria altura de cada um sair do seu quintal, é um movimento patriótico que mostre a Bruxelas que não aceitamos esta absurda arbitrariedade. Tirando alguns dos que receberam a troika com fanfarra e alegria, parece haver um consenso nacional nesta matéria. Talvez seja altura de ser o povo transmiti-lo, na rua. Sem ameaças que todos sabemos que acabarão em nada. Mas com a determinação de um povo a quem resta algum amor próprio.

2 pensamentos sobre “Menos tática, mais patriotismo

  1. Se na generalidade, e posso ate confessar, me identifico com os pareceres e opinioes do colunista e comentador, no assunto em epigrafe, ouso colocar-me suficientemente distanciado do que diz, e mesmo sem ofender, me colocar numa posiçao diametralmente oposta. Quem gere o BE é Catarina, e tem-no feito de forma exemplar. Quem sabe do seu timing é ela, e nao o colunista que neste aspecto parece ter esquecido que ja saiu do BE, por nao ser um militante crente, digo eu, mas apenas, o defensor de uma ala e de um pensamento, la derrotado. Nenhum Ingles é ou sera menos europeu que qualquer portugues, depois do brexit. Os que os nossos velhos aliados (porque podem) disseram foi nao à UE alema e ao IV Reich. Ora, se ha muito somos tratados como os filhos lazarentos desta UE, e se mais uma vez esta se prepara para ser injusta, e mais, nos vir cobrar juros de incumprimento, eu CONCORDO plenamente com a postura do BE e crente que à semelhança da Grecia podemos e devemos dizer Basta.

  2. Resolver o assunto na rua? Com uma enorme manife? Depois de tantos enganos … o amor próprio?
    Creio que o Daniel Oliveira está numa crise de negação pois, já teve melhores dias de opinião! o ca-
    minho passará por contrariar o Presidente Marcelo que, começa a dizer redundâncias, não é tão “nor-
    mal” o “ataque” feito a Portugal pelo ministro alemão das finanças … merece uma resposta adequada!!!

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