Vamos lá então falar sobre a Caixa

(Nicolau Santos, in Expresso, 18/06/2016)

nicolau

O PSD quer saber de quanto é que a Caixa Geral de Depósitos precisa para reforçar o seu capital e o que justifica esse montante. Quer o PSD saber e queremos todos nós. Mas se é para saber mesmo, então vamos começar a contar a história desde o princípio, quando em 1995 Rui Vilar abandonou a presidência da instituição. A partir daí, pouco a pouco, PS, PSD e CDS politizaram as sucessivas administrações da CGD e utilizaram-na para os seus objetivos, quer de negócios quer para pagar favores políticos. Passou a ser aceite como natural haver a quota de administradores do CDS (Celeste Cardona, Nuno Fernandes Thomaz…) e os presidentes deviam ser do PS quando o PSD estava no poder e vice-versa. Foi possível assistir a uma batalha entre um chairman (António de Sousa) e o CEO (Mira Amaral), acabando os dois na rua. Foi possível um dos melhores secretários de Estado dos Assuntos Europeus que o país conheceu, Vítor Martins, ser nomeado presidente da CGD, sem ter experiência de banca. Foi possível o escândalo, durante a administração de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, de a CGD financiar o empresário Joe Berardo para este comprar ações do BCP e intervir na guerra pelo controlo daquele banco — dando como garantia as ações… Foi possível, no tempo de Faria de Oliveira, ver a Caixa apostar no mercado espanhol e a estratégia saldar-se por um rotundo falhanço, com pesados prejuízos. Foi possível obrigar a Caixa a engolir o BPN e suportar as pesadas perdas associadas.

Foi possível assistir a uma pessoa sem cargo oficial mas que apoiava o Governo PSD/CDS nas privatizações, o falecido António Borges, obrigar a administração da Caixa a vender a sua participação na Cimpor por um preço claramente inferior ao que o mercado estaria disposto a pagar — com a CGD a engolir as perdas.

A CGD também teve de tomar participações acionistas no BCP e na PT, que depois teve de vender com largos prejuízos. Enfim, como sintetizou Nogueira Leite, vice-presidente da Caixa no tempo de Faria de Oliveira e que se demitiu, a Caixa funcionou, demasiado tempo, como “barriga de aluguer da política pública, da política governamental, da criação de campeões nacionais, centros de decisão nacional ou do que quer que fosse”. E a responsabilidade é de sucessivos governos do PS, PSD e CDS, que se entenderam ao longo de anos para partilhar a Caixa como um despojo das suas guerras políticas. Acresce que cerca de 50% do crédito concedido pela Caixa é para financiar a compra de habitação, o que, tendo em conta a evolução das taxas de juro, prejudica muito os resultados.

A pouco a pouco, PS, PSD e CDS politizaram as administrações da CGD e utilizaram-na para os seus objetivos, quer de negócios quer para pagar favores políticos

É por tudo isto que a Caixa vai precisar de um pesado aumento de capital. E é também por isso que vai ter de reduzir dois mil postos de trabalho. Heranças dos desmandos de sucessivos governos — que, mais uma vez, serão pagos pelos contribuintes.


15 MEDIDAS PARA PROMOVER A CAPITALIZAÇÃO DAS PME.

A subcapitalização das empresas portuguesas é um dos problemas mais graves da economia nacional. E quando a isso se junta um elevado endividamento, então temos um nó górdio. É para o desatar que o ministro da Economia, Caldeira Cabral, anunciou um pacote com 5 eixos, 15 medidas e 131 propostas que, no fundo, pretendem fortalecer e capitalizar as empresas, através de um acesso mais fácil ao Plano Juncker, de uma conta corrente Estado-empresas, do incentivo à conversão de suprimentos em capital ou do acesso ao mercado de capitais. Pode não resultar. Mas que se aponta para o bom caminho isso é indiscutível.


