Como se muda o que parecia imutável

(Nicolau Santos, in Expresso, 10/06/2016)

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O Governo PSD/CDS nunca bateu o pé à troika. Pelo contrário, o seu lema foi fazer mais do que a troika impunha, como forma de ganhar as boas graças dos credores e alguma benevolência quando as metas não fossem alcançadas. E isso, pelo menos, conseguiu. As metas dos défice para cada um dos anos 2011-2014 nunca foram as que estavam nos orçamentos iniciais, houve oito orçamentos retificativos durante esses quatro anos (dois por cada ano), mas a troika foi sempre magnânima com essas derrapagens.

É bom lembrar esta atitude da Comissão Europeia, do BCE e do FMI agora que há um encarniçamento por parte de quase metade dos comissários europeus e do Eurogrupo, com o presidente Jeroen Dijsselbloem à cabeça, a exigirem a aplicação de sanções a Portugal e Espanha por não terem saído do Procedimento por Défice Excessivo em 2015. Como é evidente, trata-se de uma enorme injustiça para com Portugal, não só devido à trajetória descendente do défice desde 2011, como porque todas as previsões internacionais, inclusive da Comissão, consideram que o nosso défice ficará este ano abaixo dos 3%.

Ao lutar contra as sanções e pelo aumento de capital da CGD, António Costa está a defender os interesses do país. Foi isso que não foi feito nos últimos quatro anos

Ora em política o que parece é. E o que parece é que houve toda a benevolência para com um Governo que falhou todas a metas do défice, porque fazia tudo o que lhe era imposto e ainda batia palmas; agora parece haver uma enorme raiva e uma desmesurada vontade de criar dificuldades a um Governo que ainda não teve tempo sequer de falhar uma execução orçamental, mas que manifestamente não compartilha a cartilha económica que vigora no núcleo duro das instituições europeias. Além de mais, António Costa bate-se em Bruxelas e Berlim pela defesa dos interesses do país, seja contra as sanções seja para que o aumento de capital da CGD não seja considerado uma ajuda de Estado. Foi isso que não foi feito nos últimos quatro anos. E é isso que incomoda e irrita parte dos comissários, o Eurogrupo e Berlim. Para mais, o dr. Costa já passou várias provas de fogo e começa a tornar-se claro que também vai vencer a das sanções e do aumento de capital da CGD. É isso que dói a quem não gosta da atual solução governativa portuguesa e é isso que mete medo a Bruxelas e ao Eurogrupo. Se o “mau” exemplo se propaga, ainda se conclui que, além da TINA, afinal havia outra — e que era bem melhor.

É claro que o campo maior dessa batalha está na Europa. Sem que o Tratado Orçamental seja alterado ou mesmo rasgado não será possível conduzir outra política económica diferente da que é preconizada pelos fundamentalistas neoliberais, nem batalhar pela redução das desigualdades sociais através da prossecução de políticas públicas na saúde, na educação e na segurança social. Mas essa é uma guerra que, embora esteja já a ser travada, vai demorar tempo até ser vencida.


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ANOS. A IDADE DA SISCOG. Quando regressaram a Portugal, depois de se doutorarem em Inteligência Artificial, João Pavão Martins e Ernesto Morgado fundaram uma empresa especializada em sistemas de planeamento e gestão para transportes. Hoje, a SISCOG conta entre os seus clientes com os caminhos de ferro do Canadá, Dinamarca, Finlândia, Holanda e Noruega, os metropolitanos de Londres e de Lisboa, os comboios suburbanos de Copenhaga , etc. Dos €8 milhões que fatura, 97% vêm do exterior. É destas empresas, excelentes e exportadoras, que o país precisa. Mas também precisa que elas cresçam muito mais e muito rapidamente. É esse o desafio que a SISCOG enfrenta.


