Os media enganam a oposição

(Daniel Oliveira, in Expresso, 10/06/2016)

Autor

                      Daniel Oliveira

Quem conheça a vida política portuguesa através das televisões vê um governo relativamente impopular, um País sempre à beira do abismo, um primeiro-ministro habilidoso mas que não é especialmente respeitado por ninguém. As polémicas sucedem-se e quando não há polémicas há leituras seletivas dos indicadores económicos e orçamentais, que tornam incompreensível o facto do País ainda não ter implodido. Quando nem esses números existem, há a ameaça de sanção que depois não vêm, a ameaça de veto europeu que depois não chega, a ameaça de descida de rating que depois não existe e previsões que são quase apresentadas como factos. Não é que estas coisas sejam falsas. É o olhar que se faz sempre de um modo e de um lado que nos dá um retrato destorcido da realidade.

Perante este olhar, são sempre surpreendentes, para quem use o ecrã do televisor para ler o sentimento dos portugueses, os resultados das sondagens. As da Aximage, que são as últimas que vi, dão ao conjunto dos partidos da geringonça uma subida quase permanente desde o início do ano. Tinham, em janeiro, 50,9%. Têm, no princípio deste mês, 55,4%. Pelo contrário, PSD e CDS tinham, em janeiro, 39,8% e têm, agora, 36,3%. Não é uma alteração repentina. Tem sido continuada e consistente.

Ajudam a explicar estes resultados as reposições de rendimento do início do ano e o fim dos ralhetes moralistas a quem está a passar dificuldades. As pessoas tendem a gostar de boas notícias. Alguma animação do mercado interno, com o aumento do consumo privado, também. Alguns indicadores gerais explicam-se, muitas vezes, por fenómenos que na realidade são irrelevantes para a vida das pessoas: o aumento do desemprego resulta do aumento da procura de emprego de pessoas que tinham desistido, não da perda de empregos e a descida do investimento tem uma forte contribuição do fim de grandes obras públicas, como o túnel do Marão, só para pegar em dois exemplos. A economia não está a relançar-se, é verdade, muito por causa da quebra nas exportações que tem razões internacionais conhecidas. Houve um aumento do rendimento, um aumento do consumo interno superior ao aumento das importações e, sem medidas de austeridade e com reversões, não temos novos dramas com o défice, que está bem encaminhado. A execução de abril trouxe boas notícias e o cenário de catástrofe iminente é, até ver, nada mais do que um cenário desejado.

Não se pede ao PSD e ao CDS que sublinhem estes factos, até porque há suficientes nuvens sobre o país para não o terem de fazer. Sempre me pareceram bastante patéticas essas exigências. Mas espera-se que tenha uma narrativa para fazer oposição. Não têm. Talvez Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas sejam enganados por uma história mediática que não é acompanhada pela perceção direta das pessoas e isso esteja a impedir que compreendam quais são hoje os seus sentimentos.

Este equívoco foi especialmente evidente no caso da polémica dos contratos de associação. PSD e CDS defenderam uma posição tremendamente impopular, mesmo para o seu eleitorado. Convencidos da sua postura ideológica, que despreza tudo o que seja público, ignoram que este não é o sentimento da sua base social de apoio. Nunca foi. Passos foi beneficiado pela crise de 2008-2011 e conseguiu impor medidas impopulares de redução do papel do Estado com base na ideia de que eram inevitáveis. Mas parece ter passado a acreditar que o facto das pessoas as terem aceite implicava a sua adesão ideológica ou emocional a uma agenda de liberalização e desestatização. Engana-se: a maioria da base social da direita portuguesa identifica-se com a defesa da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde e não tem qualquer desejo de ver privatizadas as principais funções sociais do Estado. O bombardeamento ideológico promovido por uma comunicação social totalmente descentrada do consenso político nacional é que dá ilusão do oposto.

Este descentramento foi especialmente evidente em todos os protestos dos colégios privados. Mais uma vez, quem acompanhasse as notícias acreditaria, como até foi escrito por vários comentadores, que tinha nascido “a rua da direita”. E a rua da direita mobilizava-se, vejam bem, em torno do financiamento público de colégios privados. É preciso ter uma visão muito destorcida da realidade social portuguesa para imaginar, por cinco segundos que seja, que tal fosse possível.

A mesma Aximage tornou pública uma sondagem sobre a posição dos portugueses em relação aos contratos de associação: 78,9% concorda com a posição do governo, 13,7% está do lado dos colégios e 7,3% não tem opinião. Que Passos e Cristas não o tenham compreendido imediatamente, e tivessem de esperar pelas reações das suas próprias bases militantes para refrear a sua excitação, só demonstra como vivem dentro de uma bolha política e social. É a mesma bolha que os levou a acreditar que o discurso do “golpe” de esquerda, já meses depois de António Costa ter tomado posse, dizia alguma coisa a quem não fosse um indefetível.

Claro que todo o ambiente pode mudar. Os bancos podem rebentar, a Europa pode impor novas medidas, a economia europeia e nacional podem colapsar. E aí, como sempre, quem estiver no governo será fortemente punido. Mas o PSD e o CDS podem contar com a desgraça nacional para se transformarem em alternativa. O problema é que quando tem um discurso seu, que não seja a profecia da tragédia, a oposição compra as guerras erradas. Talvez não devam não acreditar em tudo o que veem nos telejornais.

Um pensamento sobre “Os media enganam a oposição

  1. A televisão portuguesa se desacredita cada vez mais a cada dia que passa. Sinto que A.Costa é popular entre os Portugueses, só nos jornais televisivos é que fazem cara feia a tudo o que é “geringonça” que não pode senão desagradar aos donos da imprensa sejam eles quais forem (RTP TVI SIC &Cie). Por mim a geringonça funciona, e deve continuar a funcionar assim. (Receios mesmo assim com a situação da CGD)

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