Se houver ‘Brexit’ também nos vai bater à porta

Se no dia 23 de junho os cidadãos britânicos decidirem pela saída do Reino Unido da União Europeia estaremos perante um acontecimento completamente novo e de consequências imprevisíveis. Para já, o que se vê são os investidores a fugir para títulos de refúgio (da Alemanha ou Suíça) e, por causa disso, assiste-se à subida das taxas de juro para os países periféricos e à quebra dos principais índices bolsistas do velho Continente. Mas essa saída implicará também que o centro da União se deslocará mais para leste e que a Alemanha se tornará definitivamente o país que manda nos destinos da UE. Mais: desta saída decorrerá um enfraquecimento das relações transatlânticas, porque bem se sabe que o Reino Unido é o maior e melhor aliado dos Estados Unidos na Europa. Acresce que o ‘Brexit’ pode levar a Escócia a insistir em tornar-se independente e a pedir depois a adesão à União Europeia. E se assim for também a Catalunha insistirá no caminho que pretende fazer de tornar-se independente de Espanha, criando uma enorme instabilidade na Península Ibérica. E é aqui que quero chegar. O ‘Brexit’ diz respeito aos britânicos e à Europa, mas diz também muito respeito a Portugal, até porque um recente estudo de uma consultora internacional, a Global Counsel, coloca Portugal no quarto lugar dos Estados-membros mais afetados por esse eventual acontecimento. Entre os vários fatores que contam para este resultado estão os emigrantes que vivem no Reino Unido (e é bom lembrar que, nos últimos três anos, a ilha de Sua Majestade foi o principal destino de emigração dos portugueses, onde devem residir atualmente mais de 150 mil nacionais) e as exportações (para aquele mercado seguem cerca de 7% das vendas dos nossos produtos). Ora o ‘Brexit’ terá sempre um enorme impacto na economia britânica, com custos económicos elevados para o sector empresarial, o mercado de trabalho, as condições de vida e as finanças públicas. Cruzemos, pois, os dedos. O ‘Brexit’ não é do interesse da Europa, mas é ainda menos do nosso interesse.


as janelas abertas são muito importantes

pelo menos simbolicamente. o

tamanho das janelas é variável. têm

a propriedade de nos deixar ver a rua

quando estamos doentes ou chove muito

e não queremos sair. sustêm os seios das mulheres.

vou contar uma história de janelas: era pelo

verão e eu acabava de vir da novena com a minha

criada. eu tinha os meus treze anos. então

ela ia para a janela namorar.

e enquanto namorava eu escondido por trás

metia-lhe a mão pelas pernas. tirava-

-lhe as cuecas. beijava-a toda até ao parapeito.

e despia-me todo e era muito feliz e ela

agarrava-me por baixo também. o namorado chegava a dizer

para ela descer a escada. tudo por causa

da conversa que ela arranjava e dos gemidos

que dava. às vezes ia-se embora muito triste

e os dois todos molhados fechávamos a janela

com um até amanhã à noite. as janelas

abertas são muito importantes. a gente

vê passar as procissões. os carros. tenho

recordações de janelas que só eu sei. até

uma vez parti os vidros duma. nunca namorei

à janela. é muito importante. as

janelas fazem-me lembrar olhos. e traições.


(José-Alberto Marques, ‘as janelas:’, in “Estórias de Coisas”, 1ª edição Contraponto 1971, 2ª edição Bonecos Rebeldes, maio de 2008)

2 pensamentos sobre “Vamos lá então falar sobre a Caixa

  1. E se no Sul houver também um grande movimento de “fartos disto” ? Podíamos pensar num “Sulexit” contando com a Espanha, o Portugal, a Itália, a Grécia e a França, para criar um grande Sul europeu social-democrata, e escapar aos “diktats” da Alemanha do Schaübble, e da City londrina que só pretendem jogar aos casinos com os nossos recursos. Na condição tbm de meter ordem nos aprendizes da finança cá do sítio…moralizando a CGD de vez (menos funcionários e mais gestão honesta!)

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