O descalabro da banca portuguesa continua

Entre o pedido de ajuda internacional feito por Lisboa a 6 de maio de 2011 e o momento atual, o sector bancário português, que passou por vários testes de stresse europeus, que foi sucessivamente escrutinado e que dispôs de €12 mil milhões para reforçar capital, está feito em cacos. A história é conhecida: o BES, o terceiro maior banco português, desapareceu por decisão de Bruxelas e do Banco de Portugal e deu lugar ao Novo Banco, que nascia, alvo e seguro, sem ativos tóxicos, que ficavam no BES mau. O negócio da sua venda era tão bom que havia 17 interessados, depois ficaram três e depois nenhum apresentou proposta. E o Novo Banco afinal tem problemas velhos: apresentou, em 2015, um prejuízo de €980,6 milhões. O Banif, por decisão do Banco de Portugal, também foi resolvido no final de 2015. Mais €3000 milhões para a conta dos contribuintes. O Montepio teve prejuízos de €242 milhões, em 2015, que se seguem à perda de €185 milhões, em 2014. E apesar do recente aumento de capital, a Moody’s cortou o rating da instituição em dois níveis, para “especulativo” e “alto risco de crédito”. Por seu turno, a Caixa aguarda um aumento de capital que pode chegar aos €4000 milhões. Este valor é resultado, entre outras razões, do crédito que concedeu a Joe Berardo e outros para comprarem ações do BCP e ao facto de ter sido obrigado a engolir o BPN. Por seu turno, o BCP, apesar do extraordinário trabalho de recuperação levado a cabo pela equipa de Nuno Amado, entrou esta semana de novo numa quebra bolsista brutal, que lhe retirou 33% do valor acionista em oito dias — com os analistas e investidores a especularem sobre a necessidade de novo aumento de capital. O BPI está sob uma OPA e tem para resolver a situação do BFA em Angola. Ora, isto não é um sector bancário, é um campo de batalha financeiro com inúmeros mortos e feridos graves. E por isso a troika, o Banco de Portugal e inúmeros presidentes e administradores bancários deveriam vir em procissão e de joelhos pedir desculpa ao povo português.


Em cada amor presente o amor ausente

(amor como tu querias não havia)

que para ti bastava amor somente

e sempre em dor amor se consumia.

Talvez em ti amor fosse um repente

um ver amor no amor que te não via

ou talvez um buscar o verso ardente

em que sempre o amor se convertia.

Tinhas que arder arder de puro ardor

arder de fogo frio amor do amor

amor já só ideia ou só palavra.

Cativo mas tu só libertador

fosse princesa ou puta ou fosse escrava

que para ti somente amor bastava.


(Manuel Alegre, ‘Amor somente’, in “Vinte Poemas para Camões”, Pulicações Dom Quixote, 2016)

3 pensamentos sobre “Como se muda o que parecia imutável

  1. A – Porque é que é que a poesia tem sempre tanta dificuldade em perceber o Amor? Este poema de Manuel Alegre, belíssimo, é a confusão do amor sentido e não decisivo para o outro. Do amor dos estados de alma e não do amor que é a decisão de se dar ao outro e pelo outro. Na ausência do outro, pelos vistos nunca decisivamente amado, usa-se quem está à mão. Mas isso não é Amor.
    B – A desqualificação a que os fundamentalistas, com o holandês à cabeça, se sujeitam ajuda muito a que estejam “à rasquinha” com o sucesso da geringonça e da postura do PR e com a possível contaminação das eleições em Espanha. Para além do carcanhol que pode fugir da Euronext por causa do Brexit (agora que até a bolsa de londres já lá estava). Estavam a criar uma coisa tão arrumadinha, tão bem estratificada, com ricos e pobres, como deve ser, e afinal as pessoas são ingratas e põem-se a pensar pela sua cabeça e a agir autonomamente. É isto que torna “desasados” os que querem ser donos da Europa, e os torna “desperados”, coisa sempre perigosa.

    • Caro Augusto, a poesia não existe para “compreender” ou “não compreender” o amor, ela existe para traduzir o que vai na alma do ser que ama sabendo que o amor é fugaz, difícil, caprichoso, sofredor… Disse também o cantor Janita Salomé : Não é fácil o amor…melhor seria arrancar o braço…fazê-lo voar etc…cito de memória. Homenagem esplêndida a Camões.